No dia em que Mavi deu à luz suas filhas gêmeas, perdeu tudo. O companheiro de anos revelou sua verdadeira face no momento mais vulnerável: ele nunca quis as crianças, nunca quis ficar — e deixou Mavi sozinha, devastada e sangrando entre os escombros de um amor mentiroso. Mas o pior ainda estava por vir. As recém-nascidas desapareceram. Meses depois, tentando se reconstruir, Mavi é novamente arrastada para o abismo. Um mal-entendido, um sequestro e, de repente, ela é vendida como mercadoria — jogada dentro de um sistema onde mulheres são reduzidas a propriedade. É assim que ela cai nas mãos de Vittorio, o viúvo cruel, temido chefão do Círculo Nero, a máfia mais temida do submundo europeu. Com seus 48 anos, ele não tem espaço para sentimentos, não tem tempo para dramas — mas por algum motivo, não consegue soltá-la. Prisioneira na mansão do mafioso, Mavi tenta sobreviver. Mas há algo naquele lugar que inquieta sua alma. Entre os corredores frios, os olhares de servos silenciosos… e duas pequenas meninas que caminham pela casa com passos trêmulos e olhos assustadoramente familiares. Coincidência? Ou apenas mais uma ferida que o destino se diverte em cutucar?
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O cheiro de hospital sempre me deixou enjoada, mas naquele dia era diferente. Eu estava suando frio, a respiração curta, os olhos marejados e a dor… Meu Deus, a dor era tanta que parecia me rasgar por dentro. — Força, amor. Eu tô aqui…, a voz dele sussurrava no meu ouvido, quente e trêmula. Heitor segurava minha mão com firmeza, ajoelhado ao lado da maca, os olhos úmidos de emoção. Eu podia jurar que ele também estava sofrendo comigo. A mão dele acariciava meus cabelos grudados de suor, e os beijos que ele deixava na minha testa pareciam sinceros. — Você tá indo bem, Mavi, tão bem… só mais um pouco, tá? Eu gritei de novo, o corpo arqueando com a contração. As enfermeiras se apressavam, o médico pedia mais força. Estavam quase lá. Eu só pensava nas minhas meninas. Nas minhas filhas. As duas pequenas vidas que carreguei por quase nove meses, com medo, esperança, amor. — Elas vão ser lindas, Mavi… iguais a você — ele disse, a voz embargada, e aquilo me deu força. A dor me partia, mas eu empurrei com tudo que tinha. Um gemido, um choro — o primeiro. Um som que partiu meu coração de tão pequeno e perfeito. — Primeira nasceu, mãe — disse a enfermeira, sorrindo. Chorei. Chorei como nunca. Chorei de felicidade, de alívio, de cansaço. E ainda faltava uma. Mais uma força, mais uma onda de dor, e então, outro choro. Duas. Duas meninas. Duas partes de mim. — Elas estão bem? — perguntei, a voz embargada. — Estão perfeitas — respondeu o médico. Eram. Perfeitas. As enfermeiras trouxeram os dois pacotinhos até mim. Minhas meninas. Minhas… minhas filhas. Meus pedaços vivos. Elas tinham o rostinho pequeno, os olhos apertados, a pele rosada. — Olha só pra elas, Heitor, são nossas — sussurrei, virando o rosto pra ele. Mas ele estava distante. Ainda sorria, mas o olhar parecia… ausente. Rígido. Por um segundo, pensei ter visto frieza ali, mas passou tão rápido que achei que fosse o cansaço me confundindo. Ele se aproximou, pegou uma das bebês nos braços, olhou como se analisasse uma escultura rara. — São lindas mesmo — disse, mas sem brilho na voz. — Você foi incrível, amor. Sorri fraco. A dor no corpo começava a se dissipar, mas havia algo no ar. Algo estranho. Como se o quarto inteiro tivesse mudado de temperatura. — Vai ficar comigo um pouco? — perguntei, antes que as enfermeiras levassem as meninas pra limpeza e cuidados. — Claro… só vou avisar à família que correu tudo bem. Ele me beijou na testa e saiu do quarto com passos firmes. Algo dentro de mim gritou, mas ignorei. Eu estava exausta. Só queria dormir sabendo que minhas filhas estavam bem. Fechei os olhos por alguns minutos. Quando acordei, a luz já era diferente. O quarto estava mais vazio, o silêncio parecia ecoar. Olhei ao redor, procurando Heitor. Nada. Nenhum sinal dele. Também não havia sinal das meninas. Nenhum chorinho, nenhuma movimentação. — Com licença — chamei, tentando me levantar um pouco. — Enfermeira? Uma mulher entrou, gentil. — Oi, mamãe. Como está se sentindo? — Tô melhor, Mas minhas filhas… onde estão? Ela franziu o cenho. — Achei que já tinham trazido de volta do berçário… vou verificar, tá? Ela saiu, e algo se revirou dentro de mim. Um frio no estômago. Um aperto. Dez minutos depois, ela voltou com outra mulher. Olhares nervosos, trocas de palavras silenciosas. Minha respiração começou a acelerar. — O que foi? — perguntei, o tom subindo. — Cadê minhas filhas? A primeira mulher respirou fundo. — O berçário está verificando, Mavi, talvez tenha sido um mal-entendido, tá bom? — Que mal-entendido?! Me diz onde estão minhas filhas! — gritei, o peito apertado. A segunda enfermeira, mais velha, tentou me acalmar, mas seus olhos denunciavam o caos que já se instalava. Me levantei mesmo sentindo dor, puxando o soro com raiva. — Cadê o Heitor?! Ele disse que ia avisar a família! Ele não voltou! Cadê ele?! Os olhos das duas se encontraram. Eu percebi. Naquele segundo, eu soube. Algo estava muito errado. Tentei sair do quarto, mas fui contida. Vieram mais dois profissionais. Me sedaram. A dor física voltou, misturada com o pânico, o desespero, o grito preso. Antes de apagar, ouvi a frase que partiria minha alma. — Não encontramos registro das bebês. Nem do acompanhante. Ele sumiu com elas. Acordei horas depois, ou talvez dias. O tempo já não fazia sentido. A sala era outra, um quarto diferente, com janelas fechadas e cheiro de tranquilizante no ar. Minha mãe estava ali. Chorava em silêncio, segurando minha mão. — Foi ele, não foi? — sussurrei. Ela assentiu, a boca trêmula. Meus olhos encheram d’água de novo. — Ele me prometeu… ele dizia que amava… — minha voz se desfez. Minha mãe apertou minha mão. — A polícia tá procurando, filha… vão encontrar… Mas eu já sabia. Heitor tinha sumido. Com minhas filhas. Com meu coração. Com tudo que me restava. E naquele momento, pela primeira vez, eu senti o gosto real da palavra ódio. A dor física era suportável. O que doía de verdade era a ausência. O vazio doía. O berço vazio. O colo vazio. A ausência das vozes, do choro, do toque das pequenas mãos que deveriam estar entrelaçadas às minhas. Doía respirar. Doía existir. Os dias seguintes foram um borrão de vozes, polícia, perguntas inúteis, cafés frios e olhares de pena. Todos diziam que estavam “fazendo o possível”, mas ninguém me devolvia minhas filhas. Ninguém me devolvia o tempo. Heitor sumiu sem deixar rastro. Sem documento, sem carro, sem câmeras. Como se tivesse evaporado da Terra com minhas filhas nos braços. — Ele planejou tudo, Mavi — disse minha mãe, uma noite, com a voz trêmula. — Fingiu por anos, fez você confiar… e no dia mais importante da sua vida, arrancou tudo de você. Eu não consegui responder. Só de ouvir o nome dele meu estômago se contorcia. Na minha cabeça, ecoava a voz dele, naquele último momento antes de sair: “Eu vou avisar sua família.” Avisar, o quê? Que tinha acabado com a minha? Uma semana depois, os médicos me liberaram. Me deram alta sem me curar de nada. Acordei todos os dias esperando que fosse só um pesadelo. Que alguém fosse entrar pela porta e dizer “achamos elas”. Mas isso nunca acontecia. E assim fui virando uma sombra de mim mesma. Uma mulher vazia, magra, com olheiras roxas e mãos sempre trêmulas. Até a luz dos meus olhos parecia ter sido sequestrada com elas. — Ele tirou tudo de mim — sussurrei um dia, olhando pro teto do quarto escuro. — Ele me deixou só… com meu próprio corpo como prisão. Os dias passaram sem cor. Minha mãe fazia o possível pra me manter viva, mas eu mal falava. Mal comia. Só existia. E numa dessas manhãs cinzentas, com a TV ligada baixinho no canto do quarto, eu ouvi a frase que gelou minha espinha: — “A Polícia Federal interceptou esta manhã um contêiner suspeito vindo da região Sul. Dentro, haviam compartimentos vazios e vestígios que indicam transporte humano — entre eles, itens infantis.” Meus olhos se voltaram lentamente pra tela. A imagem mostrava um galpão industrial, policiais vasculhando caixas, bonecas partidas, chupetas espalhadas no chão sujo, e entre os itens… uma manta rosa-claro bordada pelas mãos da minha mãe . A manta .. era a mesma. Eu me levantei de súbito, o corpo trêmulo, a respiração falhando. A manta foi a que minha mãe costurou com tanto carinho semanas antes do parto!VITTORIO NARRANDO CONTINUAÇÃO.. Nem todos os fantasmas voltam para assombrar. Alguns retornam para tomar o que acham que é deles por direito. Sentei-me na poltrona de couro, cruzando as pernas com precisão. As paredes do meu escritório exalavam silêncio, exceto pelos gritos abafados vindos do porão. Meus homens estavam fazendo o trabalho sujo — como deveriam. Eu havia aprendido há muito tempo que não se perde tempo com discursos quando se quer respostas. A dor fala mais rápido. Acendi meu charuto, puxando a fumaça com calma. Um dos meus conselheiros entrou, discreto. — O irmão está mais inquieto do que o normal. Desde que voltou dos Estados Unidos, parece andar em círculos pela casa. — ele disse, com cautela na voz. — Ele não voltou sozinho — respondi. — Alguém o chamou. Descubra quem foi. O conselheiro hesitou, depois disse: — Temos uma pista. Valéria. Levantei lentamente os olhos. O nome caiu como veneno antigo escorrendo pela borda do cálice. — Valéria o chamou de volta?
VITTORIO NARRANDO A fumaça do charuto desenhava espirais lentas no ar enquanto eu observava a cidade do alto do meu escritório. O vidro refletia a minha imagem distorcida, e por um instante, era como se eu me visse criança de novo, sentado num canto da sala, ouvindo meu pai bater com o punho na mesa e falar sobre sangue, poder e legado. Eu aprendi cedo que amor e lealdade não pertencem ao mesmo lugar. Amor cega. Lealdade mantém o reino de pé. Talvez por isso, até hoje, eu nunca tenha perdoado meu irmão. — O senhor está ouvindo, Morelli? — a voz de Salvatore, um dos conselheiros mais antigos da Famiglia, me tirou dos devaneios. Ele estava sentado na outra ponta da mesa de reunião. Os olhos pequenos e atentos, como os de um rato. — Ouvir é tudo o que eu faço — respondi, tirando o charuto da boca com lentidão. — Falar demais é que mata. Os outros homens riram, com aquele riso contido de quem sabe que um comentário fora do lugar pode custar a língua. Mas Salvatore não riu. Apenas p
MAVI NARRANDO — Ela é a senhora Morelli.As palavras foram ditas com firmeza, como uma sentença. Como se não houvesse mais o que discutir.O homem arqueou uma sobrancelha, lentamente. O sorriso que puxou no canto da boca era carregado de ironia.— É mesmo?Depois olhou de novo pra mim, e dessa vez, a hostilidade era mais nítida.— Que tipo de irmão você é, Vitório? — ele perguntou, virando o rosto em direção a ele. — Casou e não me contou?Irmão.Aquilo me pegou de surpresa. Observei os dois, os traços parecidos, a estrutura de corpo. Mas havia algo mais forte entre eles: uma tensão. Um ressentimento. Alguma coisa antiga, mal resolvida, que pairava ali feito fumaça.— Você estava longe demais pra ser incluído em qualquer coisa — Vitório respondeu, seco. — E você sabe por quê.O homem soltou um riso curto, frio. Enfiou as mãos nos bolsos do paletó e deu dois passos pra dentro da casa, sem ser convidado.— Espero que essa nova Morelli saiba onde está pisando. Porque o chão que você con
MAVI NARRANDOA imagem dele puxando a língua da empregada e apontando a lâmina do canivete continuava queimando atrás dos meus olhos. Aquela cena era um lembrete do mundo em que eu tinha entrado. Um mundo que não aceitava erros. Que não perdoava desrespeito. E que lidava com boatos como se fossem sentenças.Eu sustentei meu papel por tempo suficiente. Mas no fundo, eu tremia.O rosto da mulher ainda me assombrava. O medo nos olhos dela. As mãos trêmulas. A gota de suor escorrendo pela têmpora. E ele ali, impassível, apenas sustentando o peso do próprio poder.Eu tentei engolir a sensação de que havia ultrapassado uma linha invisível. Eu queria ser respeitada. Ser ouvida. Mas naquele mundo, a palavra “senhora Morelli” vinha cercada de sangue, de ameaças, de controle.Fui despertada dos meus pensamentos quando ele se levantou, deixando o prato intacto, o olhar ainda fixo em mim.— Suba.Só isso. E virou as costas.Segui atrás, sem dizer nada, sentindo o salto ecoar nos degraus como se c
VITÓRIO NARRANDO O silêncio que veio depois da minha ameaça pesava mais que a lâmina em minhas mãos. As duas empregadas tremiam, uma com a bandeja ainda na mão, a outra tentando se manter firme com a jarra. Mavi permanecia sentada, os olhos duros como vidro, mas eu percebi o leve tremor nos dedos quando ela repousou os talheres sobre o prato. Ela não era fraca. Mas ninguém nasce pronta pra lidar com um Morelli.Levantei da cadeira devagar. O estalo do couro da minha cinta de relógio cortou o ar quando ergui o braço, abrindo o canivete prateado. A lâmina apareceu como uma extensão do meu pulso. Precisa. Polida. Letal.— Levantem-se — ordenei às duas.Nenhuma se moveu.Meu tom não mudou. Só meus olhos endureceram.— Eu disse: levantem.A mais nova obedeceu primeiro. Os joelhos tremiam como galhos sob vento forte. A outra a seguiu, e eu avancei, parando diante dela — a que insinuou. A que ousou soprar veneno nos corredores da minha casa.— A língua — pedi, baixo, frio.— Senhor… por fav
VITTORIO NARRANDO Fiquei imóvel. Ela parou a três passos de mim. Os olhos brilharam quando notaram o arranjo de flores, os bancos, o altar. Mas quando viu a ausência de testemunhas… entendeu.— Foi hoje, então — ela sussurrou, e deu um riso curto. — Você realmente casou com ela.Não respondi.Ela se aproximou mais.— Sabe o que estão dizendo, não sabe? Que você enlouqueceu. Que o grande Vitório Morelli jogou o império no lixo por uma mulher qualquer. Por uma babá. Uma negra com filhos que nem são dela.— Chega — cortei, a voz baixa.— Eu esperei, Vitório. Por anos. Todos sabiam que éramos o par certo. Todos queriam isso. E você… Você me jogou nas sombras por alguém que nem sabe o que é esse mundo.Me aproximei lentamente, o rosto a poucos centímetros do dela.— E é exatamente por isso que ela está ao meu lado agora. Porque não sabe. Ela deu um passo para trás, ajeitou o cabelo, e antes de sair pela porta da capela, lançou o aviso:— Isso não acaba aqui. Você vai se arrepender de ter
Último capítulo