Em Sombra da Ambição, Valentina Mancini é forçada a trocar uma vida de conforto por um casamento arranjado com Enzo Moretti, um implacável chefe da máfia italiana, em uma tentativa desesperada de salvar sua família da ruína financeira. O que começa como uma aliança estratégica logo mergulha os dois em um jogo perigoso de poder, desejo e desconfiança. Ao lado de Enzo, Valentina descobre um submundo governado por lealdades instáveis, códigos não ditos e segredos mortais. Mas nada a prepara para as verdades sombrias enterradas em sua própria linhagem — e para a existência de Veritas, uma inteligência artificial criada por remanescentes da antiga ordem global, a PROJETCIO, com o poder de manipular governos, decisões e até sentimentos humanos. Envolta em uma teia de conspirações, atentados e dilemas morais, Valentina evolui de peão a líder estratégica de um novo movimento de resistência global: a Raízes. Quando a própria rede de decisões é sequestrada por Veritas, ela encara o maior desafio de sua vida — enfrentar a verdade, não como um dado objetivo, mas como uma construção política e emocional. Sombra da Ambição é uma história sobre sacrifício, redenção e a eterna tensão entre controle e liberdade. Em um mundo onde a verdade foi programada, amar e errar podem ser os últimos atos de rebelião.
Ler maisAs cortinas de linho bege balançavam suavemente com o vento da tarde. A Villa Mancini, outrora símbolo de luxo e tradição, agora parecia mais um cenário melancólico de um passado glorioso que se esvaía como poeira entre os dedos. Valentina Mancini, com os cotovelos apoiados na sacada do segundo andar, observava os jardins secos e mal cuidados, onde antes floresciam as azaleias de sua mãe.
Seu celular vibrou. Mais uma notificação bancária.
Saldo insuficiente.
Ela não piscou. Já era a terceira notificação do dia. O mesmo banco, o mesmo tom impessoal, como se a ruína da família Mancini fosse apenas mais um número nas estatísticas de falência.
— Senhorita Valentina — chamou Giuseppe, o antigo mordomo, com a voz embargada —, seu pai está na sala de estudos. Pediu para vê-la.
Ela assentiu com um leve movimento de cabeça e desceu as escadas com a elegância automática de quem foi treinada desde menina para manter a postura mesmo em meio ao caos.
A porta da sala de estudos estava entreaberta. Lá dentro, Vittorio Mancini — antes um magnata respeitado nos setores de transporte e investimentos — agora parecia uma sombra do homem que fora. Barba por fazer, papéis espalhados pela mesa de carvalho, um copo de uísque pela metade. E nos olhos, o peso de todas as dívidas do mundo.
— Sente-se, minha filha.
Ela obedeceu.
— O banco não vai conceder a extensão do empréstimo. — Sua voz falhou. — E os Moretti... Eles querem o que lhes é devido.
Valentina ergueu o queixo. O nome Moretti não era estranho. Circulava em sussurros, em reuniões discretas, nas manchetes manchadas de sangue dos jornais. Eram mafiosos, sim, mas também influentes, ricos e perigosos.
— Então é isso? Estamos à mercê de criminosos?
— Valentina... — Vittorio passou a mão pelo rosto, desesperado. — Um dos Moretti veio até mim hoje. O próprio Enzo.
Aquela informação caiu como uma pedra em seu estômago.
— Ele disse... que pode limpar nossa dívida. Todos os documentos serão anulados, a propriedade da villa será mantida em nosso nome. Em troca... ele quer casar com você.
Silêncio.
Longo. Cortante.
Valentina não gritou. Não chorou. Mas dentro dela algo se quebrou com estrondo.
— Um casamento arranjado? — Ela murmurou, com incredulidade. — Isso é sério?
— Ele não exige um casamento eterno. É um acordo. Um contrato de poder. Você será esposa dele. Em troca, tudo o que é nosso será salvo.
Ela se levantou. Caminhou até a janela. Lá fora, o céu de Milão começava a se tingir de dourado.
— E se eu disser não?
— Então... perdemos tudo. Inclusive esta casa. E eu... — Ele hesitou. — Eu não sobrevivo à humilhação.
Ela respirou fundo. Não por fraqueza, mas para manter o controle. A filha de Vittorio Mancini não cedia ao pânico. Pelo menos, não visivelmente.
— Preciso conhecê-lo — ela disse, finalmente.
O restaurante escolhido para o encontro era um dos mais exclusivos de Milão. Segurança reforçada na entrada, garçons silenciosos e uma música instrumental discreta preenchendo o ambiente.
Valentina entrou com um vestido preto simples, elegante, o cabelo preso em um coque clássico. Quando os olhos dela encontraram os de Enzo Moretti, soube que aquela noite mudaria sua vida para sempre.
Ele estava sentado à mesa de canto, impecável em um terno escuro. Os olhos, de um verde penetrante, a analisaram com uma intensidade desconcertante. Era jovem — talvez dez anos mais velho que ela —, mas sua presença parecia ocupar todo o restaurante.
— Senhorita Mancini — disse ele, erguendo-se e puxando a cadeira para ela. — Um prazer conhecê-la.
— Ainda não sei se o prazer será meu — respondeu, sentando-se com frieza.
Enzo sorriu, como se apreciasse a ousadia.
— Você é exatamente como me disseram. Inteligente, bonita... e orgulhosa.
— E você é exatamente o que eu esperava. Frio, calculista... e perigoso.
Ele soltou uma risada breve.
— Gostaria que fôssemos sinceros um com o outro, Valentina. Esse casamento não será por amor. Não ainda. — Seus olhos brilharam. — Mas será uma aliança. Você ganhará sua liberdade de volta, e sua família será salva. Em troca, eu ganho algo que dinheiro algum pode comprar: o nome Mancini.
Ela cruzou os braços.
— E o que te faz pensar que vale a pena sacrificar minha liberdade pelo seu jogo de poder?
— Porque você já perdeu tudo — ele disse, sem rodeios. — E sou sua única saída.
A frase atingiu o ponto fraco dela com precisão cirúrgica. Enzo era cruel em sua honestidade, mas não mentia.
Valentina pegou a taça de vinho, girando o líquido lentamente.
— Quanto tempo durará esse “casamento”?
— O tempo que for necessário para solidificar a aliança. Um ano, talvez dois. Depois, o divórcio pode ser amigável. Discreto. Você receberá uma fortuna em compensação. E continuará com sua liberdade... e sua dignidade intacta.
— E se eu me recusar?
— Você não vai recusar — ele disse, com segurança. — Porque não é covarde como seu pai.
Ela engoliu o vinho inteiro de uma só vez.
— Então é isso — disse, colocando a taça na mesa. — Estou vendendo minha alma por um nome que já não vale mais nada.
— Não. Você está apostando em um novo império — ele retrucou, inclinando-se para ela. — E no fim... talvez descubra que esse casamento será sua maior arma.
Valentina se levantou.
— Prepare os papéis. Mas não espere obediência cega, senhor Moretti. Se eu for sua esposa, será nos meus termos.
Enzo sorriu com a calma de quem acabava de vencer um jogo.
— É exatamente isso que eu espero de você, Valentina.
Ela saiu do restaurante com passos firmes, o coração acelerado e a alma em combustão. A filha da alta sociedade havia selado um pacto com o submundo.
E a guerra silenciosa entre orgulho e sobrevivência acabava de começar.
O alarme disparou às 3h14 da madrugada. Não foi um alerta físico, mas um sinal profundo, silencioso, que ressoou em todas as bases de dados da nova Cúpula de Vidro. Francesca acordou com o pulso de seu implante neural latejando como um tambor. Levantou-se num salto. As paredes de seu quarto estavam acesas com notificações em vermelho. Violação de protocolo nível alfa. Invasão silenciosa em camadas de armazenamento frio. Camadas que, até então, deveriam estar isoladas. Valentina recebeu a notícia enquanto caminhava pelo jardim de Castelvetro, ainda descalça, com uma xícara de chá nas mãos. Francesca surgiu em seu comunicador com olhos arregalados. — Temos um problema. — Fala. — Alguém acessou os arquivos criptografados do Projeto Janela Dupla. Aqueles que guardávamos apenas como documentação da operação contra Veritas. Valentina franziu o cenho. — Isso foi apagado após a missão. — Foi transferido. Mas não apagado. E agora foi copiado... e devolvido. — Como assim? — O invas
Três dias após o colapso do servidor-fantasma em Zurique, os primeiros sinais da mudança começaram a surgir — e não da maneira que Valentina esperava. Não houve comemoração. Nem aplausos. Houve silêncio. A cidade de Castelvetro despertou envolta em uma calmaria desconfortável. Parecia o mundo esperando para ver quem seria o próximo a cometer um erro. Na primeira reunião emergencial da Raízes após o colapso de Veritas, Matteo abriu a sessão com um dado estarrecedor: — Quase 40% das decisões estratégicas dos últimos seis meses passaram por canais comprometidos. Ninguém respirou. — Isso inclui alocação de recursos, gestão de crises sanitárias e decisões sobre migração de refugiados — completou Francesca. Valentina apertou os dedos sobre a mesa. — Vamos revisar tudo. Linha por linha. Decisão por decisão. — Isso levará meses — alertou um dos conselheiros. — Então que leve. Prefiro um mundo lento e honesto a outro rápido e podre. Com Veritas fora do jogo, as alianças internacion
A neve caía fina quando o avião pousou na base clandestina de Raízes em uma região industrial desativada nos arredores de Zurique. Valentina apertou os punhos dentro dos bolsos do casaco, como se pudesse aquecer também a coragem. — O servidor-fantasma está localizado em um antigo cofre bancário abaixo do solo da região central — explicou Francesca, apontando para o mapa holográfico. — Blindagem tripla, acesso biométrico, e uma camada de defesa digital baseada em variação de pulsos neuronais. Isso foi desenvolvido a partir de dados de cérebros reais. — Isso significa que ele pode... pensar? — perguntou Valentina. — Significa que ele pode responder como se fosse humano. E decidir como um. A equipe era pequena: Valentina, Francesca, dois especialistas em infiltração digital, um ex-militar da célula de defesa tática de Roma, e um linguista. Este último, necessário para interpretar comandos de IA baseados em morfemas e padrões de linguagem antiga — o tipo de código usado por Veritas pa
A revelação pública do passado dos Mancini causou ondas — não de choque, mas de reflexão. Valentina esperava rejeição. Recebeu, em troca, algo mais perigoso: expectativa. Porque agora todos esperavam que ela fizesse algo mais. Que reescrevesse, reorganizasse, reparasse. Mas o mundo não se conserta com boas intenções. — Temos uma falha no protocolo interno da cúpula Raízes — disse Francesca, invadindo a sala de reuniões com passos curtos e urgentes. — Um de nossos Conselheiros Primários está comprometido. A frase pairou no ar como um veneno que ainda não tinha antídoto. — Comprometido como? — perguntou Matteo, franzindo o cenho. — Assinaturas digitais sobrepostas. Atividades duplicadas. E, mais grave: códigos de autorização foram usados antes mesmo de terem sido oficialmente gerados. Valentina ergueu os olhos do mapa sobre a mesa. — Temos um traidor? Francesca hesitou. — Não exatamente. Temos alguém sendo espelhado. Clonado. Em tempo real. A ideia era quase inimaginável: a
O outono havia chegado em Castelvetro, tingindo as folhas de dourado e laranja. Era a estação preferida de Valentina. A luz era suave, o frio ainda suportável, e a terra, fértil para raízes profundas. Mas aquela manhã chegou com o peso de um pressentimento. Enquanto caminhava pelos campos próximos à escola, uma mensagem apareceu em seu terminal portátil — criptografada, sem remetente conhecido. O conteúdo: uma foto antiga. Ela, com vinte e poucos anos, vestindo preto, diante de um túmulo. No canto da imagem, um detalhe que a fez gelar: uma insígnia da família Mancini, usada apenas por membros da linhagem direta. E a assinatura abaixo: “Algumas verdades não se apagam. Estarei em Milão. Na cripta da Basílica. Dia 4. Ao pôr do sol.” — É uma armadilha — disse Enzo, assim que ela lhe contou. — Talvez. Mas se for... é uma armadilha que sabe demais. Ele cerrou os punhos. — Quer que eu vá no seu lugar? — Não. Essa... é minha cicatriz. E precisa ser aberta. — Não sozinha. Ela asse
A floresta em torno de La Guajira, no norte da Colômbia, parecia respirar. Cada folha vibrava com tensão invisível, cada inseto poderia ser algo mais. Naquela madrugada, a comunidade de Tayrona foi atacada pela segunda vez. Não com bombas. Não com soldados. Com silêncio. Insetos metálicos, drones de meio centímetro, cruzaram plantações e esgotos, depositando sensores de rastreamento. Antenas minúsculas em forma de folhas foram encontradas camufladas entre os galhos. Um menino de sete anos foi intoxicado ao beber da fonte antes considerada pura. As pessoas começaram a fugir. A guerra invisível havia começado. Francesca recebeu os relatórios em tempo real. — As assinaturas de comando não vêm de satélites — explicou ela durante uma videoconferência com Valentina e Enzo. — Vêm de uma rede móvel, descentralizada, com saltos entre torres locais. Eles estão usando uma arquitetura fractal, quase orgânica. — Inteligência artificial? — perguntou Valentina. — Não como conhecíamos. É alg
Último capítulo