Mundo de ficçãoIniciar sessãoArianna precisava de um emprego com urgência, e foi nesse momento que um anúncio de babá chamou sua atenção. O que ela não imaginava era que a agência realmente a contrataria e muito menos que a enviaria para a casa de um bilionário de poucas palavras que havia acabado de descobrir que era pai. David nunca foi de se prender a nenhuma mulher. Por isso, quando soube que tinha uma filha de apenas seis meses com uma ex-namorada, duvidou… até ver a menina e encarar o fato de que a mãe estava morrendo. Sem opções, ele assume a paternidade e precisa encontrar uma babá às pressas. Só não esperava que essa babá fosse virar sua vida de ponta-cabeça.
Ler maisA xícara de café já tinha criado aquela película grossa e oleosa na superfície, sinal de que estava ali esquecida há pelo menos meia hora. Arianna nem percebia mais o cheiro. Só virava as páginas do jornal dobrado ao meio, marcando com a unha os anúncios que pareciam promissores e riscando, logo em seguida, os que pediam “experiência comprovada” ou “disponibilidade total, inclusive feriados”.
Dois meses. Dois meses sem salário entrando, só saindo. A geladeira quase vazia, luz com aviso de corte na próxima fatura, aluguel atrasado em quinze dias. Ela contava as moedas do pote de biscoito toda noite, como quem conta os dias que ainda restam. Foi quando viu, lá no canto da página 17, entre um anúncio de curso de manicure e outro de venda de sofá usado: ANGEL HANDS CARE INSTITUTE Procura-se babás para início imediato – 2026 Salário compatível + benefícios Entrevista presencial – levar currículo impresso Rua das Acácias, 184 – Centro Arianna leu três vezes, como se as letras pudessem sumir. Babá. Ela já tinha sido, anos atrás, quando ainda morava com a mãe e precisava de dinheiro pra faculdade. Sabia trocar fralda dormindo, fazer mingau na temperatura certa, acalmar choro de cólica às três da manhã. Talvez ainda soubesse. — Achou alguma coisa que preste ou vai continuar torturando esse jornal? — Zoe apareceu do nada, como sempre, com o avental manchado de café e o coque frouxo caindo no ombro. Sem esperar resposta, pegou a xícara fria da frente de Arianna e, num gesto rápido, trocou por outra que acabara de sair da máquina, fumegante, cheirando a esperança barata de R$ 4,50. Arianna nem agradeceu logo de cara. Só levou a xícara à boca, ansiosa, e queimou a língua na hora. — Ai, caralho! — sussurrou, fazendo careta, abanando a boca com a mão. Zoe deu risada, aquele riso rouco de quem fuma escondido no banheiro do café. — Desculpa, amor. Esse aí tá pelando mesmo. Fica por minha conta, tá? Hoje você não paga nada. — Ela limpou a mão úmida no avental e apoiou a bandeja no quadril. — Então? Vai me contar ou vai ficar aí sofrendo em silêncio que nem sempre? Arianna empurrou o jornal pra frente, apontando o anúncio com o dedo trêmulo. — Aqui. Babá. Entrevista presencial. Acho que vou. Zoe leu rápido, com a sobrancelha arqueada. — Instituto chique, hein. Angel Hands… já ouvi falar. Pagam bem, mas exigem muito. Você tem currículo impresso? — Não… mas tenho em casa. Posso imprimir na lan house da esquina. — Então vai logo, minha filha. Esse tipo de vaga some em duas horas. — Zoe deu um tapinha carinhoso no ombro dela, mas o olhar era sério. — E Ari… — Hm? — Boa sorte. De verdade. Você merece coisa boa, tá ouvindo? Arianna sentiu um nó na garganta que não esperava. Fechou o jornal, dobrou com cuidado como se fosse um documento precioso, e se levantou. As pernas meio moles, o coração batendo descompassado. — Se eu passar, te pago um café da manhã decente. Com pão na chapa e tudo — disse, tentando brincar. Zoe sorriu, mas os olhos estavam marejados. — Passando ou não, você vem aqui amanhã e me conta tudo. Combinado? Arianna assentiu. Guardou o jornal na bolsa surrada, respirou fundo o cheiro de café moído, bolo queimado e desespero misturado com amizade que só quem já precisou muito sabe reconhecer. E saiu correndo pra rua, o vento frio de manhã batendo no rosto, o que ia escrever no currículo ainda quente na mente, como se já estivesse impresso, como se já fosse dela a vaga, como se, pela primeira vez em meses, pudesse acreditar que sim, talvez as coisas fossem dar certo.Arianna ainda tremia por dentro.O coração batia tão rápido que ela sentia nas têmporas, mas a voz saía firme, quase doce, cantando a cantiga que a mãe dela cantava quando tinha pesadelo: “Boi, boi, boi, boi da cara preta… pega essa menina que tem medo de careta…”Ava, sentada no trocador improvisado em cima da cômoda, olhava fascinada para o ursinho de pelúcia surrado que Arianna tirara da mala. Jogava o bichinho para o alto, ria quando caía, pegava de novo. Era o mesmo urso que dormia com ela desde os sete anos, com um olho remendado e o laço desbotado. Arianna nunca imaginou que, no primeiro dia de trabalho, ele seria o herói da noite.Fralda trocada, cheirinho de talco no ar, choro zerado.Milagre.Ela pegou Ava no colo, beijou a testa quente e saiu pelo corredor. Quando chegou na sala de jantar, David parou no meio da frase. Os olhos verdes dele – meu Deus, que olhos – se fixaram nas duas como se não acreditasse no que via.— Onde fica o quarto dela? — Arianna perguntou, abrindo
Ava chorava no banco traseiro como se alguém estivesse arrancando pedaços dela.Um choro rouco, cortante, que subia e descia em ondas de desespero puro. David estava com as duas mãos enterradas no cabelo, os cotovelos apoiados nos joelhos, o corpo inteiro curvado para frente. O paletó Tom Ford estava amarrotado, a gravata frouxa, o rosto pálido de quem não dormia direito há dias e tudo isso em apenas alguns minutos com a filha. Ele já imaginava como seria dias, semanas, meses estaria parecendo um louco fugido do hospício.Ele já tinha tentado tudo.Mamadeira – ela cuspiu o bico com raiva.Chocalho que a assistente social entregou junto com a bolsa da bebê – Ava jogou longe.Até cantou, com a voz baixa e sem jeito, um pedaço de “Yellow” do Coldplay que ele lembrava da época da faculdade. Nada. Absolutamente nada funcionava.— Ela deve saber que está indo pra longe da mãe — murmurou Seu Antônio, o motorista, sem tirar os olhos da avenida clareada pelos faróis dos outros carros. — Bebê s
Arianna entrou em seu apartamento como um furacão: jogou a bolsa no sofá, abriu o armário com tanta força que a porta bateu na parede, enfiou na mala duas calças jeans, cinco blusas, calcinhas e sutiãs que ainda prestavam, o mínimo, o carregador do celular, e o ursinho de pelúcia que ela dormia abraçada desde criança. Nem pensou em maquiagem ou sapato bonito. Tempo era artigo de luxo.Apressada desceu as escadas correndo, morava no primeiro andar e agradecia a isso, pois sempre o elevador daquele prédio estava em manutenção. Difícil era o dia que não estava.O porteiro Seu Geraldo ergueu a sobrancelha quando ela passou correndo:— Vai viajar, menina?— Vou trabalhar, Seu Geraldo! Consegui um emprego dos bons! Se a Zoe aparecer, fala que eu passo lá, tá? — disse parando com tudo na porta, antes de sair.Ele sorriu com os dentes tortos:— Pode deixar. Boa sorte, hein.Com o pouco dinheiro que tinha, ela chamou um Uber, dentro dele, ela tentou ligar para Zoe três vezes. Mas os créditos t
O cheiro de hospital entrou pelas narinas de David como uma facada. Álcool, desinfetante, morte lenta. David sentiu o estômago embrulhar. A última vez que pisara num corredor assim fora para ver o pai morrer de infarto, quinze anos atrás. Agora voltava para conhecer a filha e se despedir de uma mulher que mal lembrava o rosto. Quarto 412. A porta entreaberta deixava escapar uma música infantil baixinho, daquelas de canal de YouTube que nunca acaba. Ele empurrou devagar. Rafaela estava deitada, magra a ponto de assustar, a pele quase transparente, um lenço azul cobrindo a cabeça careca. Nos braços dela, uma bebê de macacão rosa brincava com os dedos da mãe, rindo alto cada vez que Rafaela fazia careta. Quando os olhos das duas se encontraram com os dele, o quarto inteiro pareceu perder o ar. Rafaela chorou sem som. Uma lágrima grossa escorreu até o canto da boca. — Pode deixar a gente, por favor — pediu à assistente social, com a voz rouca de remédio e tristeza. A mulher
A sala era grande demais, fria demais, cheirava a perfume caro e o ar-condicionado gelado não estava adiantando em nada para a ansiedade que Arianna sentia. Os pés suando dentro do sapato social que pegara emprestado da vizinha apertava o dedão, mas ela não podia demostrar que aquilo estava latejando. Do outro lado da mesa, a mulher, "Doutora Renata, dizia a plaquinha de metal" lia o currículo de Arianna como se fosse um raio-X da alma dela. Cabelos castanhos lisos até a cintura, batom vermelho-sangue, olhar que não piscava. O tipo de pessoa que faz a gente se sentir automaticamente malvestida. — Experiência com crianças, senhorita Lima? — perguntou sem tirar os olhos do papel. Arianna engoliu em seco, apertando os dedos da mão. Ela não pensou que uma entrevista como essa seria tão ameaçadora. A mulher na sua frente mais parecia uma serial killer pronta para a matar e enterrar seu corpo. De tamanha frieza. — Sim, senhora. Desde os quinze anos eu cuidava dos filhos das amigas d
David continuava olhando o envelope aberto sobre a mesa de mogno como se, a qualquer momento, as letras fossem se rearrumar e virar uma piada de mau gosto. 99,9999% de compatibilidade. Pai. A palavra ainda não cabia na cabeça dele. — Tem certeza absoluta de que esse exame não pode estar errado? — perguntou pela terceira vez, desviando do papel para o advogado na sua frente. Ele mal se lembrava da última vez que havia visto a mulher que escondeu dele uma gravidez e depois o nascimento daquela criança. Mas se lembrava que durante alguns meses eles se encontravam em uma boate e ficavam juntos todas as noites. Não era nada muito sério, um tipo de namoro momentâneo, aquele que ele gostava de ter. O advogado, um homem de uns cinquenta anos com cara de quem já viu de tudo, apenas balançou a cabeça, cansado com aquele caso. — Fizemos duas contraprovas em laboratórios diferentes, senhor Martel. O resultado é irrefutável — confirmou o encarando com seriedade. Não tinha como se e










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