Laura é a filha "preciosa" do dono do morro, que, após ficar seis anos na Itália, volta para assumir o lugar de seu pai no comando do tráfico da Rocinha. Entretanto, ao pôr os pés no Rio de Janeiro, ela descobre que o morro foi tomado por um desconhecido, que seu pai está preso em cativeiro e que sua cabeça está a prêmio. Então, para pegar tudo aquilo que lhe foi tomado de volta, ela decide ir por conta própria até o mais novo dono do morro, Valentim, fingindo ser uma patricinha que não sabe de nada do que está acontecendo por lá e tendo consigo o único objetivo de acabar com seus inimigos e ex-aliados, de dentro para fora e um a um. No entanto, quando ela o vê, percebe que será mais difícil do que imagina, uma vez que a atração entre eles é inegável e isso pode colocar tudo a perder, para ambos.
Leer másLaura
A primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.— Mas que…Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um rápido movimento, tentei checar se havia mais perdas do meu lado. Por alguma razão, o outro homem que eu havia trazido comigo, desaparecera. Ele não estava no beco, o que me fez perguntar se eu havia sido traída ou ele apenas tentara proteger sua vida acima da de sua chefe. Na verdade, não importava qual motivo fosse; se eu sobrevivesse àquilo tudo, eu com certeza o encontraria e ele iria sentir toda minha fúria.Soltei um pequeno gemido de dor, notando que o sangramento em meu braço esquerdo era maior do que gostaria de acreditar. Eu não tinha muito tempo, se esperasse mais alguns minutos poderia acabar tendo alguma hemorragia, e com certeza isso não era algo que eu queria. Entretanto, o que fazer quando não se tem a visão do inimigo?A resposta não era tão difícil, mas fazê-la não era, nem de longe, algo que eu gostava.Suspirando e sem escolhas, tirei meus sapatos com rapidez, deixando-os em uma direção oposta a minha, e me escondi atrás de uma caçamba de lixo, esperando que o atirador viesse me procurar, reunindo a pouca paciência que me restava para não jogar minha última alternativa fora — uma vez que estava ferida e sem meios de me comunicar com qualquer outra pessoa.Desta forma, aguardei o que pareceu ser horas, fazendo com que nesse curto período um pensamento me ocorresse: o que pensaria meu "amado" pai ao me ver ali, a futura dona e rainha do morro, sendo pressionada por um mero atirador da Rocinha?Ele provavelmente não iria gostar. Nem ele, nem minha falecida mãe. Nem eu mesma gostava. Como a única herdeira de um império criado com sangue, ser forte e lidar com situações como essa deveria ser a coisa mais fácil para mim, afinal não era eu que havia passado os últimos seis anos no exterior para me tornar alguém digna de meu nome?Todo o suor que derramei não poderia ter sido em vão. Se fosse, eu não poderia ser chamada de Laura Martins de Almeida. Não poderia ser quem eu nasci para ser. E isso era, naquele momento para mim, a pior coisa no mundo.Por causa desse pequeno instante de devaneio e distração, não vi quando o atirador entrou no beco, quando notou meu sapato de salto destacando-se em meio a cena deprimente ao nosso redor e, por fim, quando soltou uma risada de escárnio, anunciando que minha hipotética posição já era de seu conhecimento.Só fui notar sua presença quando um terceiro disparo soou na direção do lugar que joguei de forma intencional meus sapatos de salto. Aquele era o aviso, o sinal que eu precisava para começar a agir e enfim fazer meu nome valer a pena, mostrando tudo que aprendi e que estava disposta a fazer para acabar com aquela situação.Sem cerimônias, peguei uma faca afiada que guardava em um coldre na lateral da minha panturrilha e me esgueirei até chegar por trás do atirador. Ele não me viu, e, se viu, fez questão de não demonstrar. Quando a posicionei nas costelas do meu agressor e ele riu de forma irônica, imaginei que talvez estivesse cometendo um erro, mas não era isso. Ele apenas estava debochando da minha suposta incapacidade de machucá-lo com uma arma tecnicamente qualquer.— Uma patricinha mimada com arma de cozinha, é isso que vejo aqui? — disse ele, rindo como se eu não demonstrasse firmeza na mão que segurava a faca rente ao seu corpo.Eu apenas ergui uma sobrancelha, agora curiosa sobre o motivo dele me chamar assim. No entanto, não o respondi, apenas decidi afrouxar o aperto contra sua costela e fingir que realmente tremia. Era uma encenação para descobrir o que caralhos aquele homem queria dizer com tudo aquilo, semelhante a tantas outras que eu já havia feito durante muitos dos meus anos de vida.— Está com medo, não está? Da mesma forma que estava curiosa para poder sentar no trono que seu pai construiu com os ossos e suor de muitas pessoas que viveram e morreram aqui no morro — ele disse, e tentou se virar para mim. Nesse momento, percebi que a imagem que as pessoas tinham de mim no morro não condizia com a realidade, ou, pelo menos, era tão distante quanto.E isso soava uma ótima oportunidade para ser usada por mim.— Eu não… — Não consegui terminar de falar, pois uma forte cotovelada atingiu meu estômago bem antes que pudesse entender que eu havia cometido um erro. Eu havia abaixado minha guarda, e o atirador era mais esperto do que aparentava. Uma combinação que só serviu para me desorientar.— Você é uma mulher tão bonita. É mesmo uma pena que deva morrer aqui para que eu possa pegar o dinheiro que vale sua cabeça e assim conseguir voltar mais uma vez para a Zona Sul do Rio — ele revelou, me causando novo. Ergui meus olhos para ele, tentada a lhe gritar verdades bem amargas e cruéis sobre sua vinda inútil até ali.— Você não terá esse prazer — apenas murmurei, recuperando o fôlego perdido com o golpe. Minha faca havia caído longe e agora eu estava na mira de um fuzil carregado. Não parecia haver escapatória. Se não pensasse em algo, logo meus miolos estariam estourados pelo chão em uma cena que ninguém gostaria de ver.Laura Eu estava em meu quarto, pensativa sobre as coisas que haviam acontecido naquele dia quando Isabel invadiu meu espaço particular e se jogou em minha cama, não ligando para o estado que me encontrava. Ela parecia frustrada com algo, igual a eu mesma. Foi inevitável não me compadecer com ela, embora uma parte de mim tinha quase certeza que nossos problemas tinham proporções muito diferentes, sendo assim mais difíceis de resolver. — Algum problema, Isabel? — perguntei, estudando a expressão exasperada que dominava seu rosto aos poucos. — Me chame pelo meu apelido. Você prometeu — ela disse, me fazendo soltar um suspiro. Graças a todas as coisas que eu escondia dela e de todos, eu ainda não estava pronta para chamá-la por seu apelido, mas me obriguei a fazer, uma vez que aquela conversa não iria para frente se eu não o fizesse. De jeito nenhum. — Ok, Isa. O que tanto te incomoda? Ela me olhou por alguns se
Laura Eu estava sentada na cozinha, sozinha, comendo qualquer coisa para apartar a fome que não havia sido saciada durante o café da manhã e almoço. Meus olhos vagavam pelo cômodo, se perguntando a todo momento por que estava tão silencioso ali, sem sinal algum das outras duas mulheres que deveriam estar me fazendo companhia. Suspirei, meio indecisa se eu realmente queria tê-las por perto, me enchendo o saco, ou não. Por mais que soasse tentador ficar ao lado delas, talvez, só talvez, fosse melhor ficar quietinha por algum tempo, inundada por pensamentos diantes e metas que eu ainda não sabia se era capaz de cumprir, não por serem impossíveis, longe disso, a verdade era que, a partir do momento que pisei outra vez naquela casa, todas as minhas crenças se abalaram e eu me vi presa no mesmo dilema de antes, um difícil demais de engolir: Eu realmente tinha que cumprir meus objetivos iniciais? Balancei minha cabeça, não querend
ValentimMarcelo estava sentado à minha frente, passando algumas informações sobre o sequestro de Laura que ainda não haviam sido apurados direito, uma vez que eu havia literalmente matado todas as testemunhas e o que sobrara era só as informações que não foram destruídas pelos sequestradores em uma jogada rápida para livrar a barra de quem quer que fosse seu líder.Eu não estava satisfeito com isso, principalmente depois de ter uma conversa meia boca com Luara e nem ter conseguido metade do que eu buscava com isso. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que havia sido erro meu, então, não tinha o direito de questionar.Bufei, atraindo a atenção do meu amigo para mim. Ele me encarou por alguns segundos, como se quisesse dizer algo, mas apenas balançou sua cabeça de um lado para o outro, como se tentasse afastar o que quer que seja que tenha aparecido ali pelos poucos segundos que seus olhos se mantiveram em mim, muito avaliadores.— Pode falar, eu não vou
ValentimMeus passos se arrastavam pelo corredor, sem saber o que pensar. A conversa que tive com Laura a pouco segundos atrás me incomodava, de um jeito que eu não era capaz de entender. O que era esse sentimento estranho que estava apertando meu peito? Eu estava com pena dela? Era isso? Ou havia algo em sua fala que não condizia com as coisas que eu vi acontecerem?Não parecia ser esse último, embora uma bulga sempre permaneceria atrás da minha orelha enquanto nós dois fossem inimigos e nada além disso — o que eu estava quase desconsiderando. Depois de tudo que passei para salvá-la, talvez, só talvez, eu devesse começar a olhar para Laura como alguém importante o suficiente para me deixar meio louco das ideias e capaz de ir até o fundo do poço para ajudá-la.Sim, eu deveria começar a considerar isso. Só não sabia muito bem como fazê-lo.Suspirei, tentando não pensar nessas coisas complicadas. Isso não faria muito bem para minha cabeça, muito menos me daria as respostas que eu tanto
LauraO sol invadiu o quarto em que eu me encontrava sem aviso prévio, causando um desconforto enorme em meus olhos e uma sensação de quentura que não parecia muito condizente com o momento. Mesmo a contragosto — pois estava muito gostoso o sono que tanto me envolvia —, abri meus olhos, me deparando com um quarto vazio e sem ninguém.Eu não tinha ideia de quanto tempo havia se passado, mas, uma coisa eu poderia ter certeza: o plano havia dado certo e ninguém suspeitava de mim. Por enquanto.Sorri, me espreguiçando. Em meu corpo não havia sinal da droga que eu havia ingerido no que imaginei ser a tarde anterior, me deixando propensa a acreditar que tudo havia acabado bem no fim, ou melhor, ao menos para mim.Soltei um suspiro, tomando coragem para saltar da minha cama. Amanhã seria um dia muito importante; eu finalmente iria fazer algo que fiquei planejando durante muito tempo, por mais que agora meu coração doesse ao pensar em fazê-lo. E isso soav
LauraOs sons de tiros, socos e até algumas ofensas fora as únicas coisas que eu consegui ouvir durante o tempo que estava ainda meio grogue pelo efeito de uma droga que eu havia tomado para poder encenar melhor ou para tornar tudo aquilo mais verídico se caso, após voltar para a casa de Valentim, ele decidisse que iria fazer um exame de sangue em mim para descobrir o que tinham me dado para ficar naquele estado — que para ele era desacordado —, totalmente a mercê dos meus algozes.É, eu sei, eu sou uma puta de uma gênia.Depois que vi que era Patrizia e Matheo que estavam por trás daquele sequestro — ou melhor, metade dele —, eu decidi que ia tirar alguns dias de férias. Cinco dias era o suficiente para pôr minha cabeça no lugar e voltar a focar nos meus objetivos, que, naquele momento, se resumia a não me entregar a Valentim, por mais tentador que essa ideia fosse.No fundo, eu sabia que precisava descobrir mais sobre o passado dele, mesmo que f
Último capítulo