A sala era grande demais, fria demais, cheirava a perfume caro e o ar-condicionado gelado não estava adiantando em nada para a ansiedade que Arianna sentia. Os pés suando dentro do sapato social que pegara emprestado da vizinha apertava o dedão, mas ela não podia demostrar que aquilo estava latejando.

Do outro lado da mesa, a mulher, "Doutora Renata, dizia a plaquinha de metal" lia o currículo de Arianna como se fosse um raio-X da alma dela. Cabelos castanhos lisos até a cintura, batom vermelho-sangue, olhar que não piscava. O tipo de pessoa que faz a gente se sentir automaticamente malvestida.

— Experiência com crianças, senhorita Lima? — perguntou sem tirar os olhos do papel.

Arianna engoliu em seco, apertando os dedos da mão. Ela não pensou que uma entrevista como essa seria tão ameaçadora. A mulher na sua frente mais parecia uma serial killer pronta para a matar e enterrar seu corpo. De tamanha frieza.

— Sim, senhora. Desde os quinze anos eu cuidava dos filhos das amigas da minha mãe, lá no interior. Depois, quando vim pra capital, fiz uns bicos de babá de fim de semana… nada formal como aqui, mas eu… eu gosto de criança. Gosto mesmo.

A mulher ergueu uma sobrancelha. Fechou a pasta com um estalo seco.

— Disponibilidade total? Pode ser necessário morar na casa do cliente. Tem algum problema com isso?

— Nenhum — Arianna respondeu rápido demais, sentindo o coração disparar. — Moro sozinha. Só tenho um gato que o porteiro alimenta quando vou visitar minha mãe...

Doutora Renata levantou o indicador, cortando o resto da frase. Arianna calou a boca na hora. Talvez estivesse falando demais. Ela sempre fazia isso quando ficava nervosa.

— Aqui não é creche de bairro, senhorita. Angel Hands atende governadores, embaixadores, CEOs. Nosso nome não pode ser manchado. Se entrar, vai receber manual, curso interno, avaliação mensal. Entendido?

— Sim, senhora.

A mulher se levantou, foi até a janela panorâmica. Lá embaixo, a Avenida Paulista fervia.

— Normalmente eu teria mandado você embora só pela blusa de malha — disse sem se virar. — Mas estamos com três aposentadorias este mês e uma licença-maternidade. Você é a única que sobrou hoje com experiência real.

Arianna apertou tanto as mãos no colo que as unhas doíam.

— Isso quer dizer que…?

Doutora Renata virou-se de volta. Ia responder quando o telefone sobre a mesa tocou, com passos lentos voltou para o lugar e atendeu no terceiro toque.

— Fala.

O rosto dela mudou em meio segundo.

— Como assim ninguém disponível hoje? Temos duzentas e trinta e cinco babás no quadro! — A voz subiu, cortante. Arianna encolheu os ombros sem querer.

A mulher olhou para ela. Um sorriso lento, quase predador, surgiu.

— Calma. Eu tenho a pessoa certa aqui na minha frente. Manda o contrato padrão e o endereço pra mim agora.

Desligou de uma vez.

— Está com sorte, senhorita Lima. Muito sorte. O cliente é David Martel, CEO do Grupo Martel. Precisa de babá residente começando hoje. Salário inicial de oito mil líquidos, casa, comida, plano de saúde completo. Aceita?

Arianna sentiu o chão sumir. Oito mil? Oito mil era aluguel, luz, mercado, remédio da mãe, sobrando ainda para respirar.

— Aceito — sussurrou, e depois mais alto: — Aceito, sim!

Doutora Renata já digitava no celular, sem nem olhar para ela. Sabia sua resposta.

— Ótimo. A van da empresa leva você em uma hora. Leve só o necessário, uniforme você usará o que a família mandar e se eles não tiverem essa opção, a empresa fornecerá algo. Ah, e Arianna…

Ela encarou a mulher na sua frente com o coração na boca.

— Não decepcione a gente. E, principalmente, não decepcione ele. É a primeira vez da família Martel conosco.

Arianna assentiu, os olhos marejados de um alívio tão grande que doía. Pegou a bolsa surrada, respirou fundo e saiu daquela sala com a sensação de que, pela primeira vez na vida, a sorte tinha olhado pra ela de verdade.