Mundo de ficçãoIniciar sessãoMiguel Fontes é um bilionário frio, possessivo e obcecado pelo controle. Acostumado a comprar tudo o que deseja; poder, silêncio e prazer; ele vê sua autoridade ser desafiada por algo que o dinheiro ainda não conseguiu conquistar: um terreno em um bairro turístico onde sonha construir o maior hotel de luxo da região. Há doze meses ele tenta, sem sucesso, finalizar a negociação. A ONG que ocupa o local é resistente, liderada por uma mulher determinada que se recusa a abrir mão do espaço onde adolescentes resgatam suas dores através da arte. Para Miguel, isso é inadmissível. Em sua mente ferida por uma traição devastadora, tudo tem um preço. Inclusive ela. Ao descobrir que a ONG vem recebendo, sem saber, repasses da sua empresa, desviados por um dos próprios sócios. Miguel decide resolver a questão pessoalmente. O nome da instituição, por ironia cruel, é o mesmo do homem que o criou... e o abandonou. Mas ele não contava com Anyellen Lins. Linda, estonteante, misteriosa. Uma mulher marcada por abusos, rejeições e silêncios que ninguém ousa decifrar. Em seus olhos, Miguel vê algo que não se compra: força. Em seu corpo, um convite ao desafio. E na sua alma, uma dor que ele reconhece, porque também a carrega. Ela não quer dinheiro. Quer respeito. Quer ser vista além da aparência. Ele não quer amor. Quer controle. Mas se vê despido diante da única mulher que não pode comprar. O desejo nasce no embate. O amor floresce no improvável. Mas quando os segredos explodem, a verdade pode destruir o que parecia indestrutível. Porque ele nunca soube o que era ser visto. E ela nunca soube o que era ser amada.
Ler maisO escritório de Miguel Fontes cheirava a madeira nobre, couro novo e ambição crua.
Do vigésimo sexto andar, ele via a cidade se curvar ao seu poder — prédios menores, carros que pareciam formigas, ruas desenhadas como mapas privados. Era dono de mais do que terras e empresas. Era dono de decisões. De silêncios. De destinos. E, ainda assim, naquela manhã, seu império tremia. — Como assim a compra foi bloqueada? A voz dele cortou o ar como lâmina. Na sala de reuniões, três diretores engoliram em seco. Um deles, o mais experiente, empurrou uma pasta marrom sobre a mesa de vidro. — O cartório indeferiu o pedido de posse, senhor Fontes. O terreno está protegido por um projeto social há mais de oito anos. E a instituição tem imunidade jurídica por ser tombada como espaço de utilidade pública. Miguel não respondeu. Abriu a pasta, analisou documentos, carimbos, assinaturas. Tudo parecia real. Oficial. Legal. — E por que só agora isso me foi comunicado? Silêncio. Todos sabiam a resposta: Gustavo havia garantido que “estava resolvendo”. Gustavo, o sócio de confiança. O mesmo que, naquele instante, suava em silêncio, as mãos escondidas sob o paletó cinza. Ele sempre fora bom em discursos, em seduzir investidores, em transformar problemas em promessas. Mas Miguel não era feito de palavras. Era feito de precisão. E controle. — O projeto Luz das Cores é liderado por uma mulher chamada Anyellen Lins , disse outro diretor, abrindo o notebook. — Ela recusou todas as ofertas. Inclusive as mais generosas. E agora… — Agora está recebendo dinheiro da minha empresa . Miguel o interrompeu, jogando outro dossiê sobre a mesa. — Sem meu aval. Sem contrato. Sem passar pelo jurídico. Silêncio. Miguel girou a cadeira devagar, encarando os homens à sua frente com olhos de aço. Nenhum sustentou o olhar por mais de três segundos. — E eu repito: por que estou sabendo disso só agora? Gustavo respirou fundo. Sentou-se com lentidão, ajustando os punhos da camisa com o velho gesto ensaiado. Sua especialidade: parecer calmo no meio do colapso. — Miguel… eu tentei resolver sozinho. Acreditei que conseguiria negociar com ela. Mas ela é... teimosa. Idealista. Não se impressiona com cifras. — Isso se diz de toda mulher que ainda não teve o preço certo posto sobre a mesa Miguel respondeu com um meio sorriso. Mas por dentro, algo vibrava diferente. Desde sua primeira empresa aos vinte e quatro anos, Miguel aprendera a identificar padrões. Pessoas previsíveis. Negócios com lógica. Números que obedeciam. Mas aquela mulher, aquela ONG, estava fora da equação. E isso o incomodava. — Quero tudo. Agora. Ele se levantou. — Nome completo, registros da ONG, cópia dos repasses. Quero saber quem autorizou as transferências, e se há ligação pessoal entre algum funcionário e a tal diretora. — Ela não é diretora, tecnicamente. Corrigiu o advogado. — É apenas fundadora. O projeto é horizontal. Todos decidem juntos. Miguel ergueu a sobrancelha. — Horizontal? — Sim… é um modelo autogerido. Comunitário. — Que poético. Então, quando eu derrubar o prédio com escavadeiras, todos morrem juntos. Em igualdade. Perfeito. O diretor tossiu, constrangido. — Senhor, há jornalistas atentos à região. Qualquer ação abrupta pode gerar... — Imprensa se compra. Cortou Miguel. — Com doações. Bolsas culturais. Campanhas de inclusão. Já fiz isso antes. Não me preocupo com manchetes. Só com uma coisa: minha vontade. O silêncio que se formou era denso. Mas, dentro dele, algo se agitava. Miguel não sabia o quê, exatamente. Talvez o nome da ONG, “Luz das Cores” , brega demais para estar em seu caminho. Talvez fosse o fato de nunca ter ouvido falar dela. Ou, talvez... fosse o fato de não estar no controle. E isso o enlouquecia. Gustavo se levantou também. Tentou manter a voz firme. — Miguel, você precisa entender. Ela não é qualquer uma. Ela tem carisma. Todos a seguem. As crianças a amam. Os vizinhos a defendem. Ela tem... voz. — Ela tem o meu dinheiro . Miguel corrigiu. — E isso é o que importa. Pegou o celular. Digitou algo curto. Em dois minutos, sua assistente apareceu na porta. — Agende reunião com o jurídico. E prepare minha viagem. Quero ver com meus próprios olhos quem é a mulher que ousa me desafiar. — Para qual cidade, senhor? — Onde essa ONG estiver. — Pequena Dália, interior do estado. Ele riu, sarcástico. — Claro que seria uma cidade com nome de flor. Enquanto os diretores se dispersavam, Gustavo ficou. Queria dizer algo. Talvez alertar. Talvez protegê-la. Mas Miguel o encarou com frieza: — Você já errou demais. Se quiser continuar aqui, traga resultados. Caso contrário... leve sua admiração e sua culpa pra outro lugar. E saiu. No elevador espelhado, sozinho, Miguel olhou para o próprio reflexo. Terno preto. Gravata cinza. Olhos escuros como noite prestes a desabar. Parecia exatamente como sempre fora. Mas por dentro, algo tremia. Algo que nem ele sabia nomear. Miguel Fontes não era feito de intuições. Vivia sob o império dos fatos. Sabia o preço da maioria das coisas e, muitas vezes, o valor. Mas naquela manhã, quando a pasta foi aberta, ele teve certeza: não era apenas o terreno da ONG que fora invadido. Talvez... fosse ele. O nome dela surgia em sua mente feito um sussurro repetido. Anyellen. Lido em silêncio. Escrito nos papéis. Repetido nos relatórios. Comum o bastante para passar despercebido. Mas havia um ruído ali. Algo na sonoridade. Um som que parecia pertencer a alguém que não baixava a cabeça. Anyellen. Como soaria esse nome sussurrado no escuro? Grave? Macio? Desafiador? Miguel imaginou sua boca, mesmo sem ver o rosto. Imaginou olhos que não tremiam diante da autoridade. Voz firme. Pele quente. Presença que não se vestia de marca, mas de verdade. O elevador seguia em silêncio. As portas espelhadas refletiam um homem em controle. Mas Miguel já não se sentia inteiro. Não era luxúria. Ainda. Não era raiva. Apenas. Era algo ancestral: o desejo de possuir aquilo que resiste. Na garagem, o motorista abriu a porta. Miguel entrou sem desviar o olhar do vidro escurecido. A cidade era dele. Mas, agora, sua guerra começaria em outro lugar. Em Pequena Dália. Ele ainda não sabia o que encontraria. Mas sabia o que queria descobrir. Por que uma mulher recusaria tanto dinheiro? Por que resistiria quando tantos à sua volta imploravam por apoio? O que ela protegia com tanta força? Sentia-se provocado. Não por vaidade. Mas por algo mais fundo. Algo que... já o havia tocado. Sem encostar. E esse era o perigo. Porque, quando um império é ameaçado, o imperador não recua. Ele avança. E Miguel estava pronto para isso. Nem que, no caminho, algo nele também fosse derrubado. E talvez… fosse exatamente isso que ele estivesse esperando que acontecesse.A tela está em branco.Pendurada na sala da nova galeria do Instituto Ver-te, ela não chama atenção pelo traço.Não há tinta.Não há cor.Apenas espaço.E no canto inferior direito, como quem não grita, como quem só diz…Uma frase costurada com alma:“Amar é enxergar. E ser enxergado salva.”As pessoas passam. Algumas param. Umas franzem a testa. Outras se emocionam.Poucas entendem.Mas quem viveu dor sabe:Há quadros que não precisam ser pintados para dizer tudo.Há silêncios que gritam.E há amores que salvam, não porque consertam, mas porque enxergam.No centro da sala, Miguel segura a mão de Anyellen.Os filhos correm ao redor.A ONG se expandiu. O hotel cresceu. As sementes viraram árvores.Mas o que pulsa ali…É o que não se vê.— Por que essa tela está vazia, mamãe? — pergunta Noah, com as mãos manchadas de tinta.Anyellen sorri e se agacha até ele, como quem revela um segredo:— Porque ela está cheia do que importa, filho.Cheia de história, de coragem, de amor.Cheia de tudo
O sol tocava a fachada da antiga sede da ONG com a ternura de quem acaricia uma lembrança boa.Anyellen e Miguel caminhavam de mãos dadas pela calçada de pedras irregulares que um dia ela havia varrido com lágrimas nos olhos — e hoje, pisava com o coração tranquilo.Não havia mais grades no portão. Não havia mais medo na alma.— Você lembra do cheiro daqui? — ela perguntou, olhando o jardim onde um dia sonhou ser livre.— Lembro de tudo.Do cheiro da tinta descascada…Do som dos passos apressados no corredor…E do silêncio que você usava como armadura — respondeu ele, apertando de leve os dedos dela.Ela sorriu. Não porque doía. Mas porque agora entendia.As cicatrizes ainda estavam ali.Mas já não sangravam.E nem precisavam ser escondidas.Pararam diante da porta da sala onde se viram pela primeira vez.— Aqui foi onde eu achei que você fosse só mais um homem querendo poder — ela confessou, com um sorriso cúmplice.— E aqui foi onde eu descobri que eu era só um homem… querendo paz —
As paredes do salão estavam vivas.Não com tinta.Mas com alma.Cada quadro de Anyellen contava uma história que jamais coube inteira numa tela, mas mesmo assim, ela pintava.Pintava porque precisava lembrar a si mesma que a dor também pode virar cor.E porque, agora, sua arte não era mais sobre catarse.Era sobre construção.— Quantas bolsas já conseguimos? — ela perguntou, com os olhos fixos na tela de uma menina de olhos fundos e sorriso por vir.— Cinquenta e duas. E contando. — respondeu Mariana, com o tom de quem anunciava milagres diários.As telas estavam sendo vendidas em exposições organizadas por Raul Falconi e apoiadas por investidores sociais. O que antes era terapia silenciosa agora financiava bolsas de estudo, programas de reintegração, oficinas para jovens mães e projetos para adolescentes que, até ontem, só conheciam os tons acinzentados da rejeição.— Essas telas… são pedaços do que me faltou — Anyellen sussurrou, observando uma em especial: a que pintara com o rost
Eles não compraram nada.Construíram tudo.Cada parede daquele Instituto.Cada passo dado na casa com cheiro de vida nova.Cada gesto entre eles, ora nervoso, ora terno, que moldou não só um relacionamento, mas um propósito partilhado.O calendário marcava mais um ano de funcionamento do Instituto Ver-te.As salas estavam cheias de cores, vozes e desafios.E na manhã da nova organização dos horários, Anyellen, prancheta em mãos e sobrancelha arqueada, leu em voz alta:— Miguel Ferraz, três dias por semana, supervisão geral de logística, dois dias por semana… aulas de construção de maquetes?Ela ergueu os olhos para ele.Miguel sorriu, com aquele brilho nos olhos que nenhuma reunião de conselho jamais despertou.— Mantenha minha aula de maquetes — disse, cruzando os braços. —Já entendi que sou muito melhor com cola e papelão do que com ternos e acionistas.Anyellen riu e caminhou até ele.— Sabia que você não ia querer sair… — sussurrou, o beijando nos lábios com a doçura de quem tem
Porque amar é ver.Porque só quem é visto… floresce.O auditório estava repleto.Mas o silêncio era o protagonista.A nova placa foi descerrada com as mãos de Anyellen e Miguel entrelaçadas.E ali, naquela fachada clara com letras douradas e elegantes, um novo nome pulsava como batida de coração renovado:INSTITUTO VER-TE.As palavras flutuaram no ar como perfume de flor recém-aberta.E, no mesmo instante, os olhos se encheram.Os de quem já foi invisível.Os de quem aprendeu a ver.E os de quem, como Anyellen, fez da visão a sua missão.Ela respirou fundo antes de subir ao palco.— Ver… não é só olhar.É reconhecer. É enxergar além da dor, além da história contada, além da casca.Ver é amar. E só floresce quem é visto com verdade.Miguel a assistia da lateral do palco, os olhos marejados, o peito cheio.Ela falava com o mundo, mas era para ele que ela sorria entre uma frase e outra.Porque ele foi o primeiro homem que a viu inteira.E ela, agora, devolvia esse olhar ao mundo, multip
O quarto estava em penumbra. As cortinas filtravam a luz do sol, transformando-a em um abraço morno sobre os móveis claros. O ar tinha cheiro de lavanda e calma. Na parede, um quadro com pinceladas suaves pintava um horizonte — como se anunciasse: algo está chegando. E vem sereno. Miguel segurava a mão de Anyellen como quem segura o próprio coração. E, talvez, fosse exatamente isso. Porque ali, entre suspiros contidos e lágrimas represadas, ele estava à beira de viver, de novo, o milagre mais arrebatador da vida: ver um amor nascer do amor. Anyellen respirava profundamente. Suava. Mas sorria. Não com euforia. Com fé. Ela não estava mais sozinha. Nunca mais esteve, desde que ele aprendeu a ser inteiro ao lado dela. Dessa vez, ela não tinha medo. Ela tinha história. Tinha lar.
Último capítulo