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Capítulo 3 – Vozes que Desafiam Milhões

O ar estava denso na sala da pequena prefeitura comunitária, onde Miguel Fontes, acostumado a ver homens e mulheres dobrarem-se ao menor sinal de seu nome, encarava uma mesa de madeira gasta e rostos que não se curvavam. Seus advogados, dois homens bem vestidos que carregavam pastas com mais zeros do que consciências, estavam posicionados à sua esquerda. Do outro lado, moradores, lideranças comunitárias, artistas e professores o observavam com olhos firmes, quase desafiadores.

Miguel tamborilava os dedos sobre a mesa como quem controla o próprio ritmo da negociação. Tinha chegado ali para fechar o acordo de aquisição dos lotes que circundavam a ONG “Horizonte Vivo”. A ideia era simples: conquistar pelas beiradas o que a direção da instituição se recusava a vender.

— Todos têm um preço. O segredo é descobrir qual é, ele dissera a Gustavo no caminho. Mas agora, sentado frente a frente com aquele grupo, algo nele balançava.

Uma senhora de cabelos grisalhos, vestida com dignidade apesar da simplicidade, ergueu a voz:

— Não somos seus funcionários, doutor Miguel. Somos vizinhos e somos parte viva deste lugar.

Ele sorriu com a elegância de um predador.

— E, como vizinhos, imagino que queiram o melhor para o bairro. Modernização, segurança e investimento. Eu ofereço tudo isso. Empregos, infraestrutura...

— E o silêncio das vozes que resistem?

Interrompeu um jovem com camisa manchada de tinta, provavelmente um dos artistas da ONG.

— O que o senhor oferece para a alma deste lugar?

Miguel estreitou os olhos.

— A alma do lugar estará mais segura com cercas bem-feitas e holofotes. É assim que se protege o que se ama.

Uma rizada baixa surgiu de um dos cantos. Uma mulher morena, com os cabelos presos em tranças e os olhos brilhando de ironia, replicou:

— Proteção? Ou enclausuramento? O senhor quer transformar poesia em cimento. Arte em lucro.

Miguel percebeu que aquele jogo era mais complexo do que calcular aquisições e assinaturas. Ali, a moeda não era apenas o dinheiro. Era pertencimento. Era memória.

Um dos advogados pigarreou, impaciente.

— Nós temos propostas formais de compra para os lotes C2, D3 e E4. Com valores três vezes maiores que os praticados no mercado local.

— E temos três vezes mais razões para recusar. Respondeu uma professora, ajeitando os óculos no rosto. — Não estamos à venda.

Miguel se recostou na cadeira. As mãos entrelaçadas sobre o colo, o maxilar firme. Não estava habituado à resistência. Menos ainda à coerência que não se dobrava ao luxo.

Naquela manhã, o sol parecia assistir curioso do lado de fora, atravessando as janelas antigas com suas vidraças empoeiradas. O clima era quente, mas a sala estava fria de intenções.

Foi quando a porta se abriu.

Anyellen Lins entrou, com passos decididos e a postura ereta de quem carrega o peso de muitas lutas sem permitir que o corpo se dobre.

— Perdi alguma coisa?

Disse, dirigindo-se aos presentes, mas sem tirar os olhos de Miguel.

Ele a observou como quem estuda uma obra de arte que ainda não compreende. Havia nela um brilho desafiador, uma mistura de firmeza e feminilidade que o desconcertava.

— Estávamos conversando sobre valores.

Disse Miguel.

— Mas eles parecem ter dificuldades em entender o quanto estou disposto a pagar.

Anyellen se aproximou. A sala silenciou.

— O senhor não está falando com acionistas, Sr. Fontes. Aqui, as pessoas não têm preço. Têm história.

Ela deslizou os dedos por um mural que exibia desenhos feitos pelas crianças da ONG. Cores vivas, traços inocentes e mensagens de esperança.

— Cada parede dessa casa foi pintada por uma mão que antes tremia de medo. Cada sala abriga sonhos que quase foram abortados pela violência. Esse bairro sobreviveu a despejos, a políticos corruptos e a padrastos abusivos. E vai sobreviver ao seu cheque.

Aquela última frase acertou Miguel em cheio. Como se ela soubesse...

Ele levantou-se devagar, ajeitou o paletó, e disse, com a voz controlada:

— Uma proposta final será enviada. E dessa vez, garanto que até os mais resistentes vão considerar.

Anyellen sorriu.

— Sabe o que nos torna resistentes, Sr. Fontes? Não é o dinheiro que nos falta. É o amor que nos sobra.

Quando ele saiu, a sala permaneceu em silêncio por um momento. Mas Miguel levava com ele um som novo: a voz de um bairro que não se vendia. Que não o temia.

E no centro disso, ela.

Anyellen.

A mulher que dizia não sem pestanejar. Que falava com a alma e defendia cada centímetro de terra como quem protege a própria pele.

Miguel voltou para o carro, o sol do meio-dia pintando reflexos nos vidros.

— E agora?

Perguntou Gustavo, ao seu lado.

Miguel encarou o horizonte por alguns segundos antes de responder:

— Agora, a estratégia muda. Já que não posso comprar o bairro... vou precisar entender o que o sustenta.

E, pela primeira vez, admitiu para si mesmo:

Ela sustenta tudo.

Anyellen.

E ele iria decifrar cada camada daquela mulher.

Nem que, para isso, tivesse que aprender o valor do que nunca pensou em dar: respeito.

Miguel não era um homem acostumado a refletir em silêncio. Seu mundo era feito de ações rápidas, decisões firmes, resultados imediatos. Mas havia algo naquela mulher, naquele bairro, que o forçava a parar. A observar. A sentir.

Sentir.

Essa palavra parecia ecoar dentro dele com uma força incômoda. Há anos ele não permitia que algo ultrapassasse a blindagem que construiu ao redor da própria alma. Ele era aço. Era concreto. Era estratégia.

Mas agora… estava curioso.

E curiosidade, para um homem como Miguel Fontes, era quase uma admissão de fraqueza.

— Entenda cada detalhe.

Ordenou a Gustavo, seu braço direito.

— Quero saber quem financia a ONG. Quem são os voluntários. Quem são os doadores. E principalmente… quero entender Anyellen.

Gustavo apenas assentiu. Já sabia que, quando Miguel colocava esse tom na voz, não havia volta. Aquela mulher estava marcada. Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele não conseguia prever se era por desejo… ou por algo mais perigoso.

...

Enquanto isso, Anyellen caminhava pelos corredores da ONG com o coração em alerta. Não porque temia Miguel. Mas porque ele a intrigava. E pessoas intrigantes eram as que mais causavam estragos na vida de quem já carregava cicatrizes antigas.

Ela havia visto nos olhos dele uma arrogância quase indecente. Mas por trás da rigidez, havia algo mais. Um lampejo de dor? Um traço de solidão? Ela não sabia. E não queria saber.

Mas o corpo dela… esse traía toda tentativa de ignorá-lo.

"Idiota", murmurou para si mesma ao entrar na sala onde as crianças estavam ensaiando uma peça de teatro.

Mas nem o riso inocente dos pequenos abafava o fato de que, desde aquela reunião, a presença de Miguel pairava como fumaça pelo ambiente. Invisível. Incontestável. Inconvenientemente presente.

...

Na manhã seguinte, Miguel vestiu o paletó mais sóbrio. Deixou o relógio suíço no cofre. Trocou o carro de luxo por um SUV discreto.

— Hoje não sou o CEO.

Disse ao motorista.

— Hoje sou apenas um homem que quer entender o que sustenta um império que não se compra com dinheiro.

Gustavo riu com descrença, mas não ousou questionar.

Ao chegar ao bairro, Miguel caminhou como um estranho em terra nova. O cheiro de pão fresco da padaria. O som das crianças correndo pelas calçadas estreitas. O velho no bar jogando dominó enquanto comentava sobre política e chuvas.

Era outro mundo. Um mundo onde o poder não estava em cifras. Estava nos vínculos. Nas raízes.

E tudo parecia girar em torno dela.

Anyellen.

Cada pessoa a quem ele perguntava, cada olhar trocado, cada sorriso dado… vinha acompanhado de um nome. Sempre o dela.

— A dona Anyellen salvou meu filho.

Disse a florista.

— A Anyellen ensinou minha neta a pintar. Comentou o padeiro.

— A moça da ONG? Aquela é feita de aço e mel. Elogiou o senhor do dominó.

Miguel ouviu tudo em silêncio.

Cada palavra era um tijolo na fundação de algo que ele começava a compreender: a mulher que o desafiava era muito mais do que uma diretora de ONG. Ela era a alma de um território inteiro. E ele, pela primeira vez, não sabia se queria vencer… ou pertencer.

Na calçada da sede da instituição, ele parou. Observou os desenhos pendurados nas paredes. Rabiscos coloridos. Frases tortas escritas por mãos pequenas.

“Aqui dentro, a gente vira gente de novo.”

A frase estava em uma das portas.

Miguel leu. Reteve. Engoliu em seco.

E quando o portão se abriu, e os olhos dela o encontraram mais uma vez, não foi ele quem tomou a palavra. Não foi ele quem dominou.

Ela apenas cruzou os braços e disse:

— Voltou com o tal cheque?

Ele sorriu. Não com ironia. Mas com uma honestidade rara.

— Não. Hoje eu vim aprender quanto vale o que o dinheiro não compra.

Os olhos dela se estreitaram. Um desafio mudo foi lançado.

E Miguel sentiu, pela primeira vez em anos, que estava exatamente onde deveria estar.

Mesmo que isso significasse perder o controle.

Ou pior… se render ao que estava além do que ele conseguia ver.

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