Início / Romance / Contrato com o CEO Que Não Sabia Amar / Capítulo 5 – A Primeira Visita ao Impossível
Capítulo 5 – A Primeira Visita ao Impossível

O endereço era discreto, embora soubesse que o impacto do que acontecia por trás daqueles muros discretos era tudo, menos pequeno. Miguel desceu do carro vestido de anonimato. Jeans escuros, camiseta básica e óculos escuros. Nada de motoristas, seguranças ou gravatas que anunciavam poder. Naquela manhã, ele queria ver com os próprios olhos o que tornava aquele lugar tão resistente.

A ONG "Além das Cores" , que denominava Além do que vê, mostrava que as artes nos ajudavam a enxergar as crianças e mulheres que chegavam lá procurando ajuda, ocupava uma antiga escola restaurada. As paredes, grafitadas com cores intensas, exibiam mãos espalmadas, olhos chorando tintas e frases como: "Aqui, a dor vira arte".

Miguel inspirou fundo. A arte sempre lhe parecera perda de tempo. Lucro não se pintava. Mas algo naquele lugar o desafiava. E ele nunca fugira de um desafio.

— Bom dia!

Disse uma mulher, aproximando-se com uma prancheta nas mãos. Tinha o rosto suave, mas o olhar atento.

— Vim conhecer o espaço.

Ele respondeu, sem dar nome.

— Estou pensando em me voluntariar.

A mulher franziu levemente a testa, mas sorriu.

— Sempre temos lugar para quem quer somar. Eu sou a coordenadora, Marina. E você é...?

— Miguel.

Ela o observou por mais um segundo. Um nome comum. Um rosto bonito demais para passar despercebido. Mas ela não insistiu.

— Seja bem-vindo, Miguel. Hoje temos oficinas de cerâmica, teatro e fotografia. Pode circular, observar... Mas aqui a regra é simples: olhe nos olhos. Escute com o coração. E se for julgar, vá embora.

Ele assentiu. Foi a primeira vez, em muitos anos, que alguém lhe deu instruções tão diretas sem pedir desculpas por isso.

Dentro do galpão da cerâmica, um menino moldava barro com as mãos pequenas. A massa girava entre os dedos como se fosse extensão do corpo dele. Ao lado, uma garota moldava uma escultura de mulher sentada, cabeça baixa, seios nus.

— Ela sou eu.

Disse, sem que ele perguntasse.

— No dia em que meu padrasto me trancou no quarto por três dias. Aqui, eu não preciso fingir que já superei.

Miguel sentiu algo apertar dentro do peito. O que era, exatamente? Raiva? Empatia? Talvez fosse só incômodo. Mas ficou.

Na oficina de teatro, uma roda de adolescentes encenava uma discussão familiar. Um garoto representava o pai violento. Gritava. Cuspiu no chão. A garota, sua "filha" na peça, respondeu com os olhos cheios de lágrimas verdadeiras.

— Corta!

Gritou a professora.

— Vamos respirar. Agora todo mundo abraça quem tiver do lado.

Miguel deu um passo para trás. Ninguém o abraçou. E, estranhamente, ele sentiu falta.

No corredor, quadros pintados por jovens artistas forravam as paredes. Um deles parou Miguel.

— Tá olhando por quê?

Desafiou o menino.

— Gostei das cores.

— Isso aí é um retrato da minha mãe morta. Então olha direito.

Miguel sustentou o olhar do garoto e disse:

— É forte. Você também é.

O garoto corou. E sorriu. Um sorriso tímido, mas que carregava anos de dor entre os dentes.

No último andar, o som de um violão ecoava. Era suave. Quase íntimo. Miguel seguiu o som até uma sala de janelas abertas. Lá dentro, um jovem tocava e cantava baixinho. A letra falava sobre ausência, sobre medo, sobre a coragem de seguir mesmo quando ninguém vê.

Era isso.

Ninguém via aquelas crianças. Ninguém apostava nelas.

Exceto ela.

Anyellen.

Ela não estava ali, mas sua presença era palpável em cada detalhe. Em cada voz que ousava falar. Em cada quadro que ousava doer. Em cada silêncio que ousava respirar.

Quando voltou ao hall de entrada, Marina o esperava.

— E então, Miguel... ainda quer ser voluntário?

Ele tirou os óculos escuros. Seus olhos estavam diferentes.

— Quero entender o que vocês fazem aqui.

— A gente cuida das dores que o mundo ignora. Quer ajudar?

Ele hesitou.

— Quero entender a mulher que sustenta isso tudo.

Marina sorriu de lado.

— Então você vai ter que conquistar o respeito dela. Aqui, nada se compra. Nem os segredos, nem os afetos.

Miguel sorriu. Não era um sorriso gentil. Era um sorriso de guerra.

Mas ele sentia. Pela primeira vez, sentia sem saber o que fazer com o que sentia.

E isso... era novo demais pra um homem que acreditava que tudo, absolutamente tudo, podia ser controlado.

E quando saiu da ONG, o mundo parecia mais barulhento. Mais sujo. Mais cínico.

Mas ele não era mais o mesmo.

E Anyellen nem sabia o perigo que corria por tê-lo despertado.

Miguel entrou no carro como quem volta de uma guerra que ainda nem começou. O motorista estranhou seu silêncio, mas já havia aprendido a respeitar os momentos em que o chefe olhava pela janela com os olhos apertados, como se buscasse algo que ninguém mais enxergava.

Dessa vez, o que ele buscava tinha nome.

Anyellen Lins.

A voz dela ainda reverberava na memória dele. Tinha um timbre firme, mas não era áspera. Soava como a melodia de uma mulher que já teve que aprender a gritar sem som, a resistir sem fazer barulho.

Ela falava com a postura de quem já se calou demais.

E Miguel… ele ouvia. Mesmo sem querer.

— Alguma instrução, senhor Fontes?

O motorista perguntou, hesitante.

— Sim.

Miguel tirou o celular do bolso.

— Mande Gustavo me esperar amanhã às sete. Antes da reunião com os investidores. E prepare tudo para uma doação oficial à ONG. Quero acompanhar a entrega pessoalmente.

O motorista assentiu sem perguntar mais nada. Mas por dentro, Miguel sabia: aquilo não era caridade. Era estratégia.

Ele precisava entender por que aquele lugar existia. Por que funcionava. E por que Anyellen ainda acreditava naquilo. No fundo, ele queria descobrir o que a sustentava para, então, saber onde tocá-la. Onde quebrá-la. Ou, quem sabe… onde ser quebrado também.

Na cobertura de vidro onde o mundo dos ricos parecia flutuar sobre a cidade, Miguel caminhava de um lado ao outro com um copo de uísque na mão. Não estava ali para relaxar. Estava pensando.

Pensar era perigoso.

Principalmente quando as imagens do dia não deixavam sua mente em paz: os quadros pintados com raiva e dor, os jovens falando sobre esperança como se ela fosse uma arma, e o jeito como os olhos de Anyellen não desviavam, mesmo diante da autoridade dele.

Ela o desafiava sem gritar. Enfrentava sem erguer a voz. E isso, para um homem acostumado a dobrar o mundo com a força da palavra, era inaceitável.

E ao mesmo tempo, viciante.

Miguel não sabia quando foi que começou a desejá-la com mais intensidade do que desejava o próprio projeto. Só sabia que estava sendo puxado para dentro de um campo que desconhecia, um campo onde respeito e desejo se confundiam, e onde o poder já não garantia o controle.

Ele bebeu mais um gole e pegou o celular.

— Gustavo?

— Diga, Miguel.

— Quero o relatório completo dos últimos seis anos da ONG. Entenda isso como prioridade máxima. E me arrume alguém que já trabalhou com eles, ou que tenha saído de lá e esteja disposto a falar.

— Algum limite ético?

— Nenhum.

Ele desligou antes de ouvir a resposta.

No dia seguinte, Miguel vestiu a mesma jaqueta cinza e a calça jeans limpa, mas simples. Não usava relógio. Nem anel. Apenas os olhos carregados de certezas e a mente ocupada com uma única meta: se aproximar de Anyellen. Pelo que ela era. Pelo que escondia. E, principalmente, pelo que despertava nele.

Quando entrou novamente na ONG, foi recebido com os mesmos olhares desconfiados, mas agora havia algo diferente. Um adolescente chamado Leleco o cumprimentou com um toque no ombro e perguntou se ele sabia pintar.

— Só paredes.

Miguel respondeu.

O garoto riu.

— Então você vai aprender a pintar gente. Porque aqui a gente se pinta. A alma, não a pele.

Miguel não respondeu. Só observou.

E soube que não se tratava de tinta.

Tratava-se de reencontros com partes esquecidas de si mesmo.

Na sala de mosaicos, Anyellen não estava.

E por mais que ele estivesse ali para aprender sobre o lugar, Miguel percebeu que não ver o olhar dela o deixava inquieto. Como se faltasse ar.

— A diretora não vem hoje?

Perguntou a uma das coordenadoras, fingindo desinteresse.

— Ela teve uma reunião com a prefeitura. Volta amanhã.

Miguel assentiu, mas por dentro, sentiu uma pontada que não soube nomear.

Talvez fosse frustração.

Talvez fosse necessidade.

Ele só sabia de uma coisa: voltaria quantas vezes fossem necessárias.

Até que ela o enxergasse.

Até que ela o enfrentasse mais uma vez.

Até que ela entendesse o quanto ele era perigoso.

Principalmente agora que ela tinha se tornado... impossível de ignorar.

E Miguel Fontes não ignorava o impossível.

Ele conquistava. Ou destruía.

E, dessa vez, ele ainda não sabia qual dos dois caminhos o guiaria até Anyellen.

Mas uma coisa era certa.

Ele já estava trilhando.

E não voltaria atrás.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App