Mundo de ficçãoIniciar sessãoNo Complexo da Penha, ele é a lei. Bruno Kaio — ou só B.K — é o nome que silencia conversas e faz corações dispararem. Dono do morro, rei do tráfico, homem que nunca amou. Frio, sujo de poder, cercado por drogas, armas e mulheres que se jogam pelo sabor do perigo. Amar? Isso ele não conhece. Ele só precisa gozar... e dominar. Até que ela aparece. Priscila fugiu de um relacionamento abusivo e jurou nunca mais entregar seu corpo — nem sua alma. Marcada por traumas, chega à Penha para recomeçar ao lado da irmã mais velha, casada com um dos homens de confiança do próprio B.K. Ela quer paz. Ele quer posse. Ignorando o medo e o desejo, ela o enfrenta. E pela primeira vez, o dono do morro se vê desarmado por uma mulher. Entre fuzis e paixões, começa uma guerra de vontades. Quem se rende primeiro: o coração dela... ou o dele?
Ler maisO barulho do fuzil não assusta mais. É quase como se fizesse parte da paisagem.
Era quarta-feira, duas e meia da tarde, e o sol derretia o asfalto da entrada principal do Complexo da Penha. Uma criança descalça corria atrás de uma pipa vermelha, uma senhora subia com sacola de mercado e, no meio da cena, um grupo de cinco homens de chinelo, camisa regata e fuzil no ombro vigiava a entrada da comunidade.
— Boa tarde, tia. — Um deles acenou, educado, mesmo com a arma pendurada no peito.
No morro, o certo e o errado não têm linha muito clara. Tem regra, mas não tem lei. Tem respeito, mas não tem perdão.
Priscila apertou os dedos no volante do carro alugado. O coração batia como se quisesse fugir antes dela mesma. O bairro era novo, mas a sensação de perigo... essa era antiga. Sentia no estômago.
Estava chegando pra recomeçar a vida, depois de quase ter perdido tudo — inclusive a alma — na mão de um homem que chamava de marido.
"Nunca mais. Homem nenhum manda em mim de novo."
A voz dela ecoava na própria mente, como promessa. Mesmo que a mão ainda tremesse, mesmo que o corpo ainda estremecesse só de lembrar.
Estacionou ao lado da mercearia da dona Léa, que ela não conhecia, mas que agora seria seu ponto de referência.
— Olha quem tá aí! — Uma voz animada chamou.
— Cê chegou, minha preta! — Rute abraçou Priscila apertado, mas sentiu o corpo dela ainda duro, distante.
— Cheguei. — Ela respondeu baixinho.
O abraço demorou segundos demais pro gosto de Priscila. Ela ainda não confiava em toque nenhum.
— Tá tudo bem? — Rute perguntou com um olhar de quem já sabia que não tava.
— Vai ficar. — respondeu seca. Não tava ali pra desabafar. Tava ali pra viver.
Rute morava num sobrado simples, numa das subidas da favela. A escada era estreita, mas o cheiro do café que vinha de dentro trazia um pouco de lar.
— O Fabão tá trabalhando lá em cima, mas já já chega. Ele tá ansioso pra te conhecer. — Rute comentou enquanto abria a porta.
— Ele trabalha com o quê mesmo? — Priscila perguntou, já sabendo a resposta, mas fingindo distração.
— Ele é da segurança da área… cuida da “firma”. — respondeu com um olhar rápido, como quem testa o terreno antes de pisar.
Priscila só assentiu com a cabeça. A “firma”, naquele canto da cidade, não era loja nem empresa formal. Era o tráfico. Era o comando. Era o verdadeiro poder.
E o nome que todo mundo respeitava — ou temia — era um só: B.K.
Bruno Kaio. Dono do morro. Rei do crime. Diabo de calça jeans e corrente de ouro.
Todo mundo falava nele como se fosse lenda. Uns com medo, outros com desejo. Um cara que, dizem, já mandou matar só porque a outra olhou torto. Mas que também dava dinheiro pra fazer a festa das crianças. Que já queimou um traidor vivo, mas pagou o velório da avó de um soldado.
Duplo. Perigoso. Irresistível pra algumas. Repugnante pra outras.
Pra Priscila? Só mais um homem com fuzil. E ela já tinha sobrevivido a um com distintivo.
Mais tarde, no fim da tarde, quando o sol começava a se esconder atrás da caixa d’água da favela, Fabão chegou.
— E aí, princesa? — disse com voz grossa e sorriso largo, estendendo a mão.
Priscila apertou, firme.
— Oi.
— A casa é sua, viu? Aqui a gente se protege. Aqui não tem ex batendo em porta, não. — disse encarando os olhos dela.
Ela soltou um meio sorriso de canto.
— É bom saber.
Fabão era grande. Braço grosso, pescoço tatuado com o nome da mãe e uma aliança de prata improvisada no dedo. Dava pra ver que era leal, mas também dava pra ver que não era homem de dizer não pro patrão.
— O patrão tá passando aí hoje. Vai dar uma olhada na quebrada. Qualquer coisa, se ouve barulho, não se assusta, não. — avisou ele com a naturalidade de quem fala do ônibus das seis.
Priscila apenas assentiu de novo. A barriga deu um nó.
— E o patrão é esse tal de B.K., né? — soltou, como quem j**a verde pra colher maduro.
Fabão riu.
— É ele mesmo. O rei da favela.
Rute cortou o clima:
— Vamo comer alguma coisa, né? Tem arroz, feijão, frango de panela...
Mas o assunto já tava feito. Nome falado, energia lançada. E no morro, energia é coisa que não se desfaz fácil.
Duas horas depois, a quebrada começou a mudar de tom. As vozes dos rádios da boca subiram. Motos passaram rápido. Os olheiros desceram dos becos com mais atenção.
Priscila observava da janela, enquanto fingia estar distraída.
Então, ele veio.
Chegou em silêncio, numa Pajero blindada, com vidro escuro. Um moleque bateu palma avisando a chegada. Os homens da base se organizaram. Era quase uma coreografia.
B.K saiu do carro devagar. Camisa branca, bermuda de tactel preta, corrente de ouro pesada no pescoço. Um relógio reluzente no braço esquerdo. E um olhar… que parecia atravessar parede.
Ele subiu parte da viela, cumprimentando alguns com aceno curto de cabeça. O resto abaixava o olhar.
Foi ali, do portão de ferro da casa da irmã, que Priscila viu ele pela primeira vez.
Os olhos de B.K bateram nos dela como um soco mudo. Pararam por segundos demais. E na Penha, segundos assim viram eternidade.
Ela não desviou.
— Quem é ela? — perguntou ele pro Fabão, depois, já na rua de baixo.
— Cunhada. Irmã da Rute. Acabou de chegar.
— Qual é o nome?
— Priscila.
B.K soltou um “hmm” com canto de boca. E nada mais.
Mas na cabeça dele, algo girou. Algo que ele não conseguia nomear. Ainda.
Na madrugada, Priscila acordou com o som do primeiro disparo. Dois tiros secos. Depois silêncio. Depois vozes. Depois a sirene ao longe.
O coração dela disparou de novo. Mas não era pânico. Era instinto. Ela sabia quando correr e quando calar. Ficou quieta. Sentou na cama. Escutou o som da rua.
Dois homens gritando.
Um choro de mulher.
Depois a voz dele.
Baixa. Imponente.
— Aqui, ninguém faz o que quer.
Mais três disparos. Um corpo no chão. Correria. Silêncio.
Era a voz de B.K. Ela reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
Ali, naquela noite quente, onde o fuzil cantava e o medo dançava, Priscila entendeu: ela não tinha fugido do perigo. Tinha apenas mudado de endereço.
E o pior?
O perigo agora… tinha olhos de lobo e voz de rei.
A manhã nasceu abafada no Complexo. O sol batia nas lajes e refletia nas telhas de zinco, enquanto a favela já fervilhava: criançada correndo descalça, mulheres discutindo no portão, motos subindo e descendo as vielas. Mas havia algo diferente no ar. Um silêncio escondido, como se todos estivessem esperando a próxima jogada de uma partida perigosa.Priscila sentia isso no corpo. Desde o encontro com Caio, o coração parecia viver em sobressalto. Cada passo na rua era um risco, cada sombra um aviso. Mas havia também a voz de B.K. ecoando: “Então escolhe, Pri. Só não demora. Aqui, quem hesita, morre.”Ela não queria escolher. Não queria estar entre dois monstros. Mas sabia que a vida não dava pausa.Era quase meio-dia quando uma viatura da PM parou na entrada do beco principal. O giroflex desligado, mas o peso da farda falava por si só. Do carro, desceu Caio. Uniforme impecável, óculos escuros, a arma presa no coldre. Não parecia mais o homem que a espancava no escuro do quarto — parecia
A manhã nasceu cinzenta na Penha. O céu pesado parecia refletir o clima do morro, ainda marcado pelo confronto dos dias anteriores. Nos becos, o cheiro de pólvora já havia se misturado com o da comida fritando cedo, mas o silêncio denunciava: ninguém estava em paz.Priscila acordou com o coração acelerado, mesmo sem ouvir tiros. Era como se o corpo tivesse aprendido a viver em alerta. Cada batida na porta, cada passo no corredor a fazia prender a respiração.Rute a observava da cozinha.— Tu não tá dormindo direito, mana. Vai acabar ficando doente.Priscila deu de ombros, mexendo no café com desatenção.— Como é que alguém dorme aqui, Rute? Toda noite parece que o mundo vai acabar.A irmã tentou sorrir, mas o olhar era sério.— O mundo sempre acaba um pouco aqui. Mas a gente aprende a levantar e fingir que não.As palavras a atingiram fundo. Priscila queria acreditar que era forte, que estava recomeçando. Mas, no fundo, sentia-se mais prisioneira do que nunca.Mais tarde, um dos rapaz
O Complexo da Penha acordou com o gosto de pólvora ainda no ar. As paredes traziam as marcas de tiros recentes, janelas quebradas denunciavam a noite de guerra, e o silêncio dos becos dizia mais do que qualquer notícia. Não era o primeiro confronto, mas algo naquela madrugada tinha sido diferente: tinha sido pessoal.Priscila abriu os olhos devagar, o corpo ainda rígido pelo medo. A lembrança dos estampidos ecoava em sua mente, como se cada bala tivesse atravessado também sua pele. Rute estava ao seu lado, exausta, mas firme.— Dorme mais um pouco, mana. — Rute passou a mão nos cabelos dela, tentando transmitir calma. — A manhã vai ser longa.Mas Priscila não conseguiu. Levantou-se, caminhou até a janela, e viu homens armados descendo pela escadaria. Alguns riam, outros limpavam sangue que não sabiam nem de quem era. Um garoto de não mais de 17 anos carregava o fuzil maior que ele próprio, o olhar duro de quem já tinha visto mais morte do que deveria.Ela sentiu o estômago embrulhar.
A noite desceu sobre o Complexo da Penha como uma manta pesada, cobrindo cada viela e beco com sombras que pareciam vivas. O cheiro de pólvora e suor ainda pairava no ar, resultado da primeira noite de sangue, e a comunidade inteira estava em alerta. O morro respirava tensão, cada som se transformava em ameaça, cada sombra escondia perigo.Priscila estava trancada no quarto da irmã, abraçada à mochila, mas não era apenas o medo que a mantinha imóvel. Era a percepção de que aquela guerra agora a envolvia diretamente. Cada disparo da noite anterior ainda ecoava em sua cabeça. Cada grito que ela ouvira — de moradores, soldados, homens e mulheres do Complexo — parecia fundir-se ao próprio coração dela.Rute entrou silenciosa, sentando ao lado da irmã. — Pri… — começou, a voz baixa, quase sussurrada. — Hoje vai ser pior.— Eu sei — respondeu Priscila, respirando fundo. — Mas não posso mais ficar parada. Ontem eu sobrevivi, hoje não sei se consigo.Rute a segurou pelos ombros, firme. — Nã
O sol nasceu manchado de fumaça sobre o Complexo da Penha. O dia seguinte à primeira noite de sangue trouxe um silêncio pesado, cortado apenas pelos sons de sirenes distantes e passos apressados nas vielas. Carros abandonados ainda bloqueavam as ruas, marcas de tiros espalhadas pelo concreto. O morro não dormiu, e agora carregava suas cicatrizes visíveis.Priscila estava sentada no chão da sala da casa de Rute, os joelhos abraçados ao peito. A respiração ainda era irregular, e as mãos tremiam. Os sons de passos e vozes do lado de fora a mantinham alerta.— Pri… — Rute se aproximou, com o rosto pálido, olhos inchados de cansaço e medo. — Eu fui ver o que restou na quadra… parece que explodiu uma guerra de verdade.Priscila fechou os olhos, lembrando dos tiros, da correria, do cheiro de pólvora e do grito de moradores desesperados. Cada imagem martelava na mente dela.— Eu… — começou a falar, mas a voz falhou. — Eu não sei como sobrevivi àquela noite.— Tu não tava sozinha — disse Rute,
A tarde caía sobre o Complexo da Penha com um silêncio que parecia quebrar ossos. Os sons típicos do morro — risadas, crianças correndo, rádios estourando — haviam se apagado, substituídos por um clima pesado e palpável. Cada sombra parecia espreitar, cada porta rangia sob a ameaça de algo prestes a acontecer.Priscila estava no quarto, sentada na beira da cama, olhando para o chão. O coração batia tão rápido que parecia tentar atravessar o peito. As mãos trêmulas seguravam o lençol como se fosse a última âncora de segurança.— Pri... — a voz de Rute, suave, entrou no quarto. — Eu sei que tu tá pensando em fugir.— Fugir? — Priscila riu nervosa, sem humor. — Pra onde? Não tem lugar nesse morro que eu possa ir sem ser vista.Rute sentou ao lado dela, passando a mão nos ombros da irmã. — Eu sei, mana. Mas fugir não é só distância, é sobrevivência. Caio não vai desistir, B.K. não vai perdoar, e eu não quero perder nenhuma de vocês.Priscila respirou fundo. — Eu só queria que ele sumiss
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