O sol nasceu manchado de fumaça sobre o Complexo da Penha. O dia seguinte à primeira noite de sangue trouxe um silêncio pesado, cortado apenas pelos sons de sirenes distantes e passos apressados nas vielas. Carros abandonados ainda bloqueavam as ruas, marcas de tiros espalhadas pelo concreto. O morro não dormiu, e agora carregava suas cicatrizes visíveis.
Priscila estava sentada no chão da sala da casa de Rute, os joelhos abraçados ao peito. A respiração ainda era irregular, e as mãos tremiam. Os sons de passos e vozes do lado de fora a mantinham alerta.
— Pri… — Rute se aproximou, com o rosto pálido, olhos inchados de cansaço e medo. — Eu fui ver o que restou na quadra… parece que explodiu uma guerra de verdade.
Priscila fechou os olhos, lembrando dos tiros, da correria, do cheiro de pólvora e do grito de moradores desesperados. Cada imagem martelava na mente dela.
— Eu… — começou a falar, mas a voz falhou. — Eu não sei como sobrevivi àquela noite.
— Tu não tava sozinha — disse Rute,