Ela nasceu dentro de uma prisão dourada. E agora, cada passo é um sussurro de vingança. Após anos sendo moldada pelo silêncio, Zalea Baranov carrega em seus olhos o reflexo da dor — e nas veias, a herança de um império manchado de sangue. Filha do impiedoso Ivan Baranov, ela aprendeu cedo que confiança é um luxo perigoso e que amor pode ser uma armadilha mortal. Mas quando seu destino cruza com Zaiden Marevick — o inimigo mascarado de promessas doces — e Leonid Raskolnikov — o Don da máfia que vê em sua ferida uma coroa — Zalea se vê dividida entre o desejo de liberdade e o peso de sua linhagem. Entre alianças feitas à sombra e verdades sussurradas como veneno, ela descobrirá que para sobreviver neste mundo não basta fugir. É preciso aprender a ferir. Porque a garota frágil morreu com a infância. E no lugar dela, nasceu uma rainha feita de gelo e lâminas.
Ler maisCapítulo 1
Narrado por Zaiden Marevick Meu nome é Zaiden Marevick. Trinta anos. Don da Bratva. O título que carrego não é coroa, é cruz. Não é glória, é sentença. Ser Don é habitar o lado mais escuro do mundo — onde decisões se medem em litros de sangue e o silêncio dos mortos pesa mais que o som da vida. Cresci entre pólvora, entre homens que riam enquanto matavam, entre promessas sussurradas e traições afiadas. Fui esculpido à base de cicatrizes. Moldado na dor. Forjado no abandono. Amor? Amor é veneno destilado na garganta. Aprendi isso cedo demais. Ainda posso vê-la — minha mãe. Estendida no chão da casa onde cresci, os olhos arregalados, a boca entreaberta, sangue escorrendo como tinta de um quadro trágico. A vida deixou o corpo dela em espasmos, e eu — com oito anos — assisti à morte como quem aprende a nunca mais respirar fundo. Meu pai estava ali. Observando. Não se moveu. Não gritou. Apenas assistiu, impassível, como se tudo fizesse parte de uma equação que ele já resolvera antes mesmo do crime. Naquele instante, algo dentro de mim morreu com ela. E jurei: ninguém mais me tocaria com esse tipo de poder. Nunca mais amaria. Nunca mais seria vulnerável. O homem que fui um dia, com olhos famintos por cuidado, foi enterrado com ela naquele mesmo dia. O menino que chorava no escuro, que se escondia nos cantos da casa para não apanhar, se calou para sempre. No lugar dele, nasceu o que sou agora — uma máquina fria, que calcula, destrói e domina. Hoje, sou aquilo que restou depois que a inocência foi arrancada à faca. Sou o Don da Bratva. A sombra que comanda a noite de Moscou. O nome que homens temem sussurrar. O arquiteto de um império construído sobre ossos partidos e olhos fechados. E dentro de mim, só há gelo. Ou… assim deveria ser. Irina Pavlov tenta quebrar isso. Estamos noivos. Não por amor. Por guerra. Por paz. Por território. Um acordo entre duas famílias velhas, entre a Bratva e os Pavlov. Um casamento que soa mais como trégua do que como promessa. Irina é filha de Sergei Pavlov — um dinossauro da velha máfia russa. Nosso noivado foi selado com uísque, armas e apertos de mão suados. Mas Irina… ela não quer apenas o nome. Ela me quer. Sempre quis. Desde crianças, me olhava como se eu fosse o único ponto fixo num mundo que girava rápido demais. Mesmo quando eu a ignorava. Mesmo quando eu deixava claro que havia uma parte de mim que ela nunca tocaria. Algumas vezes, cedi. Não por desejo. Por praticidade. Era mais fácil tê-la no meu leito do que negar o que ela já acreditava possuir. Ela aceitava tudo — meu silêncio, minha ausência, minha frieza. Mas queria amor. E isso… eu não tenho. Irina é feita de obsessão polida. Uma mulher que aprendeu desde cedo que o amor se conquista pelo cansaço. Ela sorri mesmo quando é ferida. Me beija mesmo quando sangro nela. Finge não perceber quando a trato como uma moeda em meio a negociações. E isso é o que mais me assusta: o quanto ela é capaz de se anular só para caber no espaço que imagina ao meu lado. Ela não entende que eu não sou um espaço. Sou um abismo. A janela do meu escritório emoldura a cidade mergulhada num inverno cruel. A neve cobre Moscou como mortalha branca. E eu, diante dela, penso em como tudo é efêmero — concreto, alianças, promessas. — Don, os homens estão prontos. — A voz de Viktor rompe o silêncio. Estamos num galpão afastado do centro, onde conspirações não ecoam. Mapas repousam sobre uma mesa de ferro, rabiscados com rotas e riscos. O cheiro é de pólvora, de óleo, de passado mal enterrado. — A entrada sul ainda tem brechas. — diz Mikhail. — Sistema de câmeras mal calibrado. Podemos passar despercebidos. Ivan Baranov. Só o nome faz meu estômago se revirar. Ele está se expandindo demais. Rápido demais. Comprando lealdades, cercando nossas rotas, nossas raízes. E no meu mundo… ameaça é igual a sentença. — Sem erros. — digo, minha voz como lâmina. — Se encontrarem Ivan… tragam-no vivo. O resto é meu. Não há hesitação. Meus homens conhecem o peso de uma ordem dada por mim. Cada um deles carrega seus próprios fantasmas. São sombras treinadas para obedecer. Pego minha pistola — prateada, fria, personalizada. Minhas iniciais gravadas como um lembrete de que até a morte precisa ter assinatura. A guerra começa agora. O comboio desliza pela neve como um corte branco sobre o asfalto. O silêncio no carro é absoluto, tenso, como o ar antes da tempestade. — Dois minutos até a zona. — Viktor avisa. Assinto. A mansão de Ivan Baranov aparece como um monstro adormecido. Alta, cercada por muros que gritam arrogância. Torres de vigia, câmeras, blindagem. Um castelo em tempos modernos. Um aviso. — Posição lateral. — ordeno. Saltamos. O frio morde. A neve estala sob nossas botas. Meus homens se movem como lobos, rápidos e silenciosos. Dou o sinal. O primeiro tiro corta a noite. Um dos meus cai. Rápido. Silencioso. A neve se tinge de vermelho. Os músculos ainda tremem quando ele atinge o chão. — Emboscada! — Viktor grita, se jogando atrás de um bloco de concreto. Outros tiros. Um trovão de aço e pólvora. Ele nos esperava. Ivan sabia. Tudo foi orquestrado. — Alguém nos traiu. — sussurro. — Don! Torres! — Mikhail aponta. Atiro. Um vulto cai. Sangue respinga na neve como tinta escura em papel branco. Grito por cobertura. Avanço. Cada passo entre as colunas da entrada sul é uma dança entre o inferno e o fim. O tiroteio é feroz. A noite é um campo de caça. E eu — o predador traído. — Viktor, cubra a retaguarda! Mikhail, pela esquerda! — grito, a voz cortando o caos. Meus homens se movem com precisão. Mas eu sei: Esta guerra só começou. E o nome Baranov ainda vai arder na minha boca como brasa. Porque dentro daquela casa… Está o início da minha vingança. E o nome dela é Zalea.Narrado por Zaiden MarevickO gosto de Zalea ainda queimava nos meus lábios. Doce e amargo como um pecado. Um beijo roubado entre as grades douradas de um mundo condenado. Ela havia tremido contra meu peito, e por um momento o tempo inteiro cessou. Tudo ao redor evaporou, como se restássemos apenas nós dois — predador e presa, cúmplices de um destino que jamais nos pertenceria por completo.A segurei pela cintura, firme, como se ela pudesse escorregar entre meus dedos e desaparecer. Ela era feita de silêncio, de dor contida, de uma beleza que doía só de olhar. E mesmo assim, mesmo com os olhos escurecidos pela tristeza, me desafiava. Aquele olhar… aquele maldito olhar. Era como cair de um precipício e sorrir no meio da queda.Inclinei-me até sua testa roçar na minha, sentindo sua respiração quente, entrecortada.— E se eu não tivesse noiva? — perguntei, minha voz era sombra e promessa.Ela piscou, surpresa. Não com as palavras, mas com a possibilidade. Como se não tivesse direito sequ
Narrado por Zalea BaranovO salão era um mausoléu de riquezas.Um altar profano onde homens riam entre goles de whisky envelhecido e conspirações sussurradas.Eu era o sacrifício.Sentada ao lado de Ivan, meu corpo permanecia imóvel, mas minha alma se encolhia a cada toque.Seu braço envolvia minha cintura como uma algema de carne.Não era proteção — era domínio.Cada gesto dele dizia ao mundo: “Ela me pertence.”E naquele mundo, “pertencer” era sinônimo de silêncio, obediência e dor.A fumaça dos charutos dançava no ar com mais liberdade do que eu.A luz dourada dos lustres cintilava sobre minha pele marcada, tentando transformar hematomas em ouro, feridas em ornamentos.Mas nada disfarçava a verdade.Dmitri me observava como um homem observa uma arma prestes a disparar — fascinado pelo perigo, excitado pela possibilidade de sangue.E então, ele.Zaiden.Senti-o antes de vê-lo.Era como se o chão mudasse de gravidade, como se o ar ganhasse um sabor metálico.Sua presença era uma somb
Narrado por Zalea BaranovOs dias escorreram lentos desde que minha pele conheceu os punhos de Ivan. O corpo, marcado por hematomas sombrios, tornou-se um mapa da dor, e cada respiração se tornava um ato de coragem. Havia algo quase poético naquele sofrimento — como se meu corpo estivesse aprendendo a conversar com a dor em silêncio. Mas nem isso era libertador. Era apenas mais uma cela, mais um açoite invisível.A casa sussurrava em vozes baixas, e eu, sua prisioneira, escutava tudo do fundo do meu quarto. A luz filtrada pelas cortinas pesadas parecia hesitar antes de tocar minha pele. Nada ali era leve. Nem a luz, nem o tempo, nem a memória.Dione era a única sombra que não me assustava. Silenciosa, macia como neve recém caída, ela se aproximava com mãos cuidadosas e palavras que não ousavam ferir. Não a compreendia. Talvez fosse mais uma peça no jogo de Ivan. Ou talvez… talvez ela também fosse uma prisioneira de aparência livre.Naquela manhã, a maçaneta girou com um lamento suave
Narrado por Zaiden MarevickO frio da noite me cortou como lâmina ao cruzar a soleira do escritório. Peguei meu casaco sem dizer palavra, ignorando o calor da lareira ainda viva. O mundo lá fora era um deserto branco e silencioso — como a mente de um homem à beira da loucura. A cidade, indiferente à minha febre, dormia sob véus de neve. Mas eu, não.Dentro de mim, algo queimava com mais força do que qualquer inverno poderia extinguir.Ela.A menina feita de silêncio e gelo.Assim que meus pés tocaram o concreto gelado, o motorista abriu a porta com sua obediência habitual. Entrei sem fitá-lo, como se minha presença fosse uma sentença. A cabine do carro se encheu do meu silêncio.— Para o clube de patinação — murmurei, minha voz mais sombra do que som.Ele hesitou. Um breve segundo de vida entre as engrenagens da submissão. Mas não disse nada. Eles nunca dizem.O carro deslizou pelas ruas congeladas. Luzes manchavam o vidro como fantasmas — vermelho, âmbar, branco — mas eu não enxergav
Zalea BaranovA noite havia passado, mas não levara nada com ela. A dor continuava alojada sob minha pele como um veneno que o corpo se recusa a expurgar. A mansão estava silenciosa — silêncio esse que não trazia paz, mas um tipo de aviso: tudo ainda estava por acontecer.O espelho devolvia uma versão de mim que mal reconhecia. Lábios partidos, olhos vazios, a carne manchada pelos hematomas da última lição de Ivan Baranov. Ele dizia me amar. Dizia querer me proteger. Mas o amor dele era uma coleira apertada em minha garganta, e a proteção… bem, ela doía.Zaiden Marevick.Seu nome era um espinho cravado sob minha pele, mas não de dor — de lembrança. Era o calor num inverno interno, uma ameaça envolta em fascínio. Ele não sabia quem eu era, e talvez por isso me olhou como ninguém jamais ousou olhar. Sem julgamento. Sem controle. Apenas… viu. E ser vista doeu mais do que qualquer soco de meu pai.Ao longe, o relógio ancestral da mansão marcou cinco horas da manhã. O tempo parecia zombar
Narrado por Zaiden MarevickA fumaça do meu charuto dançava no ar como espíritos errantes, se contorcendo, sumindo. O silêncio do escritório era espesso, pesado, um manto que me sufocava sem piedade. O estalo da lenha ardendo na lareira era o único som, além do rugido surdo que habitava dentro de mim.Aquela garota. Aquela maldita garota.Ela entrou no meu mundo sem pedir licença. Um sopro gelado no calor do inferno que construí com as próprias mãos. Um olhar. Um gesto. E tudo em mim — tudo que levei anos para conter — ameaçou ruir.— Não sei o nome dela, mas sei onde encontrá-la. Clube de patinação no território de Baranov — falei. A voz saía firme, mas dentro… um terremoto.Viktor não respondeu de imediato. Seu rosto continuava rígido, olhos de aço, mandíbula tensa. Leal até o fim, mesmo quando não compreendia os motivos que guiavam meu caos.— Vou procurar, Don.Assenti. Ele saiu.A quietude retornou, mas era uma quietude de presságio. De tempestade se formando no horizonte. Voltei
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