A presença e o abismo

Narrado por Zalea Baranov

O silêncio do clube de patinação era espesso como a neblina das manhãs que nunca amanhecem. Um véu denso e frio que pairava sobre os refletores apagados, entre os bancos vazios e os ecos do que já foi infância. O ar carregava o cheiro metálico do medo. Cada respiração minha era um sussurro contra o infinito. Eu podia ouvir os batimentos do meu coração — ora súplica, ora ameaça. Ainda inquieto. Ainda descompassado depois do encontro com aquele homem que parecia ter surgido das sombras que habitam o fundo de todas as coisas.

Lá fora, os tiros haviam cessado, mas a tensão pairava como um presságio. Um presságio sujo e úmido, feito de pólvora e segredos. Eu sabia, com a precisão das coisas que não se aprendem, que ele não estava ali por acaso. E muito menos por mim.

Ele era uma presença. Um peso. Um sussurro feito de ossos estalando no escuro. Tinha a calma dos monstros e o charme das tragédias inevitáveis.

E, ainda assim, eu o deixei fugir.

Minha mente girava como uma lâmina solta. Os estalos da memória vinham em flashes — o jeito como ele me olhou, como se já soubesse. A palavra printsessa pairando no ar como uma sentença antiga. O toque em meu pulso, quente como febre. O silêncio que carregava mais verdades do que qualquer grito.

Se meu pai o encontrasse, ele estaria morto. Não com um tiro, mas com requinte. Com assinatura.

E se soubessem que eu o ajudei…

Engoli em seco, tentando afogar o pânico com disciplina. Ele não sabia quem eu era. Ainda. Se soubesse, eu não estaria em pé, sozinha neste ringue. Eu seria refém, moeda, ameaça.

Mas talvez eu já fosse todas essas coisas.

Ele se aproximou de mim como um presságio. Como se seus passos não tocassem o chão, mas sim a estrutura dos meus próprios medos. Quando falou, sua voz veio baixa — arrastada, como se cada palavra tivesse nascido das cinzas de algo que ardeu por muito tempo.

— Você está com medo de mim?

A pergunta cortou o ar como uma navalha velha. Eu respirei fundo, sentindo o frio se instalar em meus pulmões.

— Eu estaria louca se não estivesse — respondi. Minhas palavras saíram mais firmes do que eu esperava. Mais minhas do que nunca.

Ele sorriu, e aquele sorriso era uma rachadura. Uma fissura no rosto de alguém que não devia conhecer a beleza.

Mas era belo. De uma beleza errada, corrompida. Daquelas que machucam os olhos e despertam a parte de nós que deveria estar adormecida.

Minha mente queria afastá-lo. Meu corpo… hesitava.

Eu precisava pensar. Rápido. Porque o tempo, ali, não era só cronológico — era fatal.

— Você não pode ficar aqui — disse, firme, tentando conter a tremedeira nos dedos.

Ele parou. O olhar dele mergulhou no meu como uma lâmina entra na carne. Com precisão. Sem pena.

— E por que eu confiaria em você?

— Porque, se eu quisesse te entregar… já teria gritado.

O silêncio se espalhou como fumaça.

— E por que não gritou?

Eu queria dizer que era porque não via meu pai como um herói. Que eu estava cansada de ser apenas a filha de um homem que colecionava mortes como troféus. Queria dizer que havia algo nele que me fazia lembrar que ainda havia partes de mim que sentiam. Que estavam vivas. Mas engoli tudo isso.

— Porque se você morrer aqui… nunca mais vou conseguir patinar.

E isso, para mim, seria o fim do mundo.

Ele ficou em silêncio. Depois sorriu, e havia respeito naquela curvatura tênue dos lábios.

— Você é cheia de surpresas, patinadora.

Essa palavra — patinadora — soou quase doce. Como uma mentira bem contada.

Eu me movi até o banco onde deixava minhas coisas. Meus dedos encontraram a chave da saída dos fundos, e por um instante, aquele objeto frio e metálico pareceu pesar toneladas.

Eu a entreguei sem dizer nada.

Ele a pegou, seus dedos tocando os meus. Por um segundo, o mundo parou de girar. E então ele desapareceu na escuridão.

E eu fiquei ali. Sozinha. Com o peso de uma decisão que ainda não compreendia.

Foi quando ouvi passos. Pesados. Furiosos.

A porta se escancarou com violência, como se a noite estivesse tentando invadir meu último refúgio.

— Zalea?! — A voz era de Dimitri. Meu irmão. Montanha de gelo, sombra de Ivan. Ele entrou como um lobo, farejando sangue, farejando mentiras.

Atrás dele, dois homens armados.

— O que está fazendo aqui?

— Patinando — respondi, tentando vestir a inocência como uma capa. Mas ela já não me servia mais.

Dimitri olhou em volta. Os olhos dele — iguais aos de papai — examinavam o ringue como uma cena de crime.

— Ouviu alguma coisa? Tiros?

— Não. Estava com fones. Música clássica. Rachmaninoff.

Uma mentira bonita. Bem vestida. Fria.

Ele se aproximou. O cheiro dele era uma mistura de pólvora, cigarro e algo que morria por dentro.

— Estamos atrás de alguém. Fugitivo. Da Bratva.

Minha respiração travou. Mas o rosto permaneceu intacto.

— Vi alguém?

— Não — disse, com a firmeza dos que não têm escolha.

Ele me olhou nos olhos. Procurava rachaduras. Frestas. Verdades.

— Você passa tempo demais sozinha. Isso te enfraquece.

— Isso me fortalece — devolvi. Uma fagulha. Uma faísca. Um desafio.

Ele sorriu, mas era um sorriso morto.

— Você é só uma garota patinadora. Não se esqueça de quem é seu pai.

Como se eu pudesse.

Os capangas retornaram, sinalizando negativo.

— Vamos — ordenou Dimitri. Mas antes de sair, ele olhou uma última vez para mim. E naquele olhar havia algo estranho. Um aviso. Ou talvez… uma dúvida.

Quando a porta se fechou atrás deles, o silêncio voltou. Mas não era mais o mesmo. Era mais pesado. Mais úmido.

Caminhei até o centro da pista, tirei os patins. Senti o frio do gelo nos pés como uma lembrança daquilo que nunca tive: liberdade.

Meus dedos tremiam. Minha alma… vibrava.

Porque, naquela noite, eu tinha escolhido. E não era algo pequeno.

Eu salvei um homem. Um estranho. Um inimigo.

Mas, acima disso, salvei a mim mesma.

Lá fora, a cidade dormia em pesadelos. Aqui dentro, eu dançava com eles.

E, em algum lugar, ele também dançava.

Com meu segredo.

Comigo.

Com a promessa silenciosa de um reencontro.

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