Narrado por Zaiden Marevick
Os tiros ainda ecoavam no ar quando dei o comando para avançarmos. O plano havia sido comprometido, mas a missão ainda não estava perdida. Não enquanto eu estivesse de pé. Não enquanto eu fosse o Don da Bratva. A fumaça densa se misturava ao cheiro de pólvora, e o brilho das balas cortando a escuridão fazia a cena parecer um verdadeiro inferno. Mas eu já conhecia esse inferno. Eu havia crescido nele. Era um velho amigo, um lembrete constante de quem eu era e do que eu representava. Mikhail se posicionava ao meu lado, seus olhos atentos, sua expressão impenetrável. Ele não demonstrava medo — nunca demonstrava. Era o tipo de homem que sabia que a guerra não perdoava, mas também entendia que a sobrevivência não dependia apenas da força bruta. Inteligência era uma arma muito mais letal. E nós sabíamos como usá-la com precisão cirúrgica. Minha mente estava afiada. Como sempre. — Continuem em movimento! — ordenei, minha voz firme, mas carregada de tensão. — Não podemos ficar aqui. Meus homens responderam de imediato, treinados para obedecer sem questionar. Porque sabiam que, se hesitassem, morreriam. O barulho ensurdecedor dos disparos se intensificou. — Viktor! Me dê uma atualização! — gritei, abaixando-me atrás de um veículo destruído. Ele veio correndo, a respiração pesada, mas com a determinação intacta. Me entregou um rádio. — A situação está tensa, Don. Não conseguimos avançar muito. Eles estão mais preparados do que imaginávamos. Franzi a testa. Ivan Baranov sempre foi imprevisível, mas sua resposta agressiva dessa vez mostrava que havia algo mais. Ele não estava apenas defendendo território — ele estava mandando um recado. Um aviso. — Vamos ajustar a estratégia — interveio Mikhail, com a frieza que eu admirava. — A retaguarda está fechada, e a frente está sendo fortemente defendida. Mas ainda temos uma carta na manga. Eu já sabia. Tinha planejado diversas rotas de saída, cada uma mapeada como peças de um tabuleiro de xadrez. Mas algo me incomodava. Estávamos um passo atrás. Baranov sabia que viríamos. Isso não era uma simples defesa. Isso era uma armadilha. Apertei o maxilar. Merda. — Viktor, dispersar agora. Cada um encontra uma rota de fuga. Encontro vocês no ponto B. — Don! — Ele hesitou. — Se queremos sair vivos daqui, precisamos ir embora agora! O fogo da frustração queimou dentro de mim, mas eu sabia que ele estava certo. Não perdi mais tempo. Enquanto os tiros ainda rasgavam a noite fria, me afastei do campo de batalha. Minhas pernas se moviam com precisão, meus sentidos aguçados para qualquer ameaça. O ar cortante da madrugada batia contra minha pele, mas eu já não sentia o frio. Meu corpo pulsava com adrenalina, cada músculo atento, preparado para a próxima batalha — ou para a morte. As ruas estreitas cobertas de neve formavam um labirinto branco e silencioso. A cidade parecia observadora, cúmplice de tudo. Uma fera dormindo sob uma fina camada de civilização. Então, vi um letreiro iluminado ao longe. Um clube de patinação no gelo. Uma escolha aleatória. Um abrigo improvável. Mas, naquela noite, a aleatoriedade do destino mudaria tudo. Me aproximei, mantendo-me nas sombras. Não havia seguranças. Nenhum sinal de movimento na entrada. Empurrei a porta lateral com cuidado e entrei. A música suave que preenchia o ambiente foi o primeiro detalhe que me atingiu. Uma melodia melancólica, baixa, quase fantasmagórica, que parecia arrastar os sentimentos para a superfície. O gelo reluzia sob a iluminação fraca, como uma camada de vidro puro. Tudo ali parecia fora do tempo. Intocado. E então, eu a vi. Uma mulher deslizava pela pista com uma leveza impossível, como se o mundo lá fora não existisse. Seus cabelos acompanhavam os movimentos do corpo, ondulando no ar, como se a gravidade tivesse sido suspensa só para ela. Por um momento, apenas observei. Cada gesto era meticuloso, como uma coreografia secreta. A forma como girava, como seus braços se estendiam no ar antes de se recolherem, como seu corpo fluía sobre o gelo… era hipnótico. Eu nunca tinha visto nada assim. Ela não era apenas bela — era etérea. Intocável. E então, percebi algo. Ela não sabia que estava sendo observada. Não sabia que, nas sombras, um predador a analisava com olhos afiados, capturando cada detalhe como se sua imagem pudesse ser tatuada na minha mente. O caos, a guerra, o sangue… tudo se tornou insignificante. Minha mente, acostumada a estratégias e vingança, de repente, estava focada em algo completamente diferente. Nela. Minha presença era discreta. Eu não fiz nenhum movimento brusco, não demonstrei qualquer ameaça. Mas, ainda assim, ela sentiu. Eu vi o instante exato em que seu corpo enrijeceu. Seus olhos se moveram rapidamente, varrendo o ambiente até me encontrarem. Foi um choque. Ela parou de repente, os patins deslizando de forma desajeitada. O susto foi tanto que não conseguiu recuperar o equilíbrio a tempo. E caiu. Meu peito se apertou com uma sensação que eu não reconhecia. O gelo a recebeu de forma cruel, mas sua queda não foi grave. Ainda assim, por alguma razão, aquela imagem me incomodou profundamente. Ela se levantou depressa, os olhos arregalados, o peito subindo e descendo com a respiração acelerada. — Você… — Sua voz era baixa, mas carregada de tensão. — Quem é você? Eu deveria ter mentido. Deveria ter dito qualquer coisa e ido embora. Mas as palavras ficaram presas na garganta. Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu estava hesitante. O silêncio entre nós se prolongou. Eu vi a maneira como seus olhos analisavam cada detalhe do meu rosto, como se tentassem memorizar e entender quem eu era. Ela era esperta. Percebia que algo estava errado, mesmo sem saber exatamente o quê. — Eu não queria te assustar. — Minha voz saiu baixa, mas firme. Uma mentira. Eu não assustava. Eu consumia. Eu destruía. Mas, por alguma razão, naquele momento, eu quis apenas observá-la por mais tempo. Quis entender o que havia nela que capturava minha atenção com tanta força. Ela não parecia convencida. Seus olhos, de um tom enigmático, brilharam sob a luz fria. — Está me seguindo? Eu quase sorri. Ela era direta. — Não. Mais uma mentira. Seu olhar se estreitou. Eu podia ver que ela não confiava em mim. Bom. Era mais seguro para ela assim. Ela deu um passo para trás, ainda sobre o gelo, mantendo a postura defensiva. Eu, por outro lado, me mantive imóvel. Quieta e silenciosamente dominado pela forma como ela se posicionava mesmo diante do medo. Havia algo nela que me intrigava de uma forma inexplicável. Uma mulher tão graciosa, mas ao mesmo tempo, tão cautelosa. Ela não era ingênua. Mas também não era como as mulheres do meu mundo. Não havia máscara nela. Apenas verdade. E foi nesse momento que percebi o perigo. Não para ela. Para mim. Porque, pela primeira vez em anos, senti algo que não estava sob meu controle. Uma obsessão começando a se formar. E isso era perigoso. Muito perigoso. Para nós dois.