Narrado por Zalea
O carro avançava pelas ruas adormecidas, e cada farol que cruzávamos parecia iluminar não o caminho, mas cicatrizes antigas. Como lâminas, os clarões rasgavam lembranças que eu pensava já terem adormecido — mas nada dorme de verdade quando se trata de sangue e dor.
Leonid dirigia em silêncio — um silêncio espesso, carregado de verdades que ferviam logo abaixo da superfície. Eu sabia que ele sentia o mesmo que eu: que essa noite era um retorno. Não à casa do meu pai, mas à origem de todos os fantasmas.
Meus dedos repousavam imóveis sobre o colo, mas por dentro eu tremia. Não de medo, mas de antecipação. Eu era uma lâmina prestes a ser desembainhada, e Dione… Dione era o fio que aguardava o corte.
Deixar Nazar e Anya com a avó foi como uma amputação lenta. Um pedaço de mim ficou naquela casa, envolto em mantas claras, no cheiro doce do leite e no calor do colo. O outro pedaço, aquele que aprendeu a sobreviver em meio à ruína, vinha comigo — como uma tempestade enjaula