Ela cruzou fronteiras para vingar o nome do pai. Mas nenhum plano é à prova do desejo. Helena Costa deixou Lisboa rumo a Londres com uma pasta de documentos — e a determinação de destruir o homem que arruinou sua família. Arthur Valente, CEO de um dos maiores grupos financeiros da Europa, é implacável nos negócios e indecifrável na vida pessoal. Para ele, o passado foi enterrado junto com os nomes que precisaram cair para que ele chegasse ao topo. Quando Helena conquista um cargo na sede londrina da Valente Enterprises, está pronta para executar seu plano de infiltração. Seus relatórios são impecáveis, sua lealdade inquestionável — e ninguém imagina quem ela é de verdade. Mas à medida que a convivência se intensifica, Helena começa a enxergar nuances no homem que jurou derrubar. O vilão da sua história tem rachaduras. Humanidade. Silêncios que ecoam os dela. Apaixonar-se por ele pode ser seu erro mais imperdoável. Em uma cidade onde os segredos se escondem atrás de portas envidraçadas, amar pode ser o maior risco — e a única chance de salvação.
Ler maisO prédio da Valente Enterprises se erguia diante dela como um monumento de vidro, aço e promessas quebradas.
Helena Costa parou na calçada movimentada de Canary Wharf e ergueu o queixo, observando as linhas verticais que pareciam não ter fim. O céu de Londres se refletia na fachada espelhada — uma cidade que não era sua, um idioma que ela aprendera tarde demais, um homem lá dentro que não suspeitava que, naquele instante, ela estava prestes a atravessar suas portas.
O frio de março passou pelo sobretudo preto que ela comprara num brechó em Shoreditch, mas Helena não se moveu. Ficou ali por mais um momento, como se esperasse que o vento levasse embora aquela pontada antiga de medo. Talvez, se respirasse fundo o suficiente, lembrasse que não era mais a filha de um empresário falido. Não era mais a garota que viu a mãe se desfazer em lágrimas na sala de estar, segurando cartas de cobrança que ninguém conseguia pagar.
Agora ela era outra.
Era a mulher que atravessaria a recepção, sorriria com contenção e entregaria documentos perfeitamente falsificados que comprovavam seu histórico profissional. A mulher que ia se infiltrar, ganhar a confiança dele, destruir o legado que Arthur Valente construiu.
A mulher que nunca, jamais, se deixaria fraquejar.
Helena apertou a pasta de couro contra o peito e finalmente deu o primeiro passo. Cada passada soava no mármore da recepção como um lembrete de que não havia volta. A assistente atrás do balcão ergueu os olhos, avaliando seu rosto com interesse educado.
— Bom dia. Em que posso ajudá-la?
— Helena Costa. Tenho entrevista às nove e meia — disse, num inglês suave, quase sem sotaque.
A assistente digitou algo no sistema, balançou a cabeça em aprovação e sorriu.
— Sétimo andar, sala de entrevistas B. Pode seguir por ali, senhorita Costa.
Helena agradeceu, ignorando o aperto no estômago. O elevador a engoliu num instante, espelhado por todos os lados. Ali, ela se viu multiplicada em dezenas de reflexos: o cabelo castanho preso num coque impecável, o rosto contido, a blusa branca sem detalhes. Uma mulher invisível. Exatamente como precisava parecer.
Quando as portas se abriram, o corredor parecia silencioso demais. O piso cinza, as luminárias discretas, os quadros minimalistas — tudo gritava dinheiro antigo, poder consolidado. Helena passou por algumas portas fechadas até encontrar a sala B.
Dentro, três pessoas esperavam por ela. Nenhum deles era Arthur Valente. Ainda não.
O homem do centro — cabelos grisalhos, terno azul-marinho — se apresentou como Marcus Halloway, diretor de recursos humanos. Os outros dois, uma mulher de olhar atento e um analista que não ergueu os olhos do tablet.
— Senhorita Costa, certo? — Marcus disse, indicando a cadeira à frente da mesa. — Recebemos seu currículo. Experiência interessante. Por que a Valente Enterprises?
Helena sentou-se com calma, cruzando as mãos sobre os joelhos. Treinara aquela resposta tantas vezes que se tornou automática.
— Porque acredito que minha formação internacional e minha experiência em processos de fusão podem agregar valor à empresa. E, pessoalmente, admiro o trabalho de expansão que a Valente Enterprises fez nos últimos cinco anos.
Mentira. Ela desprezava cada contrato, cada aquisição agressiva. Mas seu tom era calmo, estudado.
— Sua última função foi em Lisboa, correto? — a mulher perguntou. — Por que saiu?
— Por motivos pessoais. — Outra meia-verdade. Por que saiu? Porque a empresa do pai dela afundou enquanto ela fazia pós-graduação, e quando voltou, encontrou tudo em ruínas. Mas isso não estava no currículo.
O analista ergueu os olhos por um segundo. Helena sustentou o contato visual com a serenidade que não sentia.
— Muito bem. — Marcus fechou a pasta com seu nome. — Vamos dar prosseguimento ao processo. Se for aprovada nesta etapa, receberá o contato do nosso escritório até amanhã.
Helena sorriu, agradeceu, e saiu da sala com passos que não vacilavam. O corredor parecia mais silencioso do que antes. Quando virou à direita em direção aos elevadores, sentiu um movimento vindo da outra extremidade.
Ela ergueu os olhos — e o viu.
Arthur Valente caminhava na direção oposta, falando ao celular. O terno cinza-escuro parecia feito sob medida, marcando os ombros largos, o corpo alto. Ele não sorriu. Não pareceu notar nada além do visor do telefone. Mas Helena parou.
Por um instante, foi como se o coração quisesse arrebentar seu peito.
Ali estava o homem que ela culpava por todas as noites insones do pai, por cada dívida, por cada humilhação que a família sofreu. O homem que transformou o nome Costa numa piada.
E ele nem sequer levantou os olhos.
Era isso que doía mais.
Helena voltou a andar antes que ele chegasse perto o suficiente para notar sua expressão. Entrou no elevador com a respiração descompassada, e só quando as portas se fecharam teve coragem de encostar na parede fria.
Na pasta que segurava, havia cópias de contratos antigos, relatórios financeiros, documentos que seu pai guardou como última esperança de provar que havia sido traído. Nenhum daqueles papéis importava se ela não fosse forte o bastante para cumprir o que prometeu a si mesma.
Quando chegou ao térreo, o telefone vibrou em sua bolsa. Uma mensagem da irmã.
E então? Você conseguiu?
Helena olhou para o saguão envidraçado, onde executivos passavam apressados, segurando copos de café e pastas de couro. E depois voltou a fitar a entrada, como se pudesse ver Arthur Valente surgindo por trás do vidro.
Ainda não. Mas estou perto. Mais perto do que jamais estive.
Guardou o telefone e saiu para o frio de Londres, sabendo que aquele foi apenas o primeiro passo.
E que, na próxima vez que cruzasse com ele, não se permitiria fraquejar.
Helena seguiu pela calçada estreita, desviando de engravatados que pareciam não vê-la. O vento úmido fazia o sobretudo bater nas pernas, mas ela caminhou com o queixo erguido, como se ninguém pudesse atravessar a bolha que a separava do resto do mundo.
Ao dobrar a esquina, parou diante de um café pequeno, onde vitrines embaçadas protegiam clientes absortos em notebooks. Empurrou a porta de vidro, sentindo o aroma de café torrado, e escolheu uma mesa perto da janela. Precisava de um lugar para recuperar o controle antes de voltar ao flat.
Quando o atendente se aproximou, ela pediu um cappuccino com voz baixa e tirou da pasta uma folha amarelada. No canto superior, lia-se o nome do pai em letras sóbrias, seguido pelo logotipo antigo da empresa dele. E logo abaixo, a assinatura de Arthur Valente.
Era só um contrato. Um pedaço de papel. Mas em cada cláusula existia o início do fim.
Por que você fez isso?
A pergunta latejava na mente desde que Helena encontrara aquelas pastas guardadas no fundo de uma mala. Talvez nunca obtivesse resposta. Talvez não importasse. A ruína da família Costa fora só um degrau no caminho dele até o topo.
Ela respirou fundo e dobrou o documento com cuidado, como se temesse que qualquer rasgo pudesse desfazer a coragem que demorou anos para construir.
— Desculpe — murmurou ao atendente que trouxe o café. Ela não percebeu que ele já estava parado ali, aguardando espaço na mesa. — Obrigada.
O celular vibrou de novo. Outra mensagem, dessa vez da mãe.
Ligue quando puder. Seu pai não dorme há dias.
Helena apoiou a testa contra a vidraça fria. Não podia contar nada. Nem que tinha estado a menos de cinco metros do homem que odiava. Nem que, por um segundo, sentiu algo parecido com curiosidade ao olhar para ele.
Eu só preciso que vocês confiem em mim, pensou. Que me deixem fazer do meu jeito.
Quando levantou o rosto, viu seu próprio reflexo nos vidros. Parecia cansada demais para seus vinte e sete anos. Cansada e determinada.
Pagou a conta e saiu do café com passos firmes. O vento havia ficado mais frio, cortando a pele. Ela atravessou a rua e caminhou até a estação de metrô. Cada parada, cada vagão lotado, cada olhar vazio de desconhecidos era parte do preço que escolhera pagar.
No flat minúsculo que alugava por semana, Helena trancou a porta e apoiou a testa contra a madeira. Deixou a pasta cair sobre a cama estreita, respirando como quem correu uma maratona.
O cheiro de tinta velha e isolamento barato encheu seus pulmões. Ela não se importava. Podia dormir num chão duro se fosse preciso.
No celular, abriu o calendário. Amanhã, se fosse chamada para a próxima etapa, teria entrevista direta com Marcus Halloway e — possivelmente — Arthur Valente.
O coração bateu num compasso frenético. Não podia hesitar. Não podia se distrair.
Helena sentou-se na beirada da cama, passou a mão pelo rosto e fechou os olhos. Na memória, viu o vulto dele atravessando o corredor, a postura ereta, o semblante concentrado. Odiava admitir que, por trás daquele desprezo, havia uma pontada de curiosidade venenosa.
Eu vou te destruir, prometeu em silêncio.
E quando tudo acabasse, quando a empresa dele estivesse em ruínas e o nome Valente finalmente manchado, talvez ela conseguisse dormir sem sonhar com aquele dia em que perderam tudo.
Ou talvez não.
Helena abriu os olhos, afundou o rosto nas mãos e deixou o silêncio do flat lembrá-la de que não havia ninguém para consolá-la. E isso também era bom.
Se quisesse vencer, teria que fazer sozinha.
“Se existe um final feliz, talvez seja esse: a continuação.”O céu de Londres estava limpo, raro para um fim de tarde de abril. No terraço da cobertura, a luz dourada se espalhava sobre as mesas de madeira clara, a vegetação renovada que Helena reorganizara aos poucos — samambaias, lavandas, uma pequena oliveira em um vaso. A cidade se estendia ao fundo como uma colagem de tons pastéis, e o som distante do tráfego era mais pano de fundo do que distração.Arthur surgiu com duas taças e uma garrafa de espumante gelada. Helena já o esperava sentada em uma das cadeiras, com o blazer de linho jogado sobre os ombros e o cabelo preso em um coque despretensioso. A luz dourada a deixava ainda mais bonita — não de um jeito performático, mas inteiro. Presente.— Achei que esse dia merecia um brinde — ele disse, entregando a taça.— Só um? — ela arqueou a sobrancelha.— Podemos fazer vários. Um pra cada recomeço.Helena riu, encostando a taça na dele com um tilintar discreto.— Ao nosso primeiro
Arthur esperou o elevador chegar em silêncio, equilibrando dois cafés e uma sacola com croissants frescos que descera buscar ali perto. Era cedo — mais cedo do que ele costumava começar seus dias. Mas agora, o início da rotina não era mais apenas dele. A cobertura compartilhada com Helena ganhava novos sons, cheiros e ritmos. E, por mais que não tivessem falado abertamente sobre o flat antigo dela, os dias iam se desenhando como um desenho sem pressa, traço por traço, até que morar ali... apenas fez sentido.Na sala, Helena estava sentada ao computador, com o cabelo preso de qualquer jeito e a xícara de ontem esquecida ao lado do teclado. O sol entrava pela janela e iluminava o quadro branco que eles haviam pendurado na parede. Post-its coloridos, palavras-chave, setas, datas. Tudo se movendo em direção ao novo.Arthur encostou na moldura da porta e ficou apenas observando.Ela não percebeu a presença dele de imediato. Estava focada numa planilha, digitando com rapidez, os olhos indo
O céu de Londres amanheceu limpo. Um azul frio, lavado pela chuva da noite anterior, refletia nos prédios de vidro e aço com uma nitidez quase irreal. Helena abriu a janela da cobertura e respirou fundo. O ar tinha gosto de recomeço.Não era exatamente onde ela achava que estaria. Mas, estranhamente, era onde precisava estar.A mesa da sala do escritório de Arthur — agora transformada num espaço compartilhado — estava tomada por cadernos, canetas, o laptop aberto e uma xícara de café esquecida ao lado de um pote de bolachas de gengibre. Helena digitava rápido, o cenho levemente franzido. Um cliente potencial respondera ao e-mail com mais perguntas do que ela imaginava, e ela estava no meio da resposta quando Arthur entrou.— Parece uma CEO já — ele comentou, encostando no batente da porta com um sorriso contido.— Pior que parece mesmo — ela respondeu, sem parar de digitar. — Mas ainda não decidi se isso é bom ou assustador.— Assustador pros outros. Que não vão ter ideia de onde você
O dia seguinte começou sem pressa.Helena acordou com a luz filtrada pelas cortinas, o corpo ainda envolto na presença dele. Arthur dormia ao lado, uma das mãos entrelaçada à dela, como se o sono também tivesse escolhido não deixá-los escapar. Havia algo de sagrado naquele silêncio — não o silêncio que esconde, mas o que acolhe.Ela ficou ali por um tempo, observando os traços dele suavizados pela calma. Pensou em todas as versões de Arthur que conhecera: o chefe inflexível, o homem gentil, o coração ferido, o amante delicado. Agora via todos — e nenhum. Porque o que estava diante dela era alguém que, como ela, aprendera a se despir das armaduras.Deslizou para fora da cama com cuidado, pegou uma camiseta dele e foi até a cozinha. Preparou café, cortou frutas, encontrou pão fresco sobre a bancada. A cena era doméstica, e quase banal. Mas nela havia uma beleza simples. Uma promessa silenciosa de que a vida podia ser feita disso: cuidado, presença, reciprocidade, cumplicidade.Ele apare
A volta para Londres foi silenciosa, mas não desconfortável. No avião, Arthur leu parte de um livro que Helena tinha na bolsa, e ela escutava uma playlist antiga no celular, os fones divididos entre eles. Compartilhavam o silêncio com naturalidade, como quem já não precisa provar nada um ao outro. Era um silêncio maduro. Cheio do que ficou dito, do que foi vivido e, principalmente, do que ainda estava por vir.Chegaram à cidade no fim da tarde. O céu nublado de julho parecia acolher o recomeço sem alardes. Helena não voltou direto ao flat. Não havia mais necessidade de intermediar a distância com precaução. Aceitou o convite que ele nem precisou fazer em voz alta, e seguiu com ele até a cobertura.Ao entrarem, o ambiente parecia outro. Nada havia mudado fisicamente — os móveis no mesmo lugar, os quadros silenciosos nas paredes, o aroma discreto do difusor que ele sempre usava. Mas algo no ar era diferente. Como se o espaço tivesse aprendido, junto com eles, a respirar com mais leveza.
O fim da tarde em Lisboa parecia pintado em tons de cobre. As sombras se alongavam pelas calçadas, e a cidade desacelerava num compasso quase imperceptível. Helena e Arthur caminhavam sem rumo definido, lado a lado, os passos em silêncio e os pensamentos em desalinho.Tinham passado o dia juntos, entre pequenas rotinas e silêncios confortáveis. Tomaram café na cozinha com os pais dela, trocaram palavras simples, olharam álbuns antigos. Helena mostrara a ele uma edição desgastada de Fernando Pessoa, marcada por anotações da adolescência. Arthur, em silêncio, lera um trecho, e depois devolvera o livro com um aceno de cabeça que dizia mais do que qualquer elogio.Agora, caminhavam pelas ruas estreitas do bairro dela. As casas antigas, com suas janelas de madeira e fachadas descascadas, pareciam conter respirações guardadas de outra época. Um homem varria a calçada diante de uma floricultura. Uma criança soltava bolhas de sabão da varanda. Helena apertou um pouco mais o casaco em torno do
Último capítulo