Mundo ficciónIniciar sesiónA SELVAGEM E O JUIZ Na noite enevoada em que um acidente quase lhe custou a vida, o juiz Eduardo Monteiro jamais imaginou que seria salvo por uma jovem ruiva desconhecida. Entre dor e inconsciência, gravou apenas um nome sussurrado no hospital: Vivian Oliveira. A partir daquele instante, o destino dos dois se entrelaçou em segredo. Vivian, aos vinte e três anos, era uma estudante de enfermagem que havia abandonado os estudos para cuidar da irmã de treze anos, Mariana, diagnosticada com leucemia. Criada sob os cuidados rígidos da tia Marlene, a menina exigia tratamentos caros e contínuos. Diante de dívidas impagáveis e do peso de ser o único alicerce da família, Vivian se vê encurralada. É quando surge Camila, amiga de república, sedutora e ambígua, que oferece a ela um caminho rápido para ganhar dinheiro. Relutante no início, Vivian cede ao desespero e nasce Scarlett, a mulher da noite — codinome que a distancia da vida “limpa” e do olhar inocente da irmã. Para Mariana e Marlene, Vivian continua sendo a irmã dedicada; mas nas madrugadas, se transforma em alguém que mal reconhece no espelho. Um ano depois, os caminhos se cruzam de novo. No tribunal, Eduardo se depara com uma ré misteriosa acusada de envolvimento em crimes ligados ao submundo. Quando o nome Vivian Oliveira ecoa nos autos, o Juiz reconhece a mulher que o salvara — e que se tornara sua obsessão silenciosa. Divididos entre o desejo e a lei, entre o passado marcado por gratidão e o presente manchado por segredos, Vivian e Eduardo são arrastados para um enredo de amor proibido, corrupção, vingança e sobrevivência. Até onde eles poderão ir sem se destruir? É uma história intensa sobre paixão, escolhas impossíveis e a linha tênue entre condenação e redenção.
Leer másA madrugada tinha cheiro de maresia e café fresco. O som das ondas vinha manso, quebrando em cadência contra as pedras, como se o mundo enfim respirasse no mesmo ritmo que ela. Vivian ficou um tempo parada à porta da varanda, observando o dia nascer. O horizonte ainda carregava traços lilases de uma chuva que passara durante a noite, e a areia molhada brilhava sob a primeira luz.Eduardo se aproximou por trás, os cabelos desgrenhados, um lençol amarrado na cintura.— Você acordou cedo — murmurou, encostando o queixo no ombro dela.— Queria ver o mar depois da chuva. — Ela se voltou um pouco, o sorriso discreto. — É diferente… parece novo.— Igual a você — respondeu ele, e a abraçou com força silenciosa.A casa simples que escolheram para viver era pequena, feita de madeira clara e janelas largas que deixavam o vento entrar sem pedir licença. O cheiro de maresia misturava-se ao aroma do café que ele preparava todas as manhãs. Não havia luxo algum, mas havia paz. As roupas secavam presa
A manhã tinha o gosto leve de pão com manteiga e um silêncio bom — desses que não cobram explicações. Vivian abriu o caderno lilás sobre a mesa e rabiscou três palavras: “Respirar, recomeçar, seguir”. Antes de fechar a tampa, o celular vibrou. Ciça.— Vivi? — a voz de sempre, mas mais sólida. — Tô bem. Em São Paulo, trabalhando numa clínica pequena. Não é glamour, é paz. Vivian riu com os olhos. — Você sumiu do mapa. — Me desencontrei de mim um pouco… agora tô voltando. Ah, Angelina casou com um cliente antigo — boa gente, vida ajeitada. E a Dora… acredita? Pegou o “príncipe pobre” pela mão e foi pra Portugal. — E a Camila? — a pergunta saiu mansa e doeu mesmo assim. O silêncio do outro lado foi um suspiro. — Descanso — disse Ciça, como quem acende uma vela. — Que a memória dela encontre um lugar bonito. Vivian assentiu em silêncio, e os dois lados da linha entenderam.Quando desligou, Eduardo apareceu no batente, gravata solta, camisa com o último botão vencido de cansa
O silêncio tinha gosto de porcelana fina. A mesa, comprida demais para quatro pessoas, refletia o lustre como um lago polido; o café fumegava sem coragem, e os talheres, alinhados por ordem de importância, pareciam prontos para um julgamento. Vivian ocupava a ponta oposta à mãe de Eduardo, como uma convidada que conhece o mapa da casa, mas não as regras do jogo. A toalha de linho roçava levemente seus dedos; ela os manteve imóveis, como se qualquer gesto pudesse soar barulhento demais ali.— Trouxe geleia de figo — disse dona Teresa, a voz lisa. — Caseira. Combina com pães mais claros. — Obrigado, mãe — respondeu Eduardo, ajeitando a xícara. — Vivian gosta de café forte. Um quase-sorriso cortou o rosto da matriarca, como uma dobra calculada. — O paladar se educa, com o tempo — comentou, e mexeu o açúcar sem provar.O pai dele, seu Álvaro, consultou o relógio de pulso com um tique antigo, herdado de outros relógios. — Hoje é dia de sessão longa? — perguntou, não olhando para Vi
A manhã chegou como quem tira o pó de um piano antigo e faz a primeira nota soar limpa. Vivian despertou com o pescoço aninhado no ombro de Eduardo e a janela aberta para um céu claro, sem ameaça. Havia no quarto um cheiro de roupa seca ao sol e de vinho adormecido na sala. Antes de abrir os olhos por completo, ela sorriu — não por um pensamento, mas pelo corpo inteiro que, enfim, não lembrava o medo como primeira coisa do dia.— Bom dia — disse Eduardo, num grave manso, os dedos desenhando círculos pequenos na nuca recém-descoberta pelo cabelo curto.— Bom dia — ela respondeu, sem vacilar. — Hoje é o dia em que eu volto.A palavra ficou pairando, bonita. Voltar. Não ao que havia antes, mas ao que sempre foi dela. Levantaram, tomaram banho com a pressa das coisas simples, e a casa recebeu os dois na cozinha com um retângulo de luz sobre a mesa. Vivian moeu o café, batendo o grão como quem marca o tempo; Eduardo preparou os pães, caprichando numa manteiga que estalou como fogos íntimos
O almoço começou tímido, como quem aprende de novo a dizer bom dia. Tia Marlene chegou com uma torta de frango ainda quente, o avental dobrado na bolsa e aquele jeito prático de quem resolve o mundo com prato cheio e abraço firme. Mariana veio logo atrás, de touca colorida, os olhos acesos. Vivian apareceu na porta com o corte recém-curto, o sorriso quase menino, e a casa engoliu o silêncio constrangido com cheiros de alho e pão passado na manteiga.— Está linda — disse Marlene, demorando um segundo a mais no rosto da sobrinha. Não era só comentário; era perdão embrulhado em elogio. — Esse cabelo… ficou você.— Fiquei — respondeu Vivian, sentindo o peito aquecer. — Eu fiquei.Eduardo ajudou a pôr a mesa, ajeitou copos, somou guardanapos. Mariana encostou no balcão, rindo de algo que só ela sabia, e puxou de dentro da mochila um desenho: quatro bonequinhos de mãos dadas, dois cabelos ruivos, um coração no meio.— É a gente — disse, orgulhosa.— É a gente — confirmou Vivian, com a voz m
A casa amanheceu com um silêncio morno, desses que não assustam mais. A chuva havia partido na madrugada, deixando o ar com cheiro de folhas lavadas e ferro frio. Vivian acordou primeiro. Ainda deitada, ficou olhando o teto como quem testa a nova pele que veste. A mão deslizou pelo próprio cabelo e parou nas pontas: ruivo, longo, uma história inteira. Levantou-se, andou descalça até o banheiro e acendeu a luz suave. O espelho devolveu uma mulher que não devia nada a ninguém.Abriu a gaveta, pegou a tesoura pequena de costura e, antes que a coragem pedisse licença, prendeu o cabelo num rabo baixo. Respirou. A lâmina cantou curta, metálica. Uma mecha inteira desceu como um fim. Depois outra. E outra. O ruim de cortar o que sobrou é descobrir que o que sobra também liberta. Quando terminou, o ruivo estava acima dos ombros, leve, quase insolente. Vivian sorriu para a própria imagem — não a Scarlett da noite, mas a Vivian do dia. Do caderno. Do corpo que volta a si.Eduardo apareceu na por
Último capítulo