A Selvagem e o Juíz

A Selvagem e o JuízPT

Romance
Última atualização: 2025-09-17
Ana Villegas  Atualizado agora
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Índice

A SELVAGEM E O JUIZ Na noite enevoada em que um acidente quase lhe custou a vida, o juiz Eduardo Monteiro jamais imaginou que seria salvo por uma jovem ruiva desconhecida. Entre dor e inconsciência, gravou apenas um nome sussurrado no hospital: Vivian Oliveira. A partir daquele instante, o destino dos dois se entrelaçou em segredo. Vivian, aos vinte e três anos, era uma estudante de enfermagem que havia abandonado os estudos para cuidar da irmã de treze anos, Mariana, diagnosticada com leucemia. Criada sob os cuidados rígidos da tia Marlene, a menina exigia tratamentos caros e contínuos. Diante de dívidas impagáveis e do peso de ser o único alicerce da família, Vivian se vê encurralada. É quando surge Camila, amiga de república, sedutora e ambígua, que oferece a ela um caminho rápido para ganhar dinheiro. Relutante no início, Vivian cede ao desespero e nasce Scarlett, a mulher da noite — codinome que a distancia da vida “limpa” e do olhar inocente da irmã. Para Mariana e Marlene, Vivian continua sendo a irmã dedicada; mas nas madrugadas, se transforma em alguém que mal reconhece no espelho. Um ano depois, os caminhos se cruzam de novo. No tribunal, Eduardo se depara com uma ré misteriosa acusada de envolvimento em crimes ligados ao submundo. Quando o nome Vivian Oliveira ecoa nos autos, o Juiz reconhece a mulher que o salvara — e que se tornara sua obsessão silenciosa. Divididos entre o desejo e a lei, entre o passado marcado por gratidão e o presente manchado por segredos, Vivian e Eduardo são arrastados para um enredo de amor proibido, corrupção, vingança e sobrevivência. Até onde eles poderão ir sem se destruir? É uma história intensa sobre paixão, escolhas impossíveis e a linha tênue entre condenação e redenção.

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Capítulo 1

CAPÍTULO 1 — NEBLINA

A neblina começava a se desfazer em fiapos quando o relógio do painel marcou cinco e oito. A estrada que deixava Sant’Ana do Vale rumo à capital parecia um corredor suspenso no branco. Vivian manteve os faróis baixos, as mãos firmes no volante do carro simples da tia Marlene. À direita, os cafezais sumiam em véus, como se alguém tivesse apagado metade do mundo.

No banco do passageiro, Mariana dormia encolhida sob uma manta azul, a testa encostada no vidro frio. Aos treze anos, trazia no rosto pálido aquela serenidade que dói: um descanso leve entre consultas, coletas e retornos que se amontoavam como contas vencidas. Vivian ajeitou a manta da irmã, apertou o cinto e respirou fundo. A lembrança da planilha de gastos brilhou por um segundo: remédios, transporte, exames, o leite de ontem. Fechou a conta mental à força.

— Falta pouco, Mari — sussurrou, sem esperar resposta.

Ela estava no quinto semestre de enfermagem. Não sabia tudo, longe disso, mas os conteúdos de primeiros socorros, trauma e suporte básico giravam na cabeça como litanias úteis. Repetiu mentalmente: segurança da cena, vias aéreas, sangramento, consciência. Não porque esperasse algo — mas porque, naquela hora da manhã, a estrada impunha respeito.

Foi quando dois círculos de luz rasgaram a neblina pelo retrovisor, se aproximando rápidos demais para aquela visibilidade. Um sedã preto, carro de gente apressada, colou na traseira e, num gesto impaciente, deslocou-se para a faixa da esquerda. Vivian diminuiu um pouco, cedendo espaço. O sedã avançou e desapareceu um palmo adiante… até que o mundo virou som.

O grito dos pneus no asfalto úmido, a patinada longa, o estalo de metal contra concreto. O carro negro girou uma vez, outra, como uma moeda em câmera lenta, e cravou o nariz na mureta. Faíscas. Um espelho estourou em cacos de luz. Depois, silêncio: apenas o tique-taque aflito da seta do acidentado, laranja cortando o branco.

Mariana sobressaltou no banco.

— Vivi…?

— Fica aqui, amor. Trava as portas. — A voz de Vivian saiu sem tremor. O medo ficou do lado de fora.

Ela encostou no acostamento, puxou o pisca-alerta, conferiu o tráfego que não se via e desceu. O ar frio mordeu a pele, a neblina grudou nos fios ruivos que escapavam do elástico. Calculou a distância, a margem segura do asfalto, o risco de outro carro surgir. Aquelas frases que ouvia em aula — “não vire vítima” — riscaram rápido na mente. A cena parecia relativamente segura. Correu.

O sedã negro estava atravessado, dianteira retorcida, a coluna A amassada. O vidro do motorista se partira em linhas de gelo. Dentro, um homem com camisa social escura e gravata desalinhada jazia com a testa colada ao volante, sangue desenhando uma trilha em diagonal até a barba por fazer. O peito subia e descia num ritmo estranho, como quem luta contra um fundo de piscina.

— Senhor? — Vivian tocou o ombro dele, medindo força. — Consegue me ouvir?

Um gemido baixo. As pálpebras tremeram, pesadas. Os olhos abriram um facho, turvos, mas vivos. Buscaram um ponto e pararam nos dela. Por um instante, o mundo estreitou: dois olhares presos na mesma borda. Vivian sentiu algo apertar por dentro — não piedade apenas, nem adrenalina pura; um instinto (quase físico) de manter aquele homem no lado certo da linha.

“Segurança da cena. Via aérea. Sangramento.” A engrenagem do aprendizado girou. Ela puxou a porta do motorista; presa. Deu a volta em dois passos e, pelo lado do passageiro, alcançou a tranca, destravou, voltou. A porta abriu um palmo com um rangido. Vivian apoiou o joelho no assoalho, puxou o banco para trás, estabilizou a cabeça dele com o antebraço.

— Fica comigo, tá? — A voz saiu firme, quase doce. — Olha pra mim.

Tirou o casaco e o dobrou numa compressa improvisada, pressionando a lateral da testa. O sangue quente manchou o tecido, escorreu pela sua mão. Ela ajustou a inclinação do banco, manteve o pescoço alinhado com cuidado para não piorar nada que não pudesse ver. Sentiu a respiração dele falhar — uma pausa longa demais, então um retorno áspero.

— Isso… inspira… solta devagar. — Quantas vezes já havia repetido aquele compasso em aula? — Isso. Fica aqui comigo.

Ele tentou falar. Um som rouco, uma sílaba que não nasceu. Os olhos, no entanto, resistiam: escuros, fundos, pareciam apreender a luz mel dos olhos dela. Vivian percebeu, com certo espanto íntimo, a beleza objetiva daquele rosto — o desenho do maxilar, o nariz quase aristocrático — e, ainda assim, não foi beleza o que a mobilizou; foi a teimosia de mantê-lo desperto.

— Tem alguém no carro? — gritou por instinto, checando o banco de trás. Vazio. O cheiro de gasolina se misturava ao de ferro e serração.

Lembrou da irmã.

— Mariana! — virou de leve o rosto, sem tirar as mãos dele — Tá tudo bem! Fica aí no carro! Já volto!

— Tá! — a menina respondeu ao longe, a voz presa em medo e confiança.

A neblina recuou dois metros, como se o vento abrisse uma janela breve. Deu para ver as marcas de frenagem, riscos pretos desenhando a trajetória. Deu para ouvir, ao longe, o primeiro sussurro de sirene — tão baixo que talvez fosse apenas desejo. Vivian não esperou confirmação: manteve a pressão contínua na ferida, o apoio da cabeça no casaco, os comandos calmos.

— Qual seu nome? — tentou de novo, mais por mantê-lo aqui do que por saber.

Os lábios formaram algo parecido com “Edu…”, e morreram no ar. A mão dele, trêmula, subiu um pouco, procurando ancoragem. Ela ofereceu a sua. Ele apertou, fraco, mas presente. O toque era quente, insistente, e dizia o que a boca não podia.

Os minutos se alongaram num elástico. O frio subia pelos joelhos de Vivian, mas ela não sentiu. Alguns carros passaram devagar, vultos curiosos na neblina. Um motorista buzinou ao perceber o acidente; outro reduziu, ligou o pisca, mas seguiu adiante quando viu que alguém já prestava socorro.

A sirene, enfim, virou certeza. Cresceu quebrando o branco, depois luzes vermelhas e azuis mancharam a manhã pálida. Dois paramédicos saltaram da ambulância, um terceiro puxou a maca. Uma mulher com jaleco se agachou ao lado de Vivian, avaliou rápido.

— Você fez compressa, manteve alinhado e consciente? — perguntou, registrando com o olhar.

— Tentei. — Vivian engoliu o próprio tremor. — Ele teve pausa respiratória curta, mas voltou.

O paramédico tocou o pulso do homem, mediu o tempo com os olhos.

— Boa. — E, num aparte para o colega: — Se não fosse o primeiro atendimento, ele não chegava vivo.

“Não chegava vivo.” A frase entrou e ficou.

— Vamos imobilizar e tirar, na minha contagem — orientou a profissional. — Você segura a cabeça até eu assumir?

— Seguro.

A troca foi limpa, precisa. Colar cervical, tábua, cintas. O corpo dele deixou o colo de Vivian, e o vazio que ficou pesou mais do que ela esperava. O homem foi elevado, deitado, conectado a oxigênio. Um dos socorristas pediu documentos; encontraram a carteira no bolso interno do paletó. O nome brilhou em plástico, mas ninguém o disse em voz alta naquele momento. (O peso desse nome viria depois.)

— Querida, você está bem? — a paramédica tocou o ombro de Vivian.

Ela olhou as mãos vermelhas, o casaco arruinado, o elástico já vencido deixando mechas coladas à pele. Percebeu que tremia — agora, quando já podia. Assentiu.

— Tô. A minha irmã está ali no carro. Eu… preciso levá-la pra um exame na capital.

— Entendo. Obrigada pelo que fez. — A mulher esboçou um sorriso sincero. — Foi essencial.

A maca deslizou para dentro da ambulância. Antes que a porta fechasse, os olhos do homem buscaram de novo o lado de fora como quem procura um farol. Encontraram Vivian na beira do asfalto, as mãos ainda erguendo um gesto automático de “vai dar tudo certo”. Ele a viu — não como se reconhecesse uma salvadora, nem como se admirasse uma mulher bonita (embora fosse inevitável reparar nos fios de cobre e nos olhos quentes); viu como quem se agarra à última imagem nítida antes do escuro. A porta fechou.

O ruído da sirene se afastou, engolido pela estrada. A neblina retomou seu lugar, como se nada tivesse acontecido.

Vivian ficou alguns segundos quieta, ouvindo o próprio coração reaprender o compasso. Quando o silêncio voltou a ser apenas silêncio, correu até o carro. Mariana a observava com olhos muito abertos.

— Você salvou ele, Vivi?

Ela respirou fundo, tentou sorrir.

— Eu só fiz o que sabia. — E ligou o motor. — Vamos, que seu exame não espera.

À medida que o carro retomava o caminho, Sant’Ana do Vale ficou para trás como um retrato emoldurado de infância. A capital os chamava com seus prédios, suas salas claras de hospital, suas máquinas que prometiam respostas. Vivian enxugou as mãos com um lenço, olhou mais uma vez o retrovisor. Viu o lugar do acidente se dissolver no branco.

Não sabia o nome do homem, nem o peso que ele carregava no mundo. Sabia, apenas, que o segurara no limiar por tempo suficiente para que a luz voltasse a entrar. E que alguma coisa se deslocara dentro dela — um eixo, talvez. Como se a vida tivesse sussurrado uma promessa que ela ainda não era capaz de traduzir.

Naquele amanhecer, um ano antes de tudo, a estrada juntou dois destinos sem pedir licença. E, enquanto a cidade grande se aproximava, a ruiva de olhos mel dirigiu em silêncio, ignorando o fato de que um par de olhos escuros, dentro de uma ambulância, tentava se manter acordado apenas para não perder de vista a mulher que, por alguns minutos, tinha sido o seu mundo inteiro.

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CAPÍTULO 1 — NEBLINA
CAPÍTULO 2 — O RELANCE NO HOSPITAL
CAPÍTULO 3 – A REPÚBLICA
CAPÍTULO 4 – O PESO DA DOENÇA
CAPÍTULO 5 – A TENTAÇÃO
Capítulo 6 — A SOMBRA DE UM NOME
CAPÍTULO 7 – O SUSSURRO DA TENTAÇÃO
CAPÍTULO 8 – O PRIMEIRO PASSO NO ABISMO
CAPÍTULO 9 – ENTRE O DEVER E O ABISMO
Capítulo 10 — As malas e o segredo
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