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CAPÍTULO 4 – O PESO DA DOENÇA

O corredor do ambulatório oncológico tinha cheiro de desinfetante e silêncio. Vivian segurava a mão de Mariana, que caminhava devagar, com o casaco azul maior que o corpo franzino. A cada passo, parecia se esconder mais dentro dele.

— Tá doendo? — perguntou baixinho.

Mariana negou com a cabeça, mas o aperto nos dedos da irmã entregava a verdade.

A sala de espera era simples, com cadeiras de plástico e uma televisão ligada num programa infantil sem som. Crianças de várias idades, todas com o mesmo olhar cansado, estavam espalhadas pelo ambiente. Vivian ajudou a irmã a sentar e ajeitou a manta sobre seus ombros.

Tia Marlene chegou em seguida, ofegante, com uma garrafa de água na bolsa. — Peguei trânsito na marginal. Mas tô aqui. — Sorriu para Mariana, passando a mão em seus cabelos lisos. — Minha menina forte.

Mariana sorriu de volta, quase tímida. — O médico disse que hoje é rápido, né?

Vivian assentiu. — Só uns exames de sangue. Depois a gente vai comer pastel, prometo.

A promessa brilhou nos olhos da menina. Pequenas alegrias eram o que mantinham a esperança viva.

Quando a enfermeira chamou, Vivian acompanhou a irmã até a sala de coleta. Sentou-se ao lado, observando a agulha que perfurava a pele fina demais. A estudante de enfermagem dentro dela reconhecia o procedimento, mas a irmã mais velha sentia cada segundo como se fosse uma punhalada.

Mariana piscou, corajosa, sem chorar. — Foi só uma picadinha.

— Orgulho da irmã — disse Vivian, beijando-lhe a testa.

De volta à sala, encontraram o médico, que as conduziu ao consultório. Ele falava com calma, mas as palavras carregavam peso. — A evolução é lenta. Precisamos manter a regularidade das consultas e dos medicamentos.

Vivian engoliu em seco. — E os custos, doutor?

Ele suspirou, abrindo uma pasta de papéis. — O convênio cobre parte, mas não tudo. Há uma medicação nova, promissora, mas importada. Cara. Eu sei que não é fácil, mas… vale cada centavo.

A palavra “cara” ficou ecoando. Vivian assentiu, mesmo sabendo que a conta bancária mal sustentava o básico.

No corredor, Marlene puxou-a de lado. — A gente dá um jeito, Vivian. Sempre deu.

— Já não sei se consigo — respondeu, a voz embargada. — As contas não param, e a Mariana precisa de tudo isso.

Marlene a olhou com firmeza. — Você vai conseguir. Só não me esconde nada.

Vivian desviou o olhar. Não teria coragem de contar que as dívidas já batiam à porta.

Na saída, Mariana caminhava animada. — Você prometeu o pastel! — disse, puxando a mão da irmã.

Vivian sorriu, mesmo com os olhos marejados. Para a menina, aquele momento era apenas um dia comum. Para ela, era mais um lembrete de que o tempo corria contra.

No fim da tarde, de volta à república, Vivian abriu a pasta com os exames e a conta do hospital. O papel parecia pesar toneladas. Camila apareceu no corredor, curiosa. — Tá preocupada com o quê, Vivi?

— Nada. Só papelada.

Camila se aproximou, olhando de relance os valores absurdos. Sorriu de canto. — Te falei que tem jeito mais fácil. Você só precisa querer.

Vivian fechou a pasta, irritada. — Não começa.

— Não é começo, é caminho. — Camila tocou-lhe o ombro, como quem planta uma semente. — Quando você cansar de sofrer, vai lembrar do que eu disse.

Vivian não respondeu. Mas naquela noite, ao deitar, o eco da fala do médico e a insinuação de Camila se misturaram. E pela primeira vez, ela sentiu que talvez não tivesse saída.

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