A manhã chegou como quem tira o pó de um piano antigo e faz a primeira nota soar limpa. Vivian despertou com o pescoço aninhado no ombro de Eduardo e a janela aberta para um céu claro, sem ameaça. Havia no quarto um cheiro de roupa seca ao sol e de vinho adormecido na sala. Antes de abrir os olhos por completo, ela sorriu — não por um pensamento, mas pelo corpo inteiro que, enfim, não lembrava o medo como primeira coisa do dia.
— Bom dia — disse Eduardo, num grave manso, os dedos desenhando círculos pequenos na nuca recém-descoberta pelo cabelo curto.
— Bom dia — ela respondeu, sem vacilar. — Hoje é o dia em que eu volto.
A palavra ficou pairando, bonita. Voltar. Não ao que havia antes, mas ao que sempre foi dela. Levantaram, tomaram banho com a pressa das coisas simples, e a casa recebeu os dois na cozinha com um retângulo de luz sobre a mesa. Vivian moeu o café, batendo o grão como quem marca o tempo; Eduardo preparou os pães, caprichando numa manteiga que estalou como fogos íntimos