Mundo de ficçãoIniciar sessãoIsabella, uma jovem órfã criada pelo avô, vive na tranquilidade da fazenda onde aprendeu que o amor pode existir mesmo entre o silêncio e o trabalho. Sua rotina muda quando Rafael Torres, um rapaz de passado turbulento e alma de músico, chega em busca de abrigo e recomeço. De início, há entre eles apenas desconfiança e provocação, mas aos poucos nasce algo que nenhum dos dois entende — uma cumplicidade discreta, feita de olhares longos, conversas sob o luar e silêncios compartilhados que dizem mais do que palavras. Enquanto Rafael luta contra as lembranças de uma carreira frustrada e o medo de se decepcionar outra vez, Isabella enfrenta o próprio receio de amar e perder. Seu Anselmo, o avô sábio e observador, percebe o sentimento crescendo entre os dois e, com ternura e silêncio, deixa que o tempo cumpra seu papel. O vínculo entre Isabella e Rafael se aprofunda até o ponto de ruptura: o passado dele retorna na figura de Clara, a mulher que representa tudo o que ele fugiu — o brilho, a ambição e a dor. A presença dela abala as certezas de Isabella e reabre as feridas de Rafael, colocando à prova o que nasceu entre eles. O amor ainda não é promessa — é incerteza. Mas é real o bastante para doer. Rafael, dividido entre o sonho e o sentimento, percebe que talvez seja hora de parar de fugir. Isabella, ferida e confusa, começa a entender que o que sente por ele é mais forte do que o medo. E, ao longe, Seu Anselmo observa em silêncio — como quem sabe que algumas histórias precisam quebrar antes de florescer. O vento leva o pó da estrada, mas não o que germinou no coração dos dois. Porque o amor, ali, já tinha raízes.
Ler maisO dia nascia devagar, como sempre acontecia naquele pedaço esquecido do mundo.
O galo ainda cantava quando Isabella já estava de pé. O chão de madeira rangia sob seus pés descalços enquanto ela atravessava a casa velha do avô. Vestia um vestido de algodão claro, marcado de barro nas barras, e os cabelos, ainda meio bagunçados, estavam presos num lenço florido que ela usava desde menina. Lá fora, o cheiro da terra molhada pela neblina da madrugada se misturava ao perfume das flores de laranjeira no pomar. O silêncio da fazenda era um tipo de conforto para ela. Ali, entre o mugido das vacas e o canto dos pássaros, Isabella sentia que nada de ruim poderia alcançá-la. Colocou o balde de alumínio sob o braço e caminhou em direção ao curral. O som familiar das vacas esperando a ordenha fazia parte do ritual da manhã — como um relógio natural que não precisava de despertador.— Bom dia, minhas meninas! — murmurou, afagando o pescoço de uma das vacas.
Era assim todos os dias. Trabalho duro, silêncio, e uma sensação de que o mundo lá fora era apenas uma lenda. Desde a morte dos pais, quando ela ainda tinha sete anos, Isabella vivia com o avô, Seu Anselmo, o homem que havia lhe ensinado a plantar, colher, e também a esconder as dores que não podiam ser remediadas com chá ou reza.
Seu Anselmo surgia na varanda com sua bengala de madeira e o inseparável chapéu de palha. Observava a neta com olhos miúdos, orgulhosos, mas cansados.— Tá cedo demais até pras vaca, Isa! — disse, sorrindo sem mostrar os dentes.
— A lida não espera, vô. E nem a vida, né?Ele balançou a cabeça com um resmungo e voltou pra dentro, onde prepararia o café no velho fogão a lenha. Isabella suspirou. A fazenda era sua casa, seu mundo. E, até aquele dia, ela achava que seria seu futuro também. Mas o destino, como a chuva fora de hora, gosta de chegar sem ser chamado.
Na estrada de terra que cortava o milharal, um carro velho e empoeirado se aproximava devagar, levantando poeira como se fosse anúncio de mudança. Dentro, um rapaz com uma mochila nas costas, olhar curioso e um violão no banco de trás. Rafael ainda não sabia, mas sua chegada seria o primeiro passo para revirar tudo o que Isabella acreditava estar sob controle. O som do motor ecoou pela estrada, e Isabella ergueu o olhar por instinto. Viu o carro parar na entrada da fazenda, viu a porta se abrir e um par de botas masculinas tocar o chão. Viu os olhos castanhos dele encontrarem os dela — e algo, bem lá dentro, se mover silenciosamente.Ela não sabia ainda quem era aquele estranho com cheiro de cidade. Mas o campo, tão acostumado à rotina, acabava de ser invadido pelo imprevisto. E era apenas o começo.ₓ
Rafael carregava a mochila com um misto de ansiedade e esperança. Era o primeiro dia dele na fazenda, e o cheiro de terra fresca logo invadiu seus sentidos, tão diferente do concreto da cidade que ele deixava para trás. Ele deu um passo hesitante pelo portão de madeira, que rangeu ao ser aberto. Seu Anselmo apareceu no caminho com a bengala, avaliando o rapaz com um olhar sério, porém curioso.
— Você deve ser o Rafael, certo? — disse o avô, a voz firme.
— Sim, senhor. Prazer em conhecê-lo! — respondeu Rafael, apertando a mão calejada do homem.Isabella, que observava da varanda, sentiu o coração bater mais rápido, um pressentimento que não sabia explicar.
— Vamos começar pelo básico. — continuou Seu Anselmo. — Hoje vai ajudar com o trato dos animais. É sujo, cansativo e sem glamour, mas quem trabalha aqui aprende o valor da terra.
Rafael sorriu, determinado a provar que podia.
Os dias seguintes foram de silêncio. Um silêncio que não era feito apenas de falta de palavras — era feito de coisas não ditas, de olhares desviados, de tudo o que poderia ter sido dito e não foi.Rafael trabalhava dobrado, quase como se quisesse provar algo a si mesmo. Acordava antes do amanhecer, com o som dos galos ainda misturado ao vento frio, e só voltava para o quarto depois que a lua já pendia alta no céu.A música — aquela que ele dizia estar escrevendo — havia parado. O violão, agora, descansava num canto empoeirado, como se o próprio instrumento tivesse desistido de cantar.Isabella percebia tudo, mas fingia não ver. Andava pela fazenda com o rosto sério e as mãos inquietas,sempre ocupadas com alguma tarefa.Seu Anselmo observava, em silêncio, sem interferir. O velho sabia que há dores que precisam do próprio tempo para se explicar.Uma manhã, enquanto cuidava das novilhas, Isabella viu Rafael passando com o balde de ração e desviando o olhar. Ela tentou ignorar, mas o cor
Os dias seguintes foram de silêncio. Um silêncio que não era feito apenas de falta de palavras — era feito de coisas não ditas, de olhares desviados, de tudo o que poderia ter sido dito e não foi.Rafael trabalhava dobrado, quase como se quisesse provar algo a si mesmo. Acordava antes do amanhecer, com o som dos galos ainda misturado ao vento frio, e só voltava para o quarto depois que a lua já pendia alta no céu.A música — aquela que ele dizia estar escrevendo — havia parado. O violão, agora, descansava num canto empoeirado, como se o próprio instrumento tivesse desistido de cantar.Isabella percebia tudo, mas fingia não ver. Andava pela fazenda com o rosto sério e as mãos inquietas,sempre ocupadas com alguma tarefa.Seu Anselmo observava, em silêncio, sem interferir. O velho sabia que há dores que precisam do próprio tempo para se explicar.Uma manhã, enquanto cuidava das novilhas, Isabella viu Rafael passando com o balde de ração e desviando o olhar. Ela tentou ignorar, mas o cor
O sol da tarde se inclinava preguiçoso sobre a fazenda, espalhando uma luz dourada que parecia descansar sobre cada folha, cada pedra, cada som. Depois da noite das estrelas e das confissões, tudo parecia mais leve.Isabella acordara com o coração silenciosamente cheio, como se tivesse encontrado um novo compasso — aquele em que a vida e o sentimento começam a dançar juntos, mesmo que em segredo.Rafael, por sua vez, trazia um sorriso disfarçado nos lábios desde o amanhecer. Trabalhava com mais vigor, assobiava melodias enquanto empilhava lenha, e até o velho chapéu surrado de Seu Anselmoparecia cair melhor sobre sua cabeça.Seu Anselmo, observando de longe, não dizia nada. Mas o olhar dele — sereno, sabedor — revelava que entendia mais do que deixava transparecer. Era o tipo de homem que percebia o que o amor faz quando chega: não precisa de barulho, só de presença.No fim da manhã, Clara apareceu. Trazia uma cesta de pães e um vestido florido, o cabelo solto e avoz alta demais par
Os dias seguintes à tempestade trouxeram uma calma quase estranha. O ar da fazenda cheirava a grama úmida e terra viva, e os animais pareciam mais tranquilos, como se a natureza tivesse descansado depois de uma longa briga. Rafael acordava antes do sol, o corpo cansado mas o espírito leve de um jeito que há muito não sentia.Havia algo diferente no som da manhã — nos passos de Isabella, no cantar dos galos, no farfalhar das folhas. Tudo parecia... afinado. Ele passou a manhã no curral, o suor escorrendo pelo pescoço enquanto trocava as cercas danificadas pela ventania. Mas, por mais que o corpo trabalhasse, a mente insistia em voltar para o mesmo lugar: a imagem dela, com o rosto molhado de chuva e os olhos cheios de coragem.Quando o dia começou a declinar, Rafael se sentou no alpendre com o violão no colo.Fazia semanas que não tocava com o coração aberto — sempre por costume, nunca por entrega. Mas agora, as notas vinham sozinhas, como se tivessem esperado aquele momento para nasce
O céu amanheceu denso, de um cinza que pesava sobre os telhados. O ar estava parado, e até os pássaros pareciam ter recuado para dentro das árvores. Isabella acordou com o som das janelas batendo, e um arrepio percorreu seu corpo antes mesmo de abrir os olhos.Lá fora, os cavalos relinchavam inquietos. O vento começava a soprar com força, carregando o cheiro úmido de chuva e terra molhada. Seu Anselmo já estava na varanda, o chapéu amassado nas mãos e o olhar fixo no horizonte, onde as nuvens se juntavam como exércitos antes da guerra.— Vem temporal. — murmurou, sem desviar o olhar — Daqueles que não pedem licença pra entrar.Isabella ajeitou o casaco, tentando esconder o nervosismo.— A gente precisa proteger o celeiro, vô. Se o vento virar, as telhas vão voar de novo.Antes que ele respondesse, Rafael surgiu pela lateral da casa, com a camisa aberta no peito e o rosto suado — provavelmente vindo dos currais. Os olhos dos dois se encontraram, e o tempo pareceu hesitar. Fazia dias qu
A manhã começou mais fria que de costume. O orvalho cobria o campo como uma fina camada de vidro, e o cheiro do café recém-passado se misturava ao das flores do jardim. Isabella descia as escadas devagar, com a sensação de que o ar estava diferente — mais pesado, mais distante.Desde o ocorrido na noite anterior — o desentendimento com Rafael, as palavras atravessadas, o orgulho ferido — o clima na fazenda parecia outro. O som do violão, que antes enchia os fins de tarde com melodia e risadas, havia desaparecido. O celeiro, que tantas vezes servira de abrigo para conversas e cumplicidades silenciosas, agora era apenas madeira e poeira.Seu Anselmo, sentado na varanda, observava o nascer do sol com a xícara de café nas mãos trêmulas. Quando Isabella se aproximou, ele nem precisou perguntar.— O silêncio de vocês dois tá mais alto que o canto do galo. — disse, sem tirar os olhos do horizonte.Isabella forçou um sorriso.— Ele anda ocupado, vô. Deve estar ajudando com o curral.— Ocupado





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