Mundo de ficçãoIniciar sessão
O dia nascia devagar, como sempre acontecia naquele pedaço esquecido do mundo.
O galo ainda cantava quando Isabella já estava de pé. O chão de madeira rangia sob seus pés descalços enquanto ela atravessava a casa velha do avô. Vestia um vestido de algodão claro, marcado de barro nas barras, e os cabelos, ainda meio bagunçados, estavam presos num lenço florido que ela usava desde menina. Lá fora, o cheiro da terra molhada pela neblina da madrugada se misturava ao perfume das flores de laranjeira no pomar. O silêncio da fazenda era um tipo de conforto para ela. Ali, entre o mugido das vacas e o canto dos pássaros, Isabella sentia que nada de ruim poderia alcançá-la. Colocou o balde de alumínio sob o braço e caminhou em direção ao curral. O som familiar das vacas esperando a ordenha fazia parte do ritual da manhã — como um relógio natural que não precisava de despertador.— Bom dia, minhas meninas! — murmurou, afagando o pescoço de uma das vacas.
Era assim todos os dias. Trabalho duro, silêncio, e uma sensação de que o mundo lá fora era apenas uma lenda. Desde a morte dos pais, quando ela ainda tinha sete anos, Isabella vivia com o avô, Seu Anselmo, o homem que havia lhe ensinado a plantar, colher, e também a esconder as dores que não podiam ser remediadas com chá ou reza.
Seu Anselmo surgia na varanda com sua bengala de madeira e o inseparável chapéu de palha. Observava a neta com olhos miúdos, orgulhosos, mas cansados.— Tá cedo demais até pras vaca, Isa! — disse, sorrindo sem mostrar os dentes.
— A lida não espera, vô. E nem a vida, né?Ele balançou a cabeça com um resmungo e voltou pra dentro, onde prepararia o café no velho fogão a lenha. Isabella suspirou. A fazenda era sua casa, seu mundo. E, até aquele dia, ela achava que seria seu futuro também. Mas o destino, como a chuva fora de hora, gosta de chegar sem ser chamado.
Na estrada de terra que cortava o milharal, um carro velho e empoeirado se aproximava devagar, levantando poeira como se fosse anúncio de mudança. Dentro, um rapaz com uma mochila nas costas, olhar curioso e um violão no banco de trás. Rafael ainda não sabia, mas sua chegada seria o primeiro passo para revirar tudo o que Isabella acreditava estar sob controle. O som do motor ecoou pela estrada, e Isabella ergueu o olhar por instinto. Viu o carro parar na entrada da fazenda, viu a porta se abrir e um par de botas masculinas tocar o chão. Viu os olhos castanhos dele encontrarem os dela — e algo, bem lá dentro, se mover silenciosamente.Ela não sabia ainda quem era aquele estranho com cheiro de cidade. Mas o campo, tão acostumado à rotina, acabava de ser invadido pelo imprevisto. E era apenas o começo.ₓ
Rafael carregava a mochila com um misto de ansiedade e esperança. Era o primeiro dia dele na fazenda, e o cheiro de terra fresca logo invadiu seus sentidos, tão diferente do concreto da cidade que ele deixava para trás. Ele deu um passo hesitante pelo portão de madeira, que rangeu ao ser aberto. Seu Anselmo apareceu no caminho com a bengala, avaliando o rapaz com um olhar sério, porém curioso.
— Você deve ser o Rafael, certo? — disse o avô, a voz firme.
— Sim, senhor. Prazer em conhecê-lo! — respondeu Rafael, apertando a mão calejada do homem.Isabella, que observava da varanda, sentiu o coração bater mais rápido, um pressentimento que não sabia explicar.
— Vamos começar pelo básico. — continuou Seu Anselmo. — Hoje vai ajudar com o trato dos animais. É sujo, cansativo e sem glamour, mas quem trabalha aqui aprende o valor da terra.
Rafael sorriu, determinado a provar que podia.







