Mundo de ficçãoIniciar sessãoIsabella se deteve na porta, hipnotizada.
— Você canta... — disse, baixinho, sem conseguir segurar a surpresa. Rafael quase deixou o violão cair. — Isabella! Eu... eu não queria incomodar. Só estava... treinando. Ela entrou, os pés descalços tocando o chão de terra batida. — Incomodar? Foi lindo. Por que nunca falou que cantava? Ele baixou o olhar, um pouco envergonhado. — Porque não vim aqui para isso. Vim para trabalhar. Preciso provar que sou capaz... e não quero que seu avô pense que estou distraído. Isabella sentiu o coração apertar. — Você tem um sonho, não é? Rafael respirou fundo antes de responder: — Quero ser cantor. A música é a única coisa que sempre fez sentido pra mim. Mas sei que parece... impossível.O silêncio pairou por um instante, quebrado apenas pelo coaxar dos sapos no brejo.
Isabella sorriu, sincera:
— Talvez impossível seja só outra palavra para "difícil".Antes que pudesse dizer mais, a voz firme de Seu Anselmo ecoou atrás deles:
— Difícil é achar tempo para sonhar quando se tem trabalho de verdade a fazer. Rafael se virou, surpreso e envergonhado.O velho observava os dois com um olhar severo, apoiado na bengala.
— Se veio até aqui para brincar de música, melhor voltar para a cidade. — A voz do avô soou dura, como um veredito.Isabella, instintivamente, se colocou entre os dois.
— Vovô, não é assim. Ele trabalha de verdade. Só... tem talento.Seu Anselmo apertou os lábios, sem responder, e voltou lentamente para casa, deixando no ar um peso que pairou sobre os dois.
Rafael guardou o violão com as mãos trêmulas.
— Eu não queria arrumar problema... Isabella olhou para ele, firme. — Você não é problema, Rafael. Só precisa provar que pode ser os dois: trabalhador... e sonhador.Naquele instante, o vínculo entre eles se fortaleceu ainda mais. Mas também cresceu a sombra da dúvida: até onde seria possível conciliar a vida simples da fazenda com a imensidão dos sonhos?
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O sol da manhã mal havia despontado quando Seu Anselmo já estava no curral, apoiado na bengala e observando Rafael com olhos atentos. O rapaz lutava para carregar baldes de ração, o suor escorrendo pela testa.
— Mais firme, rapaz. — resmungou o avô — Aqui não tem palco, nem aplauso. Tem trabalho.
Rafael respirou fundo, tentando manter o tom respeitoso.
— Eu sei, senhor. E estou disposto a aprender.Seu Anselmo estreitou os olhos.
— Disposto? Até agora só vi um jovem com mais jeito para sonhar do que para arregaçar as mangas.Isabella, que se aproximava com uma cesta de ovos, ouviu a provocação.
— Vovô, isso não é justo. Ele está se esforçando. O velho virou-se para ela, firme: — Esforço sem resultado é só perda de tempo, Isabella. E nesta fazenda, tempo é coisa que não sobra.Rafael segurou o balde com força, como se as palavras pesassem mais que o trabalho.
— Eu não vim aqui para brincar, senhor. Sei que não tenho experiência, mas vou provar que posso ser útil. Seu Anselmo deu uma risada seca. — Útil? O campo não precisa de sonhos, rapaz. Precisa de braços fortes e gente que saiba o que faz.O silêncio caiu pesado. Isabella olhou para Rafael, que respirou fundo, tentando controlar a raiva que ameaçava escapar.
— Com todo respeito, Seu Anselmo, eu não vou desistir. — respondeu, firme — Não importa o que pense de mim.
O avô se aproximou, encarando-o nos olhos.
— E eu não vou facilitar sua vida, entendeu? Se quer ficar aqui, vai ter que mostrar que serve para algo mais do que dedilhar cordas no escuro. Isabella não aguentou e interveio: — Vovô, isso não é só sobre trabalho. É sobre dar uma chance! — Chance? — o velho ergueu a voz. — Quantas vezes na vida eu vi gente com "sonhos" largar tudo na primeira dificuldade? Essa terra já me ensinou a desconfiar de promessas. Rafael fechou os punhos, mas manteve a postura. — Então me dê tempo. Eu não quero nada fácil. Seu Anselmo fitou-o por mais alguns segundos e depois virou-se, caminhando de volta à varanda. — Tempo é o que menos temos. Vamos ver até onde você aguenta, Rafael.






