Helena achava que havia encontrado o amor da sua vida em André — carismático, intenso, o homem por quem largou tudo para viver uma história que parecia saída de um livro. Mas o que começou com paixão virou rotina, indiferença e, por fim, abandono. Um dia, ele simplesmente se foi, deixando apenas um bilhete e um coração em pedaços. Dois anos depois, ainda tentando juntar os cacos e focada na carreira como restauradora de arte, Helena recebe uma proposta para cuidar da restauração de um casarão antigo no interior. Decidida a dar um tempo de tudo — inclusive da cidade que lhe traz lembranças demais — ela aceita o projeto e parte para um vilarejo tranquilo, onde conhece Miguel, o arquiteto responsável pela reforma do local. Miguel é calado, reservado, e carrega suas próprias cicatrizes — viúvo há três anos, nunca mais se permitiu amar. Os dois se estranham no começo, mas, com o tempo, a convivência no casarão revela afinidades inesperadas e uma cumplicidade que cresce devagar… até que a presença do ex reaparece de forma inesperada, disposto a reconquistar Helena. Agora, dividida entre o passado mal resolvido e o presente cheio de possibilidades, Helena precisa decidir se vai se apegar ao que já foi ou se vai se permitir viver um amor que, apesar de mais calmo, tem tudo para ser verdadeiro.
Leer másCapítulo 1
Eu costumava ter uma teoria: quando a gente ama a pessoa errada por tempo demais, o amor certo passa a parecer um mito. Como unicórnios ou fim de fila em banco. A gente jura que existe, mas nunca viu de verdade. Depois de André, esse mito virou um fantasma que eu não sabia se queria ver de novo ou se preferia manter guardado, onde não pudesse me machucar. André foi o tipo de erro que a gente demora a aceitar. Aquele que vem embalado com charme, promessas doces e o tipo de atenção que faz a gente se sentir vista. Mas, com o tempo, tudo foi se tornando sobre ele. O que ele queria, o que ele sentia, o que ele decidia. E eu fui me apagando, como uma pintura antiga esquecida numa parede, perdendo cor aos poucos, sem que ninguém percebesse. Tempo demais em algo que eu tentei manter como uma criança apegada a um brinquedo. A diferença? O brinquedo era eu que foi descartado na primeira oportunidade de algo melhor e mais interessante. Isso só me mostrou que as vezes não temos tanto valor quanto pensávamos. Era uma tarde quente quando eu deixei Belo Horizonte pra trás. O carro estava abarrotado com minhas coisas mais essenciais: roupas confortáveis, minhas ferramentas de restauração, uma cafeteira velha que me seguia desde os tempos da faculdade e minha necessidade urgente de desaparecer. Me despedi da cidade como quem fecha um capítulo com mais alívio do que saudade. A proposta para restaurar um casarão histórico em um distrito de Ouro Preto caiu no meu colo, numa daquelas coincidências que a gente nem tenta entender. Uma arquiteta conhecida indicou meu nome para o projeto, e eu aceitei antes mesmo de terminar de ler os detalhes. Não me importava onde era, o que era, quanto ia receber. Eu só queria sair. Precisava respirar outro ar, me encontrar fora do reflexo dele. O vilarejo era pequeno, daqueles que têm uma pracinha com igreja no centro e casas coloniais em volta. Ruas de paralelepípedos contavam histórias em cada buraco, e as sacadas enfeitadas com vasos de flores pareciam resistir bravamente ao tempo. Cheguei no fim da tarde, com o sol pintando o céu de dourado, e uma sensação estranha de que eu estava indo longe demais pra não ter ido a lugar nenhum. O casarão era mais imponente do que nas fotos. Estruturalmente estava de pé, mas o tempo havia deixado suas marcas: tinta descascada, janelas empenadas, detalhes em madeira cobertos de sujeira e abandono. Era bonito. Triste, mas bonito. Tinha uma dignidade silenciosa, como quem já foi muito amado e agora esperava pacientemente para ser lembrado. E foi ali, com uma mala numa mão e uma prancheta na outra, que eu conheci Miguel. — Você que é a restauradora? — ele perguntou, saindo de uma das laterais do casarão. Não sei o que eu esperava. Talvez um senhor grisalho, ou um jovem entusiasmado com estilo hipster. Mas Miguel era... diferente. Tinha cabelos castanhos, bagunçados pelo vento, e olhos tão escuros que pareciam carregar um cansaço antigo. Era alto, com postura de quem está sempre atento, mas cansado de precisar estar. Vestia uma camiseta preta simples e jeans desbotados. E falava com a mesma emoção de um manual de instrução. — Sou, sim. Helena. — estendi a mão, tentando quebrar o gelo. Ele apertou minha mão rapidamente, como se cumprir o protocolo fosse o suficiente. Sem sorriso. Sem boas-vindas. Apenas um aceno com a cabeça e uma frase: — Vou te mostrar onde você vai ficar. A casa onde eu ia dormir ficava nos fundos do casarão, uma antiga casa de serviço adaptada para hospedar funcionários. Era pequena, mas limpa e organizada. Miguel explicou que quase ninguém do projeto se hospedava ali, a maioria era da região e ia embora no fim do dia. "Menos barulho, menos conversa", ele disse, sem perceber que isso me descrevia melhor do que ele imaginava. Passei a primeira noite em silêncio. Sem som de trânsito, sem barulho de vizinhos, sem André dizendo que não tinha culpa se o trabalho o consumia. Dormi ouvindo grilos e o estalo das árvores batendo nas janelas. Pela primeira vez em muito tempo, o silêncio parecia acolhedor, como um cobertor antigo que ainda conserva o cheiro de casa. Na manhã seguinte, comecei o reconhecimento das peças do casarão. Tinta lascada, infiltrações, danos em madeiras entalhadas — uma verdadeira poesia para mim. Encontrei marcas de restaurações antigas, mal feitas, que mais escondiam do que preservavam. Fiz anotações meticulosas, perdi a hora do almoço e só fui dar por mim quando ouvi uma voz atrás de mim. — Você vai desmaiar se continuar nesse ritmo. Virei rápido. Miguel estava na porta, com um copo de suco de laranja e um sanduíche embrulhado em papel toalha. — Achei que você não se importasse com isso. — eu disse. Ele deu de ombros. — Eu não me importo com conversa fiada. Mas também não quero uma restauradora desmaiada no meu projeto. Aceitei o lanche em silêncio. Sentamos num banco de madeira perto da varanda dos fundos. Comemos sem pressa, em um silêncio que não era desconfortável, mas também não era exatamente acolhedor. — Você gosta do que faz? — perguntei, por fim. Ele demorou um pouco para responder, como se pesasse cada palavra. — Gosto do que posso controlar. Projetos, prazos, plantas. Tudo tem uma ordem. Tudo tem uma razão. — E pessoas? — Pessoas são bagunçadas. Sorri, pela primeira vez sincera desde que cheguei. — Concordo. Miguel me olhou como se não esperasse isso. Como se, no fundo, estivesse acostumado com gente tentando se aproximar dele, insistindo em puxar conversa, cutucar, forçar uma aproximação que ele não queria. Mas eu não queria isso dele. Não naquele momento. Eu só queria ficar inteira. O resto do dia passou entre medições, croquis e silências. Quando anoiteceu, voltei pra casa com uma sensação estranha: eu ainda não conhecia Miguel, mas, de alguma forma, ele não parecia um desconhecido. Talvez porque havia tristeza nele. E eu reconhecia esse lugar. Havia algo em seus olhos que me lembrava o espelho nos meus piores dias. Um tipo de solidão que não se desfaz com companhia, porque nasce dentro da gente. A diferença era que eu estava tentando sair dele. E Miguel... bem, Miguel parecia ter feito dele sua casa. E naquela primeira noite em que a lua cheia iluminava o casarão e os morcegos riscavam o céu como sombras apressadas, eu tive a sensação de que talvez, só talvez, aquele projeto fosse mais do que uma tentativa de fuga. Talvez fosse o início de algo novo. Mesmo que eu ainda não soubesse o quê. Talvez fosse só uma ilusão de ver algo com bons olhos, ou somente uma esperança de que tudo ficaria bem. A verdade é que ali eu queria que tudo mudasse, que eu conseguisse um caminho novo, mesmo que para o desconhecido.Capítulo 19Há um tempo para segurar e um tempo para deixar ir. Não confunda um com o outro.O som da lixadeira ecoava pela estrutura antiga do casarão, misturando-se ao cheiro de madeira desgastada e verniz fresco. O trabalho seguia num ritmo exigente, mas constante. Era como se o casarão soubesse, de alguma forma, que algo nele também precisava ser curado. E eu entendia isso, às vezes, as feridas das paredes contavam histórias parecidas com as que a gente carrega no peito.A equipe de restauração caminhava de um lado para o outro, supervisionada por mim e acompanhada por engenheiros e arquitetos que vinham e iam conforme o cronograma. Nos últimos dias, André havia reaparecido com frequência, sempre com a prancheta em mãos e um tom profissional no rosto. Não havia mais espaço para discussões pessoais, ao menos na superfície.Mas estar perto dele era como andar por um campo minado. Cada frase trocada, mesmo breve e objetiva, carregava um subtexto que só nós dois compreendíamos. E, tal
Capítulo 18O passado não desaparece quando a gente vira as costas. Ele espera, silencioso, pelos momentos em que mais estamos vulneráveis.O casarão parecia respirar junto comigo. Cada passo meu pelos corredores revelava histórias guardadas nas paredes, marcas de tempo sobrepostas, camadas que precisavam de cuidado, paciência... e coragem. Um processo que me exigia tanto mais do que apenas técnica.Os dias desde o reencontro com André se arrastavam numa rotina delicada, como caminhar sobre vidro. Tínhamos conseguido manter uma convivência profissional, mas havia sempre um risco latente de algo escapar. Um olhar prolongado, uma insinuação fora de lugar, uma lembrança esbarrando no presente.Ele havia recuado, por enquanto. Talvez entendesse que não havia mais espaço. Talvez fingisse entender. De qualquer forma, minha mente andava dividida entre proteger minhas fronteiras e não deixar que isso afetasse a qualidade do trabalho.Miguel, por outro lado, tornava-se meu alicerce silencioso.
Capítulo 17O passado não bate à porta, ele arromba, se a gente deixa a chave na fechadura.Acordei antes do sol. Um reflexo involuntário desde que a reforma começou. Mas não foi o som dos pedreiros chegando ou o motor do caminhão da obra que me despertou, foi o peso dentro do peito. Uma sensação estranha de descompasso, como se algo estivesse fora de lugar. Como se eu estivesse.Desde a reunião com André no dia anterior, meu corpo parecia ter entrado em estado de alerta. Embora tudo entre nós tenha se mantido no mais absoluto tom profissional, havia um incômodo latente embaixo da pele. E, se eu fosse honesta comigo mesma, não era apenas por vê-lo ali, na posição de representante da empresa que executaria a reforma do casarão. Era pelo jeito como ele se portava. Impecável. Indiferente.Como se nunca tivesse me quebrado.Era isso que doía.Vesti minha roupa de trabalho e prendi o cabelo em um coque rápido. A pequena casa aos fundos do terreno me dava alguma distância dos ruídos constan
Capítulo 16O cheiro de poeira misturado ao de madeira antiga impregnava o ar naquela manhã clara, quase quente demais para o outono. O sol espreitava por entre as frestas da construção centenária, revelando partículas suspensas que dançavam em silêncio dentro da sala principal. Eu já havia me acostumado a esse cenário — o casarão, com suas paredes marcadas pelo tempo, rangidos que contavam histórias esquecidas, e uma sensação persistente de que algo ali dentro ainda respirava, ainda resistia.Estava de joelhos, com luvas e pincel em mãos, trabalhando delicadamente na moldura de uma das janelas do segundo andar. A pintura original, coberta por camadas de verniz e retoques malfeitos ao longo dos anos, começava a revelar seus tons envelhecidos. A cada detalhe restaurado, parecia que o casarão sussurrava agradecimentos. E, de certa forma, restaurar aquilo era também restaurar uma parte de mim.A obra, no entanto, não se limitava ao resgate estético. Havia infiltrações que exigiam interve
CAPÍTULO 15"Eu me pergunto quantas vezes podemos nascer de novo na mesma vida.”Acordei com uma sensação estranha no peito, como se tivesse esquecido algo importante no meio do caminho. O sol ainda nem havia despontado no céu, mas meus pensamentos já corriam em círculos, inquietos. Vesti um casaco leve e saí pela porta dos fundos, deixando o som dos grilos e do vento me guiar até o casarão adormecido.A madrugada era silenciosa e espessa. Andar por aquele quintal úmido de orvalho me fazia lembrar dos dias em que tudo parecia imóvel demais para mudar. Mas agora, depois de Miguel, depois de tantas conversas, tantos silêncios partilhados, era como se a imobilidade tivesse dado lugar a uma espécie de espera, como se o tempo respirasse junto com a gente, abrindo espaço para o que estava por vir.Ainda era cedo quando escutei passos firmes no alpendre. Não precisei olhar para saber que era ele.— Não sabia que você também era do time dos insones — ele disse, parando ao meu lado com uma xíc
CAPÍTULO 14“Eu só queria silêncio… mas o mundo sempre encontra um jeito de gritar.”O céu estava nublado desde a madrugada, e a manhã amanheceu com uma luz esbranquiçada, fria, como se o tempo tivesse parado em algum ponto entre o ontem e o agora. Meus olhos estavam pesados, não de sono, mas de uma inquietação que eu não sabia nomear. Talvez fosse o peso de estar começando a sentir demais. Ou o medo de perder aquilo que ainda nem era meu.Miguel apareceu mais cedo do que de costume. Não sorriu, não disse nada. Apenas me entregou uma xícara de café e sentou ao meu lado nos degraus da varanda. Por alguns minutos, dividimos o silêncio como quem divide um cobertor em manhãs frias: sem pressa, sem perguntas.— Dormiu bem? — ele perguntou, enfim, a voz baixa e arrastada.— Na medida do possível. — respondi, virando o rosto para encará-lo. — E você?Ele hesitou antes de responder.— Tive um sonho estranho… era com você.A forma como ele disse aquilo fez meu coração falhar uma batida. Não fo
Último capítulo