Após o acidente que o deixou com cicatrizes no rosto e na alma, Santino Berluccine não é mais o mesmo. Ferido, recluso e amargo, ele troca a luz do amor pela sombra do isolamento — e transforma o trabalho em seu único refúgio. Mas o destino, impiedoso, o chama de volta. Anos anos depois, Santino precisa retornar à casa da infância para enfrentar a doença do pai… e o reencontro com Marina, a mulher que ele nunca conseguiu esquecer. Ela não se lembra de nada. Do passado, do amor, do acidente que mudou tudo. Para Marina, Santino é apenas um estranho com olhos que queimam de dor… e um segredo que pode curar ou destruir os dois. Confinados sob o mesmo teto, entre verdades não ditas e sentimentos que insistem em sobreviver, eles precisarão enfrentar não só o que aconteceu — mas o que ainda pode ser. UM LIVRO QUE IRÁ TE EMOCIONAR E TE SURPREENDER.
Leer másSantino Berluccine
Eu ergo o rosto e, por alguns segundos, só consigo ficar ali, parado, encarando aquela fachada tão conhecida e, ao mesmo tempo, tão estranha agora. O grande casarão do meu pai. Aquele lugar carrega cada cicatriz do meu passado, e vê-lo assim, com a pintura desbotada, as janelas empoeiradas e o jardim... ah, o jardim... As plantas, que antes desenhavam caminhos perfeitos, agora se rebelaram, cresceram sem controle, tomaram conta de tudo. Eram como mãos estendidas, lembrando que o tempo passou, que o abandono cobra seu preço... assim como a vida cobrou de mim. Sinto o coração bater pesado, irregular, como se cada pulsação fosse uma martelada no peito. Já fazia um ano desde minha última visita, mas agora, parado aqui, parece que foram décadas. O passado... aquele maldito passado que eu passei anos tentando sufocar, esquecer, recalcular... está agora me olhando de volta. Me esperando. Me desafiando. A lembrança do dia do acidente se infiltra sorrateira, como uma faca que cutuca devagar, só para ter certeza de que a ferida continua aberta. —Senhor... — a voz do motorista chega hesitante, quase desconfortável, e é impossível não perceber o esforço que ele faz para não olhar diretamente para mim. — Tem certeza que... que é aqui? O senhor... ficou um bocado de tempo... só olhando... Por alguns segundos, perdi até a habilidade de falar. Minha garganta secou. Travei. —Sim... é esse. — respondo, recuperando algum traço de dignidade, mesmo que minha voz soe mais rouca do que deveria. Mexo na carteira, tiro algumas cédulas e estendo para ele. — Fique com o troco. O homem pega o dinheiro, abaixa o olhar, nem ousa me encarar. Parte de mim até entende. Outra parte... bem, essa queria perguntar se ele acha que cicatrizes são contagiosas. Ao redor, percebo olhares disfarçados, curiosos, desconfortáveis. Alguns desviam rapidamente, outros me observam como quem observa uma aberração, um espetáculo grotesco que não se quer, mas não se consegue ignorar. Aquela velha sensação de ser invisível... e, ao mesmo tempo, mais visível do que nunca. O motorista tira minhas duas malas do porta-malas e as deixa no chão, faz um aceno quase automático e desaparece como se o próprio diabo estivesse prestes a saltar daquela porta. Fico sozinho. Só eu, minhas malas... e aquele casarão que carrega mais fantasmas do que paredes. Bato na porta com força, como se, de alguma maneira, esse gesto pudesse espantar o desconforto, os pensamentos, o pavor irracional que cresce no peito. Nenhuma resposta. Nenhum som. Já são mais de três da manhã. Lola, claro, deve estar dormindo. Respiro fundo, estico o braço e, quase no automático, passo a mão no buraco acima da porta. Se a chave reserva ainda estiver ali, pelo menos uma coisa nesse mundo permaneceu intacta. —Bingo. — murmuro, segurando aquele pequeno pedaço de metal como se fosse uma relíquia. Encaixo a chave na fechadura e torço. Por favor, que não tenha nenhuma tranca extra... Clac. A porta se abre. Entro. Não me dou nem ao trabalho de acender as luzes. Que diferença faria? Estou exausto, e a claridade só serviria para me lembrar do que evito olhar... de mim mesmo. A pouca luz que invade a casa vem dos grandes janelões, projetando sombras fantasmagóricas pelas paredes. Tudo está exatamente igual... e, ao mesmo tempo, completamente diferente. Caminho em direção às escadas, sentindo uma exaustão que não é só física. É um peso na alma, uma âncora que arrasto junto com meu próprio corpo. Cada degrau parece exigir mais de mim do que deveria. No corredor, sigo até meu antigo quarto. Não faço barulho. Não quero acordar Lola... muito menos a enfermeira que cuida de meu pai. Giro a maçaneta. O breu me engole. Mais escuro do que eu lembrava. Tateio a parede, procurando o interruptor, como se meus dedos pudessem encontrar algum caminho para a luz. —Merda... — resmungo, quando percebo que ou moveram o maldito interruptor, ou minha memória resolveu me sabotar também. Desisto. Caminho no escuro, chutando os sapatos pelo caminho, arrancando a jaqueta e jogando-a no chão. Meus ombros doem, a tensão me rasga por dentro. Desafio o cinto da calça e caminho até sentir o tapete macio sob meus pés. Dou mais um passo... —Aaaaah! — Um gemido rouco escapa quando meu pé encontra algo duro, pontudo, que me faz ver estrelas. —Mas que... MERDA! — grito, levando o pé para trás. Piso de novo, agora mais cauteloso, e percebo... são sapatos. De salto. Salto alto. Franzo o cenho. Minha mente faz uma conexão imediata que eu não queria fazer. E, como se o universo decidisse que eu não estava suficientemente ferrado, um som me congela. Movimento. Na cama. Tem alguém... na cama. O coração dispara, como um tambor dentro do peito. O sangue corre rápido, frio e quente ao mesmo tempo. O estômago se revira. Estendo a mão, encontro o criado-mudo, deslizo os dedos até o interruptor do abajur. Acendo. E então, eu vejo. E o mundo simplesmente... para. Ali, bem no meio da cama, dormindo como uma deusa nórdica largada no Olimpo errado, está ela. Cabelos loiros, longos, despenteados de um jeito indecentemente sedutor. Espalhados como ouro pelo travesseiro. O lençol envolve seu corpo, mas deixa claro cada curva, cada contorno. Meu corpo inteiro fica rígido. Não. Não. NÃO. Não desse jeito. Não agora. Não assim! —Cazzo... Non in questo modo... — murmuro, e sinto o italiano me escapando, como sempre acontece quando a mente simplesmente não consegue processar. Meu coração dispara, o estômago fecha, a boca seca. Fico imóvel, paralisado, feito uma estátua rachada. Ela se mexe. Se espreguiça lentamente, como uma gata preguiçosa e inconsciente do perigo. Vira o rosto. E quando os olhos verdes dela encontram os meus... O tempo congela. Ela pisca, franzindo o cenho, incomodada pela luz... até que, de repente, o entendimento despenca sobre ela como um raio. Ela se senta de um salto, apertando o lençol contra o peito nu, e seus olhos se arregalam tanto que, se fosse possível, saltariam do rosto. —AAAAAAAAAAHHHHH! — O grito é tão estridente que parece vibrar nos ossos. Levo as mãos para cima, num gesto automático. —Calma, calma, calma!O som suave do choro de Enzo me desperta, invadindo o silêncio gostoso daquela manhã de sábado. Sinto o calor do braço de Santino em volta da minha cintura, pesado, possessivo, como se mesmo dormindo ele quisesse me manter ali, colada nele. Viro o rosto e olho o rádio-relógio na mesinha de cabeceira. Oito horas.Santino se aninha mais em mim, me apertando pela cintura, e deposita um beijo lento, preguiçoso, no meu pescoço, exatamente no ponto que sabe que me faz arrepiar. Sua voz rouca, quebrada de sono, desliza pelo meu ouvido.— Pode trazê-lo aqui... enquanto você faz a mamadeira... — boceja, ainda de olhos fechados.Sorrio, acariciando o dorso da mão dele que repousa sobre meu ventre.— Hoje é sábado... Eu o levo para a sala. Lúcio já deve estar acordado e Lola... ah, Lola já deve estar falando pelos cotovelos. — Dou uma risadinha. — Eles vão amar ficar com ele. Dorme mais um pouquinho.Ele se espreguiça, roçando o corpo no meu.— Pode trazê-lo... — diz, segurando minha mão e levan
Eu me levanto, respiro fundo. Minhas pernas tremem enquanto caminho até a porta. Cada passo é um desafio. Me apoio na parede, depois no corrimão da escada.No meio da descida, meu olhar encontra Santino. Ele está de costas, olhando pela janela, as mãos nos bolsos da calça. Meu coração dispara, bate tão forte que parece ecoar no peito.Aperto a mão contra o corrimão, buscando algum controle sobre meu corpo que treme inteiro. Seguro a respiração. Desço, um degrau de cada vez, até alcançar o chão da sala.Ele se vira.Nossos olhos se encontram.Por um instante, tudo some. Só existem aqueles olhos negros, intensos, que parecem atravessar minha alma.Ele veste uma jaqueta preta sobre uma camiseta branca de linha. A calça de sarja, também preta, está mais folgada do que eu me lembrava. Meu olhar o percorre inteiro… mais magro, visivelmente mais magro. Onde antes tudo caía sob medida, agora sobra tecido.Sofreu por mim? Cada detalhe grita isso. O olhar, a expressão cansada, a presença dele
SantinoDesde que Marina foi embora, trabalhar virou um martírio. Me arrasto pelos dias, fingindo ser um arquiteto funcional, quando na verdade... estou quebrado. Encaro o trânsito caótico à minha frente, enquanto luto, mais uma vez, contra a vontade irracional de checar o celular. Talvez, só talvez, ela tenha me mandado uma mensagem. Uma ligação. Qualquer coisa.Nada.Apenas uma mensagem da Lola: "Papai está bem."Aperto o celular na mão, sentindo aquele buraco no peito abrir ainda mais. O coração lateja pesado, como se tentasse, desesperadamente, me manter de pé. Abro, quase sem pensar, aquele perfil fake no Facebook — o único meio que encontrei de ainda me sentir perto dela, mesmo que ela não saiba.A única foto nova? Ela. Na piscina de casa. Sorrindo. Rodeada de amigos. Linda. Deslumbrante. E tão longe de mim que chega a doer.Solto o ar, pesado. A angústia me sufoca. Amo Marina. Amo tanto que chega a ser físico, visceral, cruel. A parte racional grita que eu preciso esperar, que
Lola assente e se senta no sofá.— Ah, desculpe. Esta é Carol Blake. Ela é filha do doutor Ryan. Carol, essa é Marina Baker, nossa filha adotiva.Sorrio com simpatia para Carol. A menina é linda, parece uma boneca de tão perfeita, com cerca de catorze anos.Cabelos castanhos, sedosos… olhos azuis que agora me encaram com intensidade.Ela deve ter me reconhecido… com certeza sonha em ser modelo.— Eu me lembro de você — diz ela, enfática.Dito e feito.Sorrio, mas volto minha atenção ao médico que chama Lola no corredor. Me levanto, apreensiva, prestes a ir ao encontro deles, quando a menina diz:— Você é a garota do acidente.Paro. A encaro, curiosa.— Como sabe?— Eu estava lá com meu pai. Estávamos do outro lado da calçada quando aquele caminhão cheio de produtos químicos avançou o farol vermelho… e o carro de vocês se chocou contra ele.As palavras dela aguçam ainda mais a minha curiosidade. Eu mesma não vi o acidente acontecer. Só me lembro de estar sorrindo para Santino… e então,
MarinaPela manhã, desperto totalmente consciente de que Santino não está ao meu lado. O espaço que antes ele ocupava permanece vazio, frio. Trago o travesseiro até o rosto, inalando os últimos vestígios do perfume dele impregnados no tecido.Graças a Deus, não sinto os enjoos matinais. Lola e Lúcio ainda não sabem da minha gestação. Carrego comigo a convicção de que o pai deve ser o primeiro a saber: Santino.Sinto-me mal-humorada. Saio de debaixo das cobertas e me preparo para, mais uma vez, enfrentar o dia sem ele. Já se passou uma semana desde que nos afastamos, sem qualquer contato.No último final de semana, ele não voltou para casa. Está respeitando o tempo que eu pedi.A loja segue de vento em popa. Heitor alugou um apartamento aqui na região e acompanha de perto toda a reforma e montagem.Viro-me na cama, relembrando a conversa que tive com Lola e Lúcio logo que cheguei…Suspiro…Eles ficaram tristes com o que aconteceu entre mim e Santino. Mas, ao mesmo tempo, compreenderam
Levanto-me, abro a porta, olho para seu rosto angustiado.—Não há nada para explicar por que você não pode explicar isso.—Eu posso… se você me der uma chance.—Saia do meu caminho —me viro para passar, mas ele me bloqueia, tentando me segurar pelos ombros.—Não me toque! Saia da minha frente!—Vamos conversar!O desamparo nele, me forçando a ficar na sua frente, faz minha raiva aumentar.—Não há nada para dizer diante da sua atitude EGOÍSTA! Você não pode mudar isso. Saia do caminho!Tento empurrá-lo, mas ele não se move. Ele me abraça, eu começo a socar seu peito, tentando lhe causar dor, mas ele não me solta.Fico ali, agitada violentamente contra ele, batendo mais forte, gritando para ele se mover. Então consigo lhe dar um tapa forte no rosto.Ele dá um passo para trás, perplexo. Gosto da sensação de lhe causar dor física, como se isso pudesse remover a dor que estou sentindo.Seus olhos ficam vermelhos com lágrimas não derramadas. Parece magoado e, ao mesmo tempo, se esforça para
Último capítulo