[Trilogia Os Guardiões - Livro 2] Homens e mulheres já não conseguem mais viver em harmonia. Quase um milênio foi necessário para que os dois reinados conseguissem se separar em sociedades distintas, mas próximas. Dentro da sociedade feminina está Acácia, uma garota que, como as outras, sonha em se tornar uma Guerreira para combater a ameaça masculina eminente. Ela precisa honrar sua família (sua mãe e irmã) que sempre alcançou altos cargos na categoria. Entretanto, as dúvidas acerca do passado da sociedade lhe incomodam e se acentuam quando descobre que todos os livros da história antiga foram queimados, rasgados e riscados. Então, se o passado é incerto, o futuro se torna ainda mais duvidoso. E, nessa guerra milenar entre a princesa Marilene e o príncipe Matthew, Cia vai começar a perceber que é apenas um grão de areia perdida numa infinidade de mistérios.
Leer másPARTE UM
O TREINAMENTO
Minhas garras negras arranharam de leve o vidro da televisão enquanto meus olhos continuavam vidrados no vídeo em que mostrava o Príncipe de Gelo. Embora não passasse de um albino com olhos azuis bem claros, gélidos, era ele quem comandava os homens — Cavaleiros — que viviam do outro lado da fronteira.
É isso mesmo, homens e mulheres foram separados há centenas de anos. O motivo? Não faço ideia. Ninguém sabe. O máximo que sabemos é que o príncipe Matthew comanda os homens e a princesa Marilene controla as mulheres — Guerreiras.
E ah, eles são os únicos habitantes imortais de todo nosso país Yanche.
— Acácia — ouvi minha mãe me chamar num tom de repreensão —, quantas vezes já te disse para não ir dormir tarde? Vai piorar sua maldição se continuar desse jeito.
A maldição... Não sabia se ela tinha ligação com a paixão misteriosa que sentia pelo Príncipe de Gelo, mas odiava o fato dela existir — tanto da maldição quanto da paixão.
Todas as noites meu corpo ficava negro como a noite, meus dentes se transformavam em caninos afiados e meus olhos ficavam escuros, perdendo-se na escuridão da minha pele.
Desde os quinze anos estava fadada a ser um monstro.
— Desculpa, mamãe — choraminguei. — É mais forte do que eu...
Carina, minha mãe, pareceu ignorar minhas palavras e apenas desligou a televisão. Entendi que essa era a deixa perfeita para eu me levantar e o fiz, seguindo para o meu quarto em seguida. Deitei na cama e puxei os cobertores sobre o meu corpo.
— Precisa lutar contra isso, Cia — mamãe me advertiu. — Aqui é proibido esse tipo de sentimento por homens e sabe disso.
Assenti, indicando que sabia muito bem disso. Se a princesa Marilene descobrisse o que eu sentia, tinha medo do que faria comigo. Os boatos que corriam no vilarejo sobre suas torturaseram assustadores.
— Amanhã é o grande dia — ela murmurou para mim, parecendo querer amenizar o efeito da sua advertência. — O dia em que você entrará pro treinamento das Guerreiras.
— Você acha que a princesa Marilene vai me escolher? — questionei incerta.
A vela acesa do meu quarto me fez ver um pequeno sorriso no rosto da mamãe.
— Ela irá. Você vai se tornar uma Guerreira e obedecerá a linhagem da nossa família como tem que ser.
Ouvir isso me enchia de ansiedade para o dia seguinte chegar de uma vez. Desde pequena tinha o sonho de servir nas Guerreiras. Eram elas que iam nas fronteiras e lutavam bravamente contra os homens que sempre nos atacavam.
— Agora durma — disse ao acariciar minha cabeça.
Quando ela virou as costas para sair do meu quarto, eu disse:
— Espera! Canta pra mim. Só mais uma vez — implorei. — Senão nunca vou conseguir dormir.
Carina parece achar graça do meu desespero para ouvi-la cantar. Ela se aproximou de mim e iniciou a canção que cantava para mim todas as noites:
— Durma, durma bem. Porque é isso que você faz todos os dias. Fecha os olhos para luz, abre os olhos para noite — a música se iniciava em palavras sussurradas como se fossem um segredo. Logo a melodiosa canção começa de fato: — Chegou a hora de dormir, meu bem. Não é isso que a rainha diz? Feche os olhos, tenha bons sonhos. Não se esqueça quem controla é você.
Na metade da música eu já sentia meus olhos pesando de sono e em pouco tempo, eu já tinha me deixado levar pelo próprio.
☾
A claridade não era muita, mas faziam meus olhos azuis arderem. Pela manhã, assim que eu acordei, sabia que a garota albina já havia voltado ao normal. Eu já havia voltado ao normal.
Continuei observando da janela as garotinhas correndo de um lado pro outro com seus vestidos arrastando no chão de tão longos. Dei um sorrisinho. Elas eram uma graça. Que elas aproveitassem a oportunidade de brincar. Como minha pele era branca fora do normal, não podia nem pensar em ficar debaixo do sol. Para isso, minha mãe me enfiava em vários tecidos pois com facilidade eu conseguia queimaduras horríveis.
As crianças continuaram brincando até um cavalo com a insígnia oficial da princesa Marilene aparecer na nossa rua. Mordi o lábio. A Convocação seria dada hoje pela manhã e pelo jeito estava para chegar.
Continuei observando o cavalo se aproximar, sentindo o coração martelar de emoção no peito quando deu uma paradinha na porta da minha casa. Entretanto, acabou passando direto, como se houvesse errado o lugar.
Saí da janela, sem querer saber para onde o cavalo iria. Pelo jeito não tinha tido sorte o suficiente para ser Convocada...
— Senhorita? — alguém pareceu chamar da janela.
Virei o rosto na direção da mesma, encontrando uma Guerreira montada no cavalo oficial com uma carta em mãos.
— É você que se chama Acácia Astéria?
Assenti, voltando a sentir o coração acelerar pela emoção. Quando a mulher me estendeu a carta, fiquei ainda mais ansiosa. Peguei-a finalmente e a mulher se foi, me deixando sozinha com a Convocação.
De tanta ansiedade, abri a carta rapidamente, quebrando a cera e começando a lê-la mentalmente em seguida:
"Acácia Astéria,
É com prazer que eu, princesa Marilene de Mariah — nascida em Ament, antiga província de Yanche —, a convido para fazer parte do treinamento militar para se tornar uma Guerreira. Como no atual mês completa a idade requisitada — dezesseis anos —, estamos convocando-a para juntas podermos combater os Cavaleiros (homens) e conquistarmos o território que sempre foi um direito de nós, mulheres.
A carruagem chegará no horário após o almoço para buscá-la.
Atenciosamente, princesa Marilene de Mariah."
Soltei um grito de felicidade quando terminei de ler tudo. Corri para minha mãe que fazia comida no fogão a lenha. A abracei por trás e senti seu sobressalto, mas não deixei ela protestar pelo abraço repentino, pois expressei minha felicidade primeiro:
— Fui uma das cem escolhidas! — exclamei pra ela.
Depois de um tempinho, eu a larguei do abraço e tive a oportunidade de ser envolvida por seus braços, dessa vez num abraço genuíno.
— Parabéns, Cia — murmurou.
Como se tudo conspirasse ao meu favor, minha irmã Bianca chegou pouco depois e se juntou ao abraço.
— Foi chamada? — questionou assim que o abraço prolongado se encerrou.
Confirmei com a cabeça, sem conseguir evitar um sorriso de orgulho.
— Então te vejo na Casta 2 em breve — disse, dando dois tapinhas no meu ombro.
Ela também estava orgulhosa de mim. As duas estavam. Isso só fazia minha felicidade crescer a cada segundo. O primeiro passo pra realização do meu sonho já havia sido dado.
— Arruma suas coisas — disse Bia. — Eles vão vir te buscar depois do almoço, não é?
Como Bianca já tinha sido Convocada — e era uma Guerreira! —, decidi ouvir o conselho da minha irmã mais velha. Logo estou dentro do meu quarto, enfiando algumas coisinhas numa sacola bege. Tanto Bianca quanto Caroline disseram que eu só precisava levar coisas importantes. Roupas a princesa nos daria.
A ansiedade não me permitiu comer direito no almoço, mas fiz questão de colocar um vestido novo e um chapéu de igual forma. Tinha que parecer apresentável para a Convocação.
Dito e feito, a carruagem chegou exatamente uma hora após o horário habitual do almoço — os gritos e palmas do lado de fora evidenciaram isso. As mulheres que viviam no nosso vilarejo sempre comemoravam quando garotas da nossa Casta eram escolhidas. Agora eu era uma delas.
Saí de casa com um largo sorriso. O sol estava terrível, entretanto, a carruagem estava em frente casa, então não tive uma grave exposição ao mesmo. Dentro da carruagem, outras três garotas bem arrumadas me encararam. Eu era a única albina entre elas, só que acabei respondendo seus olhares com um sorrisinho. Eram da mesma casta que a minha, embora não fizesse ideia de quem poderiam ser.
A carruagem se moveu e palmas foram ouvidas. As quatro usavam chapéu como eu e acenavam pela janelinha para as pessoas que nos aplaudiam do lado de fora.
— Ei, acho que está na hora da nossa comemoração — disse uma delas, retirando seu chapéu.
Um pequeno sorriso cresceu nos meus lábios e eu fiz o mesmo, acompanhada das outras. Colocamos nossas mãos do lado de fora e com um grito entusiasmado, jogamos nossos chapéus, recebendo uma vibração positiva do público do lado de fora.
Um mês. Apenas um mês de treinamento até eu enfim me tornar uma Guerreira, pensei enquanto a carruagem me levava para a primeira visita no castelo real da princesa Marilene de Mariah.
Saindo de casa como uma garota e em breve estarei voltando como uma mulher.
A primeira pergunta que passa pela minha cabeça é se eu morri. Junto com essa pergunta, vem uma dor insuportável no mesmo lugar. Aos poucos, a consciência vai retornando, me dizendo não ter chegado meu momento ainda. Forço meus olhos a abrirem, embora um zumbido irritante no meu ouvido me impeça de ouvir o redor.Assim que minha visão vai tomando forma, percebo que estou num chão terroso. Tusso com a poeira levantando ao redor e vejo mulheres correndo, desviando do buraco onde eu me encontrava. Suas bocas estão abertas e suas armas estão em punhos. Devem estar gritando. Sinto falta da minha capacidade de ouvir.Pisco algumas vezes e procuro pela princesa Marilene. A encontro alguns metros de distância, com os olhos abertos. Por um segundo penso que est&aac
Apesar do sol de meio-dia ter demorado chegar, meu estômago chegou a dar um nó de nervosismo por saber o que estava por vir. A adaga de gelo pareceu ficar pesada no meu antebraço. Mesmo assim, criei coragem para sair da barraca ao ser chamada pela oficial Abbott em nome da princesa Marilene. Já trajava as roupas a mim concedidas para aquele momento.Era negra, completamente negra. Uma capa também negra estava presa aos meus ombros. Cobria todo meu corpo como a proteção que as Guerreiras usavam por baixo da armadura de ferro. Uma saia metálica cobria minha cintura, além de uma bota de metal prateado, cotoveleiras, joelheiras e um corpete igualmente metálico protegia meu busto. Embora as Guerreiras não costumassem incentivar o uso do cabelo solto, pelo meu ainda estar consideravelmente curto — não tinh
Apesar dali ser a divisa entre Mariah e Mateh, nuvens negras começaram a encher o céu. Só percebi esse fato quando me aproximei suficiente do muro e, de maneira quase mágica, as árvores não cresciam próximas a ele. Apesar disso, um rio corria naquele ponto específico e passava por grades de ferro grosas até o outro lado. Um vento pouco aconchegante passou por mim, mexendo nos meus cabelos negros.Minha garganta arranhava levemente por causa dos grasnados dados em luto ao príncipe.Espero podermos nos encontrar no nosso outro destino, pensei por um momento, mexendo no seu anel em meu dedo. Tinha voltado apenas para pegá-lo. Outra lembrança dele que estava levando comigo. Isso me ajudaria a não me esquecer da promessa que havia feito a ele.
Despertei num susto quando alguém parece tocar o meu ombro. Meu coração chegou a acelerar um pouco por causa desse sobressalto e levo alguns segundos para me dar conta de que quem estava tentando me acordar era a princesa Marilene.Já havíamos completado quatro dias de viagem e estávamos chegando ao quinto dia. Tinha parado para cochilar após o almoço e antes dele, ela já havia me avisado de estarmos próximos de chegar no local onde tudo ocorreria.Porém, tinha tido um pesadelo na noite anterior, em contraste com o sonho pacífico tido com a deusa Asteria. O pesadelo me fez lembrar da cabeça pálida da minha mãe, separada do corpo; a mãe de Karen morta de maneira brutal e várias outras mulheres sendo mortas por nós
Faltando três dias para o plano de expansão, o castelo ficou agitado. Mandaram-me guardar umas roupas para viagem e para o dia do plano. Fiz isso, guardando tudo numa bolsa. Fiquei repassando o plano na minha cabeça. Tinha tido tempo de sobra já que o príncipe me veio ver apenas duas vezes depois daquele dia. Ele alegava que a princesa o estava vigiando bastante e não gostaria nada de nos ver juntos.Alguém bate na porta e eu fecho a bolsa, ajeitando o meu vestido. Tinha um tom rosado e com mangas. Ultimamente a casta 1 tinha ficado mais fria.Talvez a presença do príncipe de gelo tenha trazido um pouco de frio para o clima quente de Mariah, pensei enquanto caminhava até a porta.A abro e vejo a oficial Abbott com sua expressão séria. Estava
Convencer a oficial Abbott de que eu deveria ver a princesa Marilene custou muitos, muitos argumentos e bastante insistência. Ela se recusava a me deixar ver a princesa, mesmo sabendo o meu grau de importância. Internamente me perguntava se isso era uma insegurança sua de perder seu importante cargo para mim por eu ter sido a primeira auxiliar nisso tudo.— Eu preciso mesmo falar com a princesa Marilene uma última vez — insisto.— Está bem. — Ela suspira, parecendo furiosa em ter de ficar discutindo comigo sobre isso. — Mas será por um curto tempo. A princesa deixou claro não querer ser incomodada por ninguém. Se eu receber qualquer advertência, vou transferi-la para você.Assenti, só
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