Meus olhos encontram os dele, e eu sinto meu coração acelerar. Não de reconhecimento — porque não há. Não existe uma lembrança sequer dentro de mim desse homem. Mas há... algo. Um peso. Uma tensão que aperta meu peito de um jeito desconfortável.
E eu não faço a menor ideia do que fazer com isso. —Marina, minha querida. Que agradável surpresa! Por que não me chamou quando chegou? Teria evitado todo esse mal-entendido. —A voz de Lola vem como um alívio, doce, acolhedora, tentando varrer para debaixo do tapete o caos absoluto que se formou no quarto. Forço um sorriso. Porque se tem uma pessoa aqui que não merece meu colapso interno, é ela. Minha fada madrinha. Minha salvadora desde o dia em que acordei no hospital, perdida, quebrada, sem passado, sem memória, sem identidade. —Quando cheguei, já passava de meia-noite, Lolita. — Respondo com aquele tom carinhoso, usando o apelido que só eu me atrevo a usar. —E, bem... toda vez que te visito, fico com este quarto. Você sabe disso. — Ergo uma sobrancelha, olhando para ela, depois para... ele. —Não imaginei que Santino viria hoje. E, pelo visto... você também não. Lola solta aquela risadinha nervosa que, sinceramente, deveria ser patenteada. —Bem... isso é verdade. — Seu olhar vai de mim para ele, e volta para mim, visivelmente desconfortável. —Já é de madrugada, e Santino... deve estar cansado. Eu... eu vou levá-lo até a sala, enquanto você pega suas coisas e leva para outro quarto. E é aí que meu corpo inteiro grita internamente: Sério isso? Tento não olhar diretamente para Santino, mas é impossível. Porque a presença dele ocupa todo o espaço. É sufocante, intensa, magnética de um jeito desconfortável.Ele não é mais o garoto das fotos que me mostraram. Não. Agora ele parece um homem esculpido em granito, com músculos tensos, ombros largos, braços fortes... e aquele olhar. Um olhar que poderia, facilmente, fazer qualquer ser humano reconsiderar todas as escolhas da própria vida.
Um gladiador. Um guerreiro. Um homem que carrega no corpo a prova de que sobreviveu ao próprio inferno. E então, ele fala. —Nada disso! — A voz dele preenche todo o quarto, grave, cortante, cheia de um poder que faz até os quadros nas paredes quererem fugir. Meus joelhos ameaçam dobrar, mas eu me forço a erguer o queixo. Não. Eu não vou recuar. Não agora. Seus olhos queimam nos meus, duros, hostis. Um tom que eu nunca vi — ou pelo menos não lembro de ter visto. —Deixe-a aqui. — diz, com uma firmeza que soa mais como uma ordem militar. —Ela já está instalada. Eu vou para outro quarto. Silêncio. Silêncio absoluto. Eu piscava, atordoada, encarando-o como quem encara um tornado vindo na sua direção, segurando... um guarda-chuva. Meu cérebro espera, ainda nutrindo uma esperança ingênua de que ele vá completar com algo civilizado. Talvez um: "Perdoe-me por invadir seu quarto no meio da madrugada. Que situação, hein? Que saudade de conversar sobre a vida, Marina." Mas não. Nada disso. Nem um mísero resquício de educação básica. Ele simplesmente me olha como se eu fosse um problema que ele não teve escolha a não ser tolerar. Lola percebe o tamanho do desastre e intervém apressadamente, forçando um tom que nem ela acredita: —Então... se está tudo resolvido... boa noite, Marina. — se vira para ele. —Vamos, Santino. Vamos, Santino? Quase abro os braços. Tipo... sério isso? É isso? Ninguém vai sequer fingir que isso é minimamente civilizado? Ele se vira, indo em direção à porta, ignorando completamente minha existência como se eu fosse, sei lá, um móvel mal posicionado na sala. —Onde estão suas malas? — pergunta Lola, tentando desesperadamente preencher o silêncio constrangedor. —Na sala. Estava tão cansado que nem me dei ao trabalho de subir com elas. — responde ele, no mesmo tom, meio arrastado, meio entediado, meio "quero desaparecer do planeta." E, pronto. Saem. Simples assim. Eu fico ali. No meio do quarto. De boca entreaberta. Lençol agarrado no peito. Pisco. Pisco de novo. Separo os lábios, ainda atordoada com o fato deles saírem com tanta pressa do meu quarto. Suspiro, talvez ele estivesse cansado. Sua irritação devia ser devido a isso também. Sei lá... —Perfeito. — Falo para mim mesma. —Tudo indo exatamente como planejado. Porque, veja bem... acordar no meio da madrugada, com um homem meio despido, meio furioso, meio traumatizado, surgindo no meu quarto, só para me lembrar que ele foi embora para a África e me apagou da vida dele... é exatamente o que toda garota sonha. Sério. Isso vai ser maravilhoso.