Mundo de ficçãoIniciar sessãoEla jurou nunca mais voltar ao passado. Mas o passado voltou usando terno, poder… e o nome do homem que destruiu sua vida. Myrthes e Heitor se conhecem desde a infância. Cresceram juntos, unidos por um amor intenso, cheio de promessas. Quando a ambição de Heitor cruza o caminho do crime organizado, o destino dos dois é brutalmente rompido. Ele é arrancado da própria vida, forçado a desaparecer contra a própria vontade, sem explicações ou despedidas. Ela perde tudo: o amor, a família, o filho e a própria identidade. Anos depois, Myrthes renasce. Reconstrói-se, forma-se em Direito e se torna delegada da Polícia Federal especializada no combate ao crime organizado. Fria, estratégica e determinada, ela passa a liderar uma força-tarefa dedicada a desmantelar grandes organizações criminosas. O choque vem como uma sentença: o chefe da máfia que ela persegue… é Heitor Almeida Castro. Vivendo agora no Sul do país e comandando um império silencioso, Heitor não busca apenas poder. Cada passo no submundo foi imposto pela sobrevivência. Sua verdadeira motivação é vingança: destruir Paulo de Arruda Teixeira, o responsável por afastá-lo de tudo o que amava. Para obter provas definitivas, Myrthes aceita a missão mais arriscada de sua carreira: infiltrar-se na vida dele usando uma identidade falsa. Como Valentina Cruz, ela entra na mansão de Heitor como babá de seus filhos. O que ela não esperava descobrir que o seu filho, hoje um adolescente. Foi criado por Heitor. Ele não a reconhece. Ela o reconhece em cada detalhe. Entre mentiras, segredos, perigo constante e uma paixão que insiste em sobreviver, Myrthes precisará escolher: cumprir sua missão e destruir o homem que ama… ou arriscar tudo para recuperar o amor, o filho e a vida que lhes foi roubada. Quando o coração entra em guerra com o dever, ninguém sai ileso.
Ler maisO sertão acordava antes do sol. A terra ainda guardava o calor do dia anterior, o vento soprava seco, carregando poeira, mandacaru e lembranças de promessas quebradas. Cada manhã parecia feita de espera, paciência e silêncio, como se até o tempo soubesse que ali ninguém tinha pressa. Myrthes caminhava descalça pela estrada de barro. As pedras machucavam seus pés, mas ela não diminuía o passo. O céu se tingia de laranja e dourado. Ela respirava fundo, sentindo o mundo suspenso entre o que foi e o que ainda poderia ser.
— Um dia a gente vai embora daqui — disse Heitor, surgindo ao lado dela, como fazia desde crianças.
Ela sorriu sem virar o rosto.
— Vai mesmo — respondeu. — Mas não assim.
Ele riu baixo, os olhos desviando para o horizonte seco.
— E como seria o seu “assim”, Myrthes?
Ela parou. O sol nascendo iluminava o cabelo dele, o corpo forte de quem cresceu no trabalho árduo, o olhar determinado que nunca se contentava com pouco.
— Estudando. Trabalhando direito. Sem dever nada a ninguém.
— Isso demora demais — disse ele.
— Mas chega — rebateu ela, firme. — O que vem rápido demais cobra caro depois.
Ele não respondeu. Desde sempre eram inseparáveis. Dividiam risos, fome, medo, sonhos grandes demais para aquele chão seco. Heitor falava em casas, carros, dinheiro suficiente para nunca mais ver a mãe chorar. Myrthes sonhava com livros, diplomas, uma vida digna. Eles se amavam. E não havia dúvida disso.
Mas o mundo lá fora não perdoava sonhos. O crime organizado crescia silencioso, sem manchetes, sem tiros. Favores, dinheiro fácil, promessas sedutoras. Caminhões passavam à noite, negócios eram feitos em silêncio, decisões eram tomadas longe dos olhos da polícia. Foi inevitável que notassem Heitor. O carisma, a liderança, a ambição nos olhos chamavam atenção. Ele sabia ouvir, convencer, comandar sem parecer autoritário. Exatamente o tipo de pessoa que precisavam.
O convite veio numa tarde quente, disfarçado de conversa casual. Um dos líderes locais, encostado em uma caminhonete velha olhou para Heitor como quem avalia mercadoria rara:
— Você é inteligente demais pra ficar aqui garoto. Dá pra ganhar dinheiro, ajudar sua família. Só uns serviços aqui e ali.
Ele fingiu desinteresse, mas a proposta ecoou na cabeça dele por dias. Dinheiro rápido. Poder fazer mais do que naquele momento podia imaginar. Uma saída. Uma oportunidade. Naquela noite, procurou Myrthes. Sentaram-se sob o céu estrelado, onde prometeram eternidades.
— Me fizeram uma proposta — disse ele, direto.
Ela sentiu o estômago revirar. — Que tipo de proposta?
— Negócios que vão fazer algum dinheiro entrar. Não é coisa limpa… mas também não é pesado. Eu pensei que talvez…
— Não — interrompeu ela, segurando a mão dele com força. — Não termina essa frase.
Ele calou-se, sentindo a seriedade no olhar dela.
— Eu tô grávida, Heitor.
O mundo pareceu congelar. As estrelas acima, o silêncio do sertão, tudo desapareceu.
— O quê? — Ele engoliu em seco.
— Eu só tenho dezessete anos — disse ela, a voz tremendo. — Descobri hoje. E não posso enfrentar isso sozinha. Se você se mete em coisa errada, sabe qual é o fim disso, não sabe?
O silêncio caiu sobre eles, pesado, intransponível. Heitor passou as mãos pelo rosto, andou de um lado para o outro, respirando fundo. Sentiu medo. Medo de falhar, de repetir erros, de não ser suficiente. De se enveredar po r esse caminho e não poder estar coma a família que acaba de saber que vai formar.
— A gente vai dar um jeito — disse ele, finalmente, parando diante dela. — Mas não desse jeito. Não com coisa errada.
Ela chorou de alívio. — Promete?
— Prometo — disse ele, firme. A dor nos olhos denunciava o preço daquela promessa.
No dia seguinte, recusou a proposta. Ninguém diz “não” impunemente.
A resposta veio rápida e cruel. O irmão mais novo foi emboscado ao voltar para casa. Espancado até não resistir. Deixado na estrada como aviso. Heitor chegou tarde demais. O garoto morreu antes da ambulância chegar. Com ele, morreu o último vestígio de inocência.
A ameaça foi clara: ou você entra, ou elas entram na cova. Myrthes, a mãe dele, o bebê.
Naquela noite, Heitor tomou a decisão mais difícil da vida. Não se despediu. Mal chorou a morte do irmão. Não se explicou. Apenas sumiu. Entrou no crime para proteger quem amava, mesmo que isso significasse se transformar no que sempre odiou.
Myrthes acordou sozinha. Esperou por dias. Procurou e não encontrou pistas. Chorou até quase desfalecer. Nada aconteceu. Dias depois perdeu a mãe que morreu de uma parada cardíaca. Meses depois perdeu o chão, sem ninguém, sem apoio. Anos depois perderia o que tinha de mais precioso. Mas naquele momento, só sabia que o amor da sua vida havia desaparecido.
O sertão, impassível, assistia tudo em silêncio. Cada pedra da estrada, cada raiz seca, cada raio de sol lembrava que o tempo continuaria a passar, indiferente à dor humana. Ela se agarrou à vida como pôde, mas o vazio era enorme. E a pergunta que martelava não tinha resposta: por que ele foi embora sem uma palavra?
Do outro lado, Heitor carregava o peso de proteger a família, mesmo que isso significasse condenar a si mesmo. Sua ambição, seu amor e o destino se cruzaram em uma encruzilhada impossível. Naquele silêncio do sertão, ambos compreendiam que nada jamais seria como antes.
E assim, entre o calor do dia que nascia e a poeira do passado, o sertão guardava segredos, promessas quebradas e a dor de dois corações que tiveram que escolher entre amor e sobrevivência.
A chegada de Eduardo aconteceu na noite seguinte ao anúncio feito no almoço. A casa inteira pareceu entrar em suspensão. Não houve preparativos evidentes, nem movimentação exagerada — apenas um silêncio atento, quase reverente, como se todos soubessem que algo importante estava prestes a acontecer, mesmo sem saber exatamente o quê. Heitor saiu mais cedo naquele dia. Disse que iria buscá-lo pessoalmente. Não delegaria aquilo a ninguém. Quando o carro atravessou os portões da mansão, eu estava na sala com as crianças. Pedro foi o primeiro a perceber. Levantou-se de um salto e correu até a janela. Alice veio logo atrás, os olhos brilhando. — É ele — Pedro disse, num tom que misturava alegria e cautela. Meu corpo reagiu antes que a mente pudesse organizar qualquer pensamento. Levantei devagar. O coração já batia rápido demais. Vi de longe quando ele desceu do carro. Mais alto do que eu imaginava. Ombros largos demais para alguém tão jovem. O cabelo escuro caía de forma indisciplina
O almoço transcorria em um silêncio quase respeitoso. Pedro falava pouco, concentrado no prato. Alice comia devagar, observando tudo com atenção curiosa. Beatriz mexia distraidamente na taça de água, o celular pousado ao lado do prato, como se a mesa fosse apenas uma parada obrigatória entre compromissos mais interessantes. Heitor era o único que parecia realmente presente. — O internato antecipou o recesso — disse ele, cortando a carne com precisão. A voz era neutra, prática. — Eduardo vem passar alguns dias em casa. A frase caiu no ambiente como um objeto fora de lugar. Beatriz ergueu o olhar de imediato. — Como é? — perguntou, franzindo a testa. — Ninguém me avisou disso. — Foi decidido hoje pela manhã — respondeu ele, sem emoção. — Eu vou buscá-lo amanhã. Ela apoiou os talheres no prato, o gesto contido demais para ser casual. — Justo agora? — murmurou. — Ele tinha combinado de ficar no internato até o fim do semestre. — O internato decidiu antecipar — repetiu Heitor, nu
Conviver com Beatriz Almeida Castro não exigia apenas atenção. Exigia resistência. Desde o primeiro café da manhã após sua chegada inesperada, ficou claro que ela não ocupava aquele espaço como mãe, nem como esposa. Ocupava como presença. Como ruído constante. Como alguém que precisava ser vista para não desaparecer. — Amor, você vai sair cedo hoje? — perguntou ela, sentando-se à mesa com um robe de seda claro, perfeitamente maquiada para alguém que dizia ter acabado de acordar. Heitor folheava o tablet, concentrado. Não ergueu os olhos. — Tenho reuniões fora. Volto tarde. Beatriz fez um biquinho estudado. — Você sempre volta tarde. — Porque trabalho — respondeu, seco. Observei em silêncio enquanto colocava frutas no prato de Alice, cortando tudo em pedaços pequenos, do jeito que ela gostava. Pedro mexia o cereal com a colher, distraído, os olhos baixos. Nenhum dos dois falava. Nenhum dos dois sorria. A presença da mãe não os deixava à vontade. Era como se o ar tivesse ficado
A rotina da casa começou a se revelar mais rapidamente do que eu esperava. Os horários eram rígidos. As entradas e saídas, calculadas. Os seguranças se alternavam com precisão quase militar. Nada ali era casual — nem mesmo os silêncios. Principalmente eles. Enquanto ajudava Alice a montar um quebra-cabeça no tapete da sala, observava com atenção o vai e vem discreto dos funcionários. Um deles falava baixo ao telefone, afastado demais para ser trivial. Outro carregava pastas que não combinavam com uma residência familiar. A casa funcionava como um organismo vivo. E Heitor era o coração pulsando no centro de tudo. — Valentina — Alice me chamou, puxando minha manga. — Você tá triste? Sorri, ajeitando uma mecha do cabelo dela. — Não, meu amor. Só estava pensando. — Papai também fica assim — ela disse, inocente. — Ele pensa muito. Meu estômago se contraiu. — Sobre o quê? Ela deu de ombros. — Coisas grandes. Coisas grandes. Era uma boa definição para tudo o que rondava aquele lu
Há perguntas que não deveriam ser feitas em silêncio. Porque, quando ficam presas dentro da gente, elas crescem. Criam raízes. Tomam forma, e passam a olhar de volta. Naquela noite, depois que as crianças dormiram, eu fiquei sozinha na sala ampla da mansão, encarando o porta-retrato que Alice havia deixado sobre a estante. Não o toquei novamente. Não precisava. A imagem já estava gravada em mim com uma nitidez cruel. O rosto do adolescente. O sorriso aberto. O sinal no canto do olho direito. Igual ao do Eduardo. E ele também se chama Eduardo. Coincidência? Fechei os olhos por um instante, tentando reorganizar a respiração. Eu precisava ser racional. Profissional. Aquilo podia ser apenas uma coincidência dolorosa, alimentada por um trauma antigo demais para cicatrizar por completo. Mas meu corpo não acreditava nisso. O corpo reconhece antes da mente. Será isso instinto materno. Não. Não posso deixar isso me confundir. Levantei-me devagar e comecei a percorrer a casa com passos
Sempre acreditei que controle fosse uma questão de treino. Respirar no ritmo certo. Observar antes de reagir. Separar memória de missão. Emoção de estratégia. Passei anos fazendo isso funcionar — no campo, nos interrogatórios, nos lugares onde errar não era uma opção. Mas naquela manhã, sentada na sala de reuniões da Polícia Federal, compreendi algo que me atravessou como um aviso silencioso: Eu podia controlar o mundo ao redor. Mas não tudo o que vivia dentro de mim. — A partir do momento em que você cruzar aqueles portões, Myrthes deixa de existir — disse o doutor Nilo, com a voz firme, enquanto os últimos slides eram projetados na tela. — Valentina Cruz será sua única identidade. Seu escudo. Sua sobrevivência. Assenti, mantendo a postura alinhada, mãos apoiadas sobre a mesa. Carla estava concentrada nos relatórios, deslizando o dedo pelo tablet. Jorge permanecia encostado na parede, braços cruzados, expressão fechada. Todos ali estavam exatamente onde deveriam estar. Menos
Último capítulo