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Capítulo Sete — Onde a Razão Começa a Rachar

Sempre acreditei que controle fosse uma questão de treino.

Respirar no ritmo certo. Observar antes de reagir. Separar memória de missão. Emoção de estratégia. Passei anos fazendo isso funcionar — no campo, nos interrogatórios, nos lugares onde errar não era uma opção.

Mas naquela manhã, sentada na sala de reuniões da Polícia Federal, compreendi algo que me atravessou como um aviso silencioso:

Eu podia controlar o mundo ao redor. 

Mas não tudo o que vivia dentro de mim.

— A partir do momento em que você cruzar aqueles portões, Myrthes deixa de existir — disse o doutor Nilo, com a voz firme, enquanto os últimos slides eram projetados na tela. — Valentina Cruz será sua única identidade. Seu escudo. Sua sobrevivência.

Assenti, mantendo a postura alinhada, mãos apoiadas sobre a mesa.

Carla estava concentrada nos relatórios, deslizando o dedo pelo tablet. Jorge permanecia encostado na parede, braços cruzados, expressão fechada. Todos ali estavam exatamente onde deveriam estar.

Menos eu.

— A comunicação será mínima — Carla acrescentou. — Nada de ligações, nada de mensagens diretas. Usaremos apenas o canal criptografado interno.

— Três janelas semanais — Jorge completou. — Horários alternados, definidos por nós. Se você perder uma, acionamos protocolo amarelo. Duas, protocolo vermelho.

— E lembre-se — Nilo disse, me encarando com mais atenção do que antes —: nada de improvisos emocionais. Seja objetiva. Observe e seja fria. Qualquer envolvimento pessoal compromete a missão.

Meu maxilar se contraiu levemente.

— Entendido.

Era uma resposta automática. Treinada. Mas por dentro, algo se agitava.

Eles falavam de riscos externos. De Heitor Almeida Castro como alvo estratégico. De uma organização criminosa que precisava ser desmontada com precisão cirúrgica.

Nenhum deles fazia ideia de que aquele nome já tinha feito parte da minha vida antes mesmo de se tornar um dossiê.

— Alguma dúvida? — Nilo perguntou.

— Nenhuma.

Carla ergueu os olhos por um segundo, avaliando-me em silêncio. Talvez tenha percebido algo fora do lugar. Talvez não. O fato era simples: eles não sabiam.

E eu não podia contar.

Ao final da reunião, enquanto recolhia meus documentos, senti o peso real da escolha que havia feito.

A missão não me colocaria apenas diante de um inimigo.

Colocaria meu passado em movimento.

Antes de cruzar definitivamente aquela linha, precisei ir a um lugar onde ainda podia baixar a guarda.

A casa de Alexandre e Helena Valença. Meus pais adotivos.

O único espaço onde eu nunca precisei explicar quem era.

Helena abriu a porta com um sorriso que desapareceu assim que me olhou com mais atenção.

— Você está carregando o mundo nas costas — disse, puxando-me para um abraço apertado.

Fechei os olhos por um instante, permitindo-me sentir. Apenas sentir.

— Entre — ela murmurou. — Seu pai está na sala.

Alexandre se levantou assim que me viu. O mesmo olhar atento de sempre. O mesmo homem que, anos atrás, segurou minha mão quando tudo desabou.

— Missão nova — afirmou, mais do que perguntou.

Assenti.

Sentamos à mesa da cozinha. O café fumegava entre nós, esquecido. O silêncio pesava mais do que qualquer palavra.

— Preciso contar algo — comecei. — Mas antes… preciso da promessa de vocês.

Helena segurou minha mão.

— O que for.

— Preciso de sigilo absoluto.

Alexandre inclinou a cabeça.

— Sempre foi assim.

Respirei fundo.

— Vou me infiltrar na casa de um dos principais alvos da investigação que envolve essa missão. Como funcionária. Serei uma babá.

O olhar dele endureceu.

— Babá?

— É a única forma de acesso direto e contínuo.

Helena levou a mão ao peito.

— Quem é esse homem?

Hesitei. Apenas um segundo. O suficiente para eles perceberem que havia algo a mais.

— Heitor Almeida Castro.

O silêncio caiu como uma lâmina.

Alexandre se recostou na cadeira lentamente.

— Esse nome… — começou, mas parou.

— Eu sei — disse, firme. — E é exatamente por isso que estou aqui.

Helena se levantou e me abraçou com força.

— Encontrá-lo pode abrir feridas que você passou anos tentando fechar.

— Eu sei — repeti — mas não teremos outra chance de nos infiltrar tão cedo e... eu também posso não ter outra chance de obter as respostas que espero a anos.

Alexandre me observava como só ele sabia fazer.

— Filha… você pode mentir para seus colegas. Para o sistema. Mas não para si mesma.

Engoli em seco.

— Eu não vou deixar meus sentimentos atrapalharem a missão.

— Sentimentos não pedem permissão — ele respondeu. — Eles aparecem.

Helena segurou meu rosto.

— Tenha cuidado. Não só com ele. É com você.

Assenti.

Porque aquele era o maior risco de todos.

No fim da tarde, os portões da mansão Almeida Castro se abriram novamente para mim.

Valentina Cruz atravessava o limite definitivo.

As crianças me receberam com uma naturalidade que me desarmou. Risos soltos. Perguntas curiosas. Uma adaptação rápida demais para alguém que acabara de chegar.

Eu, Pedro e Alice, brincávamos na sala quando Alice correu até a estante e puxou um porta-retrato.

— Esse é o Dudu — disse, animada.

Meu corpo reagiu antes da mente.

Na foto, um adolescente ao lado de Heitor. Um momento simples. Um sorriso despreocupado. O rosto iluminado pelo sol.

E então eu vi.

O sinal no canto do olho direito. O formato do sorriso. O tom da pele.

O ar deixou meus pulmões.

Era impossível.

Meu coração disparou de um jeito que não sentia há anos.

— Quem é ele? — perguntei, forçando um tom casual que não combinava com o caos interno.

— Nosso irmão mais velho — o Pedro respondeu. — Eduardo.

A palavra ecoou dentro de mim.

— Ele mora aqui? — perguntei.

— Mora — a Alice confirmou. — Mas agora está na escola.

Sorri. Ou algo parecido.

— Ele não parece muito com vocês.

— É porque tem outra mãe — disse Alice.

Guardei aquela imagem dentro de mim como quem segura um segredo perigoso demais para ser tocado.

Se aquilo não fosse apenas uma ilusão da minha mente…

Então a missão acabava de ganhar uma camada que nenhum protocolo previa.

Eu não estava apenas infiltrada na casa de Heitor Almeida Castro.

Eu estava prestes a conviver com o reflexo vivo de tudo o que me foi arrancado.

E, naquele instante, compreendi com uma clareza assustadora:

Se aquele garoto fosse quem eu temia que fosse…

Não existia treinamento suficiente no mundo capaz de me preparar para isso.

A missão tinha começado.

Mas era o meu coração que estava em território inimigo.

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