No dia do seu casamento, Vittoria De Angelis foi tirada do altar e forçada a se casar com o inimigo. Vincenzo Lucchese, o herdeiro afastado da máfia siciliana, retornou para vingar a morte do pai e do irmão. Tomou a noiva do rival diante de todos, selando com sangue a nova ordem de poder. Agora, Vittoria é sua esposa. Não por escolha. Mas por punição. Prisioneira de um homem que a ama, mas que agora não confia e não perdoa, ela descobre que fugir dele pode ser ainda mais perigoso do que amá-lo. Porque Vincenzo não quer obediência. Ele quer rendição. Quer vingança. E ela é sua garantia. E nessa guerra silenciosa entre eles, o amor pode ser a arma mais mortal de todas.
Ler maisO fim de tarde mergulhava Savoca, uma pequena e charmosa comuna italiana localizada nas colinas da Sicília, na província de Messina, em um espetáculo de tons dourados e âmbar, enquanto o sol se despedia lentamente no horizonte.
A cidade respira a primavera em cada sopro de vento, o ar exala um perfume sutil de flor de laranjeira e alecrim selvagem, aromas que se entrelaçam como velhos segredos no coração das colinas sicilianas.
Na luxuosa mansão da família De Angelis, o movimento é constante. Empregados correm de um lado para o outro, apressados, atentos a cada capricho do Don e de seus familiares.
Em um dos quartos mais suntuosos da casa, cercada por cortinas de linho e móveis entalhados à mão, Vittoria observa seu reflexo no espelho com olhar sereno, mas atento.
O vestido branco cai com perfeição sobre seu corpo, moldando cada curva com sutileza e elegância.
Os longos cabelos, meticulosamente penteados, emolduram um rosto de traços nobres e postura imperturbável.
No reflexo, não há hesitação, somente um olhar firme, calculado. Mais do que beleza ou vaidade, Vittoria exala controle.
Dizem que o casamento deve ser o dia mais feliz na vida de uma mulher.
Então, por que, ao encarar a própria imagem no espelho, tudo que ela sente é um vazio que nem o luxo ao redor consegue preencher?
— Você está deslumbrante, ragazza mia. — A voz grave de Don Alfonso surge atrás dela com a imponência de quem comanda mais do que uma casa, comanda um império.
Ela pisca devagar, como se despertasse de um pensamento profundo, mas não se vira de imediato.
Por um instante, permanece ali, contemplando o reflexo de uma noiva que não se sente dona do próprio destino.
— Você não parece feliz. — Comenta, com a voz baixa, mas firme, enquanto se aproxima da filha e a observa através do espelho.
— Isso me parece precipitado. — Vittoria responde, por fim virando-se lentamente para encarar o pai.
Seu olhar encontra o dele com firmeza, sem desrespeito, mas sem submissão. Havia coragem ali, a de quem aprendeu a se calar por anos, mas não a se curvar.
— Ragazza, por que isso agora? — Pergunta, tocando levemente o rosto da filha, o gesto suave contrastando com o peso da cobrança em sua voz. — Vocês estão juntos há seis meses e você concordou com o noivado.
As palavras não soam como uma acusação, mas como uma lembrança fria, inegável, impossível de contestar.
Um lembrete de que, mesmo sob o peso das expectativas, foi ela quem disse “sim”.
Uma prisão feita de silêncio, aparência e obediência, construída por ele e aceita por ela.
— Mas quando disse sim, não imaginei que estaria casada três semanas depois. — Retruca, com calma, sem elevar a voz, mas deixando claro o desconforto.
Ela estende a mão e pega a coroa que sustenta o véu, com movimentos precisos, quase mecânicos, como quem cumpre um ritual do qual não sente parte.
— Mia principessa. — Murmura, a voz baixa e envolvente, carregada daquela doçura calculada que só os homens perigosos sabem usar bem.
Ele pega a coroa com reverência, a mesma que um dia repousou sobre a cabeça da mãe de Vittoria, como se segurasse uma relíquia sagrada, símbolo de um império e não de um casamento.
— Esta união. — Continua, enquanto a segura diante dela. — Não é somente um compromisso. É a consagração do teu legado.
Com cuidado, ele a conduz de volta ao espelho e posiciona-se atrás da filha, pousando a coroa sobre os cabelos meticulosamente penteados.
Suas mãos descansam firmes sobre os ombros dela, como um lembrete silencioso de quem a moldou até ali.
— A partir de hoje, você estará sob a proteção das duas famílias mais poderosas de Savoca. E quando falarem seu nome, não será com ternura, será com respeito.
— O senhor quis dizer medo. — Corrige, com a voz contida, mas cortante como lâmina polida.
Ela mantém os olhos fixos no próprio reflexo, sem desviar, sem vacilar. Não havia ingenuidade ali, apenas a lucidez amarga de quem conhece os bastidores da própria linhagem.
— Lembre-se de uma coisa, ragazza. — Aconselha, virando-a abruptamente de frente para si, o olhar firme como pedra, perfurando o dela sem hesitação. — É melhor ser temido do que temer.
Ele deixa o silêncio se alongar por um instante, como se suas palavras devessem ecoar dentro dela como uma sentença sem argumentos, definitiva, indiscutível.
Então, sem pressa, inclina-se e beija sua testa com delicadeza, um gesto de carinho que mais parece uma marca.
— Então, levante a cabeça e agradeça a posição que ocupa. — Finaliza, com a tranquilidade de quem não sugere, mas ordena.
Vittoria somente assente com a cabeça, em silêncio, como se aceitasse mais uma peça colocada no tabuleiro.
Mas por dentro, algo se contrai, se tivesse a chance, desapareceria sem olhar para trás.
Ela permanece imóvel, o olhar fixo no espelho, observando seu reflexo em silêncio, até que a porta se fecha suavemente atrás de Don Alfonso.
Só então, o peso da solidão a invade por completo e, com ele, a certeza de que o nome que carrega é tanto uma coroa quanto uma prisão.
— Por que estou surtando? — Sussurra, encarando o próprio reflexo com um olhar perdido.
Mas as palavras mal deixam seus lábios antes que um sorriso amargo os substitua, torto, involuntário, quase cruel.
Uma risada incrédula escapa em seguida, seca e vazia, como se ela mesma não conseguisse sustentar a mentira que insiste em repetir.
Assim que o sino toca duas vezes nos jardins da mansão, Vittoria soube: era hora de partir.
Não para um conto de fadas, mas para selar um destino escrito por mãos que não são as suas.
Durante todo o trajeto até a residência dos Moretti, cada quilômetro é um golpe seco contra a pouca convicção que ainda tenta sustentar.
O vestido branco, impecável aos olhos do mundo, pesa como uma armadura feita de expectativas.
A ansiedade se acumula no peito, espessa, sufocante, e a vontade de abrir a porta do automóvel e desaparecer cresce a cada curva.
Ela aperta as mãos no colo, tentando conter o impulso de gritar. Está prestes a se tornar o símbolo de uma aliança poderosa, mas tudo que sente é que está sendo conduzida, lentamente, ao próprio cativeiro.
Vittoria vive cada instante como se não estivesse ali, como se fosse somente uma espectadora silenciosa, assistindo à própria vida de fora do corpo.
O mundo ao seu redor desfoca enquanto é conduzida pelo extenso tapete vermelho até o altar.
As flores, as luzes, os sorrisos, tudo parece parte de um cenário encenado para uma história que não lhe pertence mais.
Nem mesmo o sorriso largo de Enzo Moretti, seu noivo, consegue arrancar qualquer reação de seus lábios.
Ela o encara, vazia, enquanto os aplausos ecoam ao fundo como ruído distante.
Quando Don Alfonso entrega sua mão à de Enzo, o gesto é firme, solene. E naquele toque final, ela entende: ali termina o que restava de suas próprias escolhas.
A partir daquele instante, seu corpo pertence à aliança. Sua vida, ao pacto. E sua vontade ao silêncio.
A cerimônia segue com precisão impecável, elegante, comovente aos olhos dos convidados e fiel a cada tradição ancestral das famílias envolvidas.
Tudo acontece como deve acontecer: o sacerdote entoa suas palavras com reverência, os votos são trocados sob olhares atentos, e o silêncio respeitoso da multidão esconde os segredos enterrados sob aquele altar.
— Se alguém aqui presente tiver algo a dizer que impeça esta união, fale agora ou cale-se para sempre. — O sacerdote pergunta, sua entonação solene ecoando sob os arcos dourados do altar, elegantemente montado no centro do jardim.
— Tenho algo a dizer. — Diz uma voz firme, profunda e carregada de autoridade, fazendo o ar no jardim parecer parar por um instante.
E então, como se obedecessem a um comando invisível, todos se voltam na direção de quem ousou interromper.
Tommaso ergue os olhos na direção dela e se recosta lentamente na cadeira, cruzando os braços como quem se prepara para mais uma sessão de tortura.— Para começar, não temos intimidade para que me chame de Tom. — Tommaso corrige, de imediato, a voz firme e carregada de seriedade. — Para você, é Tommaso.— Ora, não seja tão rígido, Tom. — Insiste, arrastando o apelido de propósito. — Um homem sem senso de humor é um desperdício. — Acrescenta, avançando até a mesa com um sorriso astuto que denuncia o prazer de provocá-lo.— Senhorita Whitmore, não estou aqui para divertir ninguém. — Retruca, a expressão cada vez mais dura, como se cada palavra fosse um muro erguido entre eles.— Por que tanta formalidade? — Provoca, apoiando ambas as mãos sobre a mesa e inclinando-se sugestivamente. — Falando desse jeito, parece até que sou uma velha rica de Bath, cercada de gatos, porcelanas e escândalos de salão de chá. — Continua, o sorriso atrevido se abrindo em desafio. — Então me diga, Tom, eu par
Assim que Fabrizio cruza a porta, o olhar de Vincenzo se prende nele com a precisão de quem mede forças em silêncio, transformando o ambiente em um campo de tensão contida.— O que você está fazendo aqui, Fabrizio? — Vincenzo questiona, a voz carregada de ironia. — Não deveria estar em lua de mel neste momento?— Você sabe que aquele casamento foi apenas negócios, Don. — Fabrizio responde, com a calma de quem evita ceder à provocação. — Além disso, os homens me informaram que vocês estavam aqui. O que exatamente fazem neste lugar tão cedo?— Somente resolvendo algumas pendências. — Vincenzo devolve, sem oferecer nenhum detalhe concreto. — A propósito, Fabrizio. — Tommaso comenta, a voz tranquila, mas precisa. — Os documentos da última remessa ainda aguardam a sua assinatura.— Sei muito bem das minhas obrigações, Tommaso. — Fabrizio rebate, estreitando o olhar. — Mas há algo que exige a atenção do Don. Tenho motivos para acreditar que existe um traidor entre nós. Movimentos recentes
Vincenzo a segura pelos ombros com firmeza, obrigando-a a parar, os olhos cravados nela como se pudessem despedaçar cada resistência somente pela força da própria presença.— Que absurdo é esse? — Vincenzo dispara, a voz dura, recusando-se a ouvir aquela distorção doentia. — Você tinha oito anos, Vittoria. Oito. — Repete, com ênfase, os olhos fixos nos dela, obrigando-a a encarar a realidade. — Não era responsável por Giuliano, nunca foi. Você era apenas uma criança, e nenhuma criança carrega sobre os ombros o destino de outra vida. — Mas eu deveria ter carregado! — Vittoria rebate, a voz entrecortada pelos soluços. — Eu prometi, eu jurei diante da minha mãe que cuidaria dele, que o protegeria de tudo! — Prossegue, os olhos marejados, cada lágrima pesando como uma confissão. — Se ele se perdeu, é porque eu não fui suficiente, eu falhei, Vincenzo, falhei com ele, falhei com ela, falhei com tudo.— Basta, Vittoria. — Corta, a voz firme e cortante, como quem a arrasta de volta à realida
Vittoria sente o corpo recuar por instinto, como se a simples menção ao nome do irmão a atravessasse como um golpe certeiro.O coração dispara e o sangue parece gelar nas veias, os olhos se arregalam em descrença, vasculhando o rosto de Vincenzo em busca de qualquer indício de que aquilo seja somente um engano cruel.Mas não há ironia, apenas a confirmação silenciosa estampada no olhar dele.A respiração dela se torna curta, presa na garganta, e os dedos se apertam contra o colchão, buscando firmeza em meio ao caos.A mente insiste em rejeitar a ideia, repetindo que Giuliano sempre foi um garoto gentil, alguém incapaz de algo tão monstruoso.— Não. — Vittoria balbucia, a voz embargada, como se a garganta se fechasse e o ar lhe fosse arrancado. — Giuliano, não, ele não poderia, ele é só um garoto. O choro a domina de repente, intenso e sufocante, enquanto ela se agarra à negação como se fosse sua última defesa.Como pode o menino que ela jurou proteger a qualquer preço ser capaz de al
Vittoria sente o corpo estremecer, um arrepio deslizando por sua espinha como se a própria razão tentasse rejeitar aquelas palavras.Ainda assim, não encontra forças para fugir da verdade, não agora que ele, enfim, se dispõe a revelá-la.— Você tem medo do que está prestes a ouvir? — Vincenzo pergunta, a voz baixa, enquanto mantém o olhar cravado no dela. Vittoria somente inclina a cabeça em concordância, mas o olhar permanece firme, implorando em silêncio para que ele continue.— Prometa, Vittoria. Prometa que manterá as aparências, mesmo após encarar o inferno que esta cidade esconde. Porque a diferença entre sobreviver e ser devorada está na máscara que você escolhe usar.— Eu prometo. — Vittoria responde, com a voz baixa, frágil, quase um sussurro, mas carregada da certeza de que acabou de se render a uma verdade da qual não pode escapar.O olhar de Vincenzo permanece fixo nela por longos segundos, até que ele ergue a mão e toca de leve o rosto dela, não como quem reivindica, mas
Vincenzo acaricia o rosto dela, percebendo a confusão refletida em seus olhos, como se, em silêncio, ela lhe perguntasse o que realmente está acontecendo.— As coisas estão se desenrolando como eles planejaram, bella. — Vincenzo afirma, a voz baixa e segura. — Eles precisam acreditar que não percebo a manipulação, enquanto, na verdade, a cada peça que movem, eu já me posiciono à frente.— Eu não consigo entender. — Vittoria admite, a voz baixa, mas carregada de incerteza. — Onde está a estratégia em permitir que tudo aconteça exatamente como eles querem?— É justamente aí que reside a estratégia, bella. — Responde, cada palavra carregada de lucidez. — Quando acreditam que sigo o caminho traçado por eles, baixam a guarda, convencidos de que têm o controle. — Por favor, seja claro comigo. — Pede, a voz suave, mas carregada de urgência contida.— Há um traidor dentro da minha família. — Revela, enfim, deixando escapar um raro momento de abertura.Vittoria permanece imóvel por alguns segu
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