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Capítulo Quatro— Planos, Fachadas e Linhas Perigosas

Fechei a porta do apartamento com mais força do que pretendia.

O silêncio me recebeu como um peso conhecido. Aquele tipo de silêncio que não acalma — apenas amplia os pensamentos que eu ainda não estava pronta para enfrentar.

Joguei a bolsa sobre o sofá, tirei os sapatos e caminhei até a janela. A cidade se estendia diante de mim, indiferente, viva, pulsando em um ritmo completamente diferente do meu. Inspirei fundo, tentando organizar o turbilhão dentro da cabeça.

O encontro na academia não tinha sido parte do plano.

Nada naquela manhã tinha sido.

Heitor Almeida Castro não deveria ter surgido daquele jeito. Não ali. Não daquele modo. Muito menos daquele jeito específico — intenso, controlador, atento demais. A forma como ele me olhou ainda queimava sob a pele, como se tivesse ultrapassado uma linha invisível que eu jurava ter protegido.

Eu não podia permitir isso.

Sentimentos eram distrações. Distrações custavam caro.

Caminhei até a cozinha, servi um copo de água e o bebi de uma vez, como se aquilo fosse suficiente para apagar a lembrança do toque firme dele ao me segurar, do olhar avaliador, da preocupação real demais para um simples desconhecido.

— Foco, Myrthes — murmurei para mim mesma. — Ou Valentina. Tanto faz. Mas foco.

Abri o notebook na mesa da sala e liguei o celular logo em seguida. Se havia algo capaz de me trazer de volta ao eixo, era informação. E, para isso, eu tinha Carla.

Disquei o número de memória.

Ela atendeu no terceiro toque.

— Já ia reclamar que você sumiu — disse, sem preâmbulos. — Esse seu silêncio nunca é bom sinal.

— Preciso de você agora — respondi, direta. — Informações. Rápido.

O tom da minha voz foi suficiente para fazê-la mudar de postura.

— Quem é o alvo?

— Heitor Almeida Castro. Já conseguiu o que pedi?

Houve uma breve pausa do outro lado da linha. Longa o suficiente para eu imaginar Carla se ajeitando na cadeira, já acessando mil bancos de dados ao mesmo tempo.

— Sim, e ele parece ser bem interessante — ela disse. — Nome grande. Muito dinheiro. Pouca exposição pessoal.

— O que você tem?

— Ainda pouco. Mas já te adianto: ele não é só um empresário bem-sucedido.

Encostei as costas na cadeira.

— Nunca são. Vamos, desembucha logo.

Ouvi o som rápido de teclas.

— Heitor é CEO da Latina Engenharia Global, oficialmente uma multinacional do setor de construção e construção civil — Carla continuou. — Contratos governamentais, acordos com portos, aeroportos e empresas de construções. Atuam em toda a América Latina

Meu estômago revirou.

— Construção Civil… — murmurei.

— Exato. O tipo perfeito de fachada — ela completou. — A empresa foi fundada por Paulo de Arruda Teixeira.

O nome soou pesado mesmo antes de ela explicar.

— Figurão da elite brasileira — Carla disse. — Influência política absurda, trânsito livre em ministérios, relações internacionais suspeitamente eficientes.

— E Heitor?

— Tornou-se CEO há alguns anos. Assumiu tudo. Crescimento exponencial desde então. Ele é graduado em Engenharia Civil.

Fechei os olhos por um instante.

— Ele é casado?

— Oficialmente, sim. Com a filha do Paulo. Beatriz de Arruda Teixeira Castro Casamento discreto, poucas aparições públicas. Nenhuma exposição emocional.

Claro que não.

— Filhos?

— Dois. Ainda pequenos.

Meu coração bateu diferente dessa vez. Não por empatia — eu não podia me dar esse luxo — mas por estratégia.

— Isso melhora o jogo— murmurei.

— Mudou seu tom — Carla percebeu. — O que aconteceu?

— Cruzamos caminhos hoje — respondi, escolhendo as palavras. — Não da forma planejada. Foi um mero acaso. Mas o destino está a nosso favor.

— Como foi isso, Myrthes? — ela pergunta curiosa.

— Na academia. Ocorreu um acidente e ninguém menos que ele apareceu na minha frente para me socorrer.

— Mas você está bem?

— Foi só uma luxação no ombro. Ele me levou ao hospital e... acabou de me deixar em casa.

— Isso... parece tão inusitado e... perigoso — diz Carla.

Eu sabia.

— Preciso de mais — pedi. — Tudo. Rotina de todos da família, segurança, funcionários. Se possível um projeto da casa. E... informações da esposa

— Já estou nisso — ela garantiu. — Mas tem algo curioso.

— O quê?

— A esposa quase não aparece. Nenhum registro recente. Como se não existisse.

Abri os olhos lentamente.

— Então ele é casado… mas sozinho.

— Ou muito bem protegido — Carla rebateu. — Temos que ter cuidado.

— Sempre.

Desliguei a chamada alguns minutos depois, com a cabeça já trabalhando em um novo ritmo. O encontro tinha sido inesperado, mas talvez… útil.

Levantei da cadeira quando o celular vibrou novamente.

Número desconhecido.

Meu corpo inteiro entrou em alerta.

Atendi sem dizer meu nome.

— Valentina Cruz? — a voz masculina perguntou.

Meu coração acelerou por meio segundo a mais do que devia.

— Sim — respondi, firme.

— Aqui é Heitor Almeida Castro.

Claro que era.

— Espero não estar incomodando — ele disse, educado, mas havia algo por trás da formalidade. Uma segurança que não pedia permissão de verdade.

— Não — menti. — Em que posso ajudar?

— Consegui seu número hoje mais cedo — explicou. — Quando dei entrada na recepção do hospital. Precisei passar meus dados como responsável pelo atendimento.

Lembrei imediatamente. Eu tinha visto o funcionário pedir o contato. Ele tinha sido atento demais.

— Entendo — respondi.

— Queria saber como você está — ele continuou. — E… talvez conversar.

— Estou bem, obrigada. E... sobre o que quer conversar?

Houve uma breve pausa. Calculada.

— Tenho uma proposta de trabalho.

Meu corpo ficou imóvel.

— Trabalho? — repeti.

— Preciso de alguém de confiança para cuidar dos meus filhos — disse ele. — Uma babá. Mas não qualquer uma.

Engoli em seco.

— E por que eu?

— Porque você não entrou em pânico — ele respondeu. — Porque mesmo ferida, manteve a calma. Porque não fez cena, não tentou se aproveitar da situação… e porque lidou com tudo com uma dignidade que não se vê todo dia. 

Houve uma breve pausa. 

— Pessoas assim são raras.

O silêncio se estendeu por alguns segundos.

— Podemos conversar melhor pessoalmente — ele completou. — Na minha casa. Amanhã ou quando for melhor para você.

Minha mente já estava dez passos à frente.

Babá. Dentro da casa. Crianças. Rotina. Acesso.

— Onde seria? — perguntei, controlando cada inflexão da voz.

— Na minha residência. Fora da cidade. Posso enviar o endereço.

Respirei fundo.

— Amanhã não posso — respondi. — Mas podemos marcar outro dia.

— Claro — ele disse, sem pressão aparente. — Quando estiver disponível.

Desliguei a chamada com a mão levemente trêmula.

Fiquei parada no meio da sala, sentindo o peso daquilo tudo cair sobre mim.

Eu tinha passado semanas tentando encontrar uma brecha.

E ele tinha acabado de me abrir a porta da própria casa.

Sentei no sofá devagar, levando as mãos ao rosto.

— Babá… — murmurei, incrédula.

A ironia era quase cruel.

Eu sabia o que aquilo significava. Se aceitasse, estaria entrando no núcleo mais sensível da vida de Heitor Almeida Castro. Não como investigadora. Não como ameaça.

Mas como alguém invisível. Confiável. Essencial.

Peguei o celular novamente e abri um novo bloco de notas.

Plano de infiltração — Valentina Cruz.

As palavras ficaram abertas na tela por alguns segundos antes que eu conseguisse escrever qualquer coisa. Babá. A palavra parecia simples demais para o peso que carregava.

Cuidar de crianças.

Fechei os olhos por um instante e, contra a minha vontade, a memória veio.

O cheiro de leite morno. O peso pequeno e quente contra o meu peito. Os dedos minúsculos se fechando nos meus com uma força que não combinava com o tamanho do corpo. O som da respiração irregular de um recém-nascido dormindo, completamente dependente de mim.

Meu filho.

Engoli em seco, sentindo a garganta queimar.

Lembrei do jeito como eu o embalava de madrugada, andando de um lado para o outro, com medo de não conseguir dar conta. Do pânico constante de errar. 

E então lembrei do vazio.

Do dia em que ele me foi tirado. Da ausência de explicações. Do silêncio que veio depois. Do berço que ficou intocado. Das noites em que acordei achando ouvir um choro que nunca mais existiu.

Nunca mais tive notícias dele.

Depois disso, evitei crianças como quem evita um espelho quebrado. Não por indiferença, mas por sobrevivência. Não me permiti proximidade, nem laços, nem afeto. Era mais fácil manter distância do que abrir feridas que nunca cicatrizaram.

Babá.

A ironia era cruel demais.

Justo eu, que aprendera a viver com um buraco no lugar do instinto materno, agora sendo convidada a entrar numa casa cheia de risos infantis, rotina, dependência, confiança.

Passei a mão pelo rosto, respirando fundo.

Não era só uma missão. Era um gatilho.

Mas também era uma oportunidade.

Heitor não era apenas um alvo perigoso. Era inteligente. Observador. E havia algo nele que confundia instinto profissional com curiosidade pessoal. Um risco que eu conhecia bem demais.

Eu não podia me perder nisso.

Ainda assim, a verdade se impunha, incômoda e inevitável:

Entrar na vida dele como babá não era só a melhor opção.

Era a única.

Fechei o notebook e me recostei no sofá, encarando o teto, tentando conter o aperto no peito.

A partir daquele momento, nada seria simples.

Eu estava prestes a atravessar uma linha que não tinha volta — não apenas como investigadora, mas como mulher.

E, pela primeira vez em muito tempo, não era o medo que me mantinha acordada.

Era a saudade.

E a certeza de que o jogo tinha acabado de começar.

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