Milão cintilava sob as luzes da noite quando Valentina desceu os degraus da mansão em direção ao carro. Vestia um elegante vestido azul-marinho de seda, justo até a cintura e com decote discreto nas costas. O cabelo estava preso em um coque baixo e sofisticado, maquiagem impecável. Ela parecia uma verdadeira Moretti.
Mas por dentro, sentia o estômago revirar.
— Está deslumbrante — disse Enzo, esperando ao lado do carro, impecável em seu terno preto sob medida.
— Eu sei — respondeu, entrando sem esperar que ele abrisse a porta.
O evento da Fundação Belladonna era uma fachada — disso, Valentina não tinha dúvidas. Caridade sempre fora um disfarce conveniente para transações silenciosas. E se os Moretti estavam por trás do patrocínio, havia mais interesse ali do que simples filantropia.
Durante o trajeto, Enzo permaneceu em silêncio, concentrado nas mensagens do celular. Valentina observava os sinais da cidade passando pela janela — o brilho artificial, os rostos apressados, os sorrisos falsos dos outdoors. Tudo nela queria lutar contra aquele destino. Mas parte de si começava a compreender o jogo.
E ela era boa em jogos.
O salão do evento era um monumento ao luxo. Lustres de cristal pendiam do teto alto, refletores banhavam as paredes de dourado e música clássica tocava suavemente ao fundo. Casais riam, brindavam, fingiam empatia enquanto negociavam nas entrelinhas.
— Lembre-se — sussurrou Enzo, enquanto caminhavam juntos pela entrada —: aqui ninguém é quem parece ser. Incluindo eu.
Valentina respondeu com um leve sorriso.
— Perfeito. Eu também estou me divertindo fingindo ser alguém.
Foram recebidos por um casal de anfitriões — o embaixador Belladonna e sua esposa, uma mulher franzina de sorriso congelado. Enzo foi cordial, breve, e logo os conduziu para junto de um grupo de homens engravatados, todos com olhares clínicos e flertes velados de poder.
Valentina não foi ignorada. Muito pelo contrário. Os olhares a estudavam, testavam seus limites.
Um deles, o senhor Luigi Ferreti, um investidor conhecido por lavar dinheiro através de galerias de arte, fez questão de se aproximar.
— A nova senhora Moretti... Tão encantadora quanto dizem. — Seus olhos não paravam no rosto dela.
— E tão perigosa quanto preferem esquecer — respondeu Valentina, educadamente, mas com frieza.
Ferreti sorriu, satisfeito.
— Vejo que tem garras. O que uma mulher como você vê em um homem como Enzo?
Ela o encarou, o sorriso intacto.
— Poder. — Deu um gole no champanhe. — Mas o tipo de poder que não se compra. O tipo que se respeita... ou teme.
Enzo, ao lado, manteve a expressão impassível, mas Valentina percebeu o brilho de aprovação em seu olhar.
Mais tarde, enquanto circulavam entre mesas e cumprimentos, ela notou uma mulher parada ao longe, observando-a. Jovem, loira, belíssima. Vestia vermelho sangue e fumava com elegância desafiadora. Não sorriu. Não se aproximou. Apenas observou.
— Quem é ela? — perguntou Valentina, discretamente.
Enzo seguiu seu olhar e respirou fundo.
— Giulia Romano. Filha de um dos aliados antigos dos Moretti. Tive um envolvimento com ela no passado.
— Passado recente?
— Isso importa?
— Só se ela for um problema — respondeu Valentina. — E ela parece ser.
— Giulia sempre foi volátil. Inteligente. Mas não lida bem com rejeição.
Valentina sorriu levemente, sem tirar os olhos da mulher.
— Eu também não.
O jantar foi servido com pompa. Valentina estava entediada. Observava a mesa, memorizava nomes, associações, padrões de conversa. Era ali que o verdadeiro poder circulava — entre uma garfada e outra.
— Está lidando bem — comentou Enzo, entre uma taça de vinho e outra.
— Você esperava o quê? Que eu desabasse?
— Eu esperava que você observasse. E parece que está fazendo mais do que isso. Está entendendo.
— Estou me adaptando. Tem alguma coisa que você queira me dizer sobre este evento?
Ele a olhou com cautela.
— Esta noite marca o reinício de uma aliança antiga entre famílias. Algumas estão desconfiadas do nosso casamento. Outras acreditam que você é só uma fachada. Meu papel aqui é mostrar que não somos uma ameaça.
— E o meu?
— Mostrar que somos mais perigosos juntos do que separados.
Valentina assentiu, encarando sua taça.
— Então está tudo bem se eu jogar charme e medo na medida certa?
— Desde que saiba onde está pisando... sim.
Ao fim da noite, quando saíam do evento, Giulia interceptou os dois.
— Enzo — disse ela, com um sorriso frio. — Que surpresa vê-lo acompanhado.
— Giulia. — Enzo respondeu, contido.
Ela olhou para Valentina.
— Ouvi dizer que é a nova esposa. Espero que saiba no que está se metendo.
Valentina ergueu uma sobrancelha.
— Ouvi dizer que algumas pessoas não sabem perder.
Giulia sorriu de lado.
— Cuidado, querida. Neste mundo, a mulher que está ao lado de um homem como Enzo sempre paga o preço. Mais cedo ou mais tarde.
— E o que faz você pensar que eu não esteja disposta a pagar?
Giulia a mediu por um segundo a mais, depois deu um leve aceno e se afastou.
No carro, Enzo manteve-se em silêncio por alguns minutos. Por fim, disse:
— Você não precisava enfrentá-la.
— Claro que precisava. Não sou um enfeite. Sou sua aliada, lembra?
— Giulia é perigosa.
— E eu também.
Ele a olhou de lado, intrigado.
— Está gostando disso?
— Não. Mas estou descobrindo que talvez... eu seja boa nisso.
Chegaram à mansão pouco depois da meia-noite. Valentina tirou os brincos, os sapatos, o vestido, mas não tirou a máscara de controle. Nem por um instante.
Ao deitar-se, Enzo já estava no quarto. Dessa vez, não ficou no sofá.
— Esta noite — disse ele, de forma direta — você provou que é mais do que aparência. Muita gente a subestimou. E agora está com medo.
— Eu sempre soube que era boa nisso — respondeu ela, deitando-se com naturalidade.
— Em quê?
— Em fingir. E em observar. E talvez... em manipular.
Enzo apagou a luz.
— Então você está pronta para o que vem a seguir.
Valentina encarou o teto escuro.
— Não, Enzo. Eu nasci pronta.