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Capítulo 2 – A Noiva da Máfia

A papelada chegou dois dias depois.

Entregue por um mensageiro de terno escuro, sem uma única palavra, os documentos repousavam sobre a antiga mesa da biblioteca, ladeados por duas canetas-tinteiro e o brasão da família Moretti em relevo dourado no envelope principal. Valentina observou os papéis como se fossem serpentes prestes a dar o bote.

Seu pai havia sumido desde o dia anterior. Provavelmente, escondido no escritório, afogando-se em arrependimentos e uísque.

— Está tudo legalizado — comentou Giuseppe, que lia um dos documentos com a ajuda de seus óculos. — Casamento civil, partilha de bens limitada, cláusulas de rescisão. Tudo parece... cuidadosamente calculado.

— Claro que está — Valentina respondeu, amarga. — Enzo Moretti não dá ponto sem nó.

Ela pegou a caneta, respirou fundo e assinou a primeira folha. Depois a segunda. E a terceira.

Ao terminar, sentiu-se como alguém que assina sua própria sentença de prisão.

O casamento seria dentro de uma semana.

“Discreto”, segundo Enzo. Um evento apenas com membros estratégicos das duas famílias e algumas figuras do submundo milanês. Valentina não teria direito a um vestido de conto de fadas, nem a um salão repleto de flores. Em vez disso, vestiria um modelo sob medida da grife preferida de Enzo — elegante, minimalista, sem ostentação — e seria levada ao altar por um guarda-costas, já que seu pai alegara “problemas de saúde”.

— Ele está com vergonha — comentou sua tia Lucia, enquanto ajustava a barra do vestido. — Não consegue encarar o que fez com você.

— Eu não esperava mais nada — respondeu Valentina, encarando o espelho com frieza. — O homem que me criou não existe mais. Só restou um sobrevivente tentando salvar o que pode.

Lucia a olhou com pesar.

— E você, querida? Vai sobreviver?

Valentina não respondeu. Porque não sabia. Aquilo tudo parecia um teatro macabro, com ela como protagonista forçada.

O dia do casamento chegou cinzento e chuvoso.

Valentina chegou à igreja pontualmente, escoltada por dois carros pretos. Nenhum paparazzo na entrada, nenhum convidado curioso esperando do lado de fora. Tudo acontecia como um segredo bem guardado. Uma cerimônia entre monstros e herdeiros.

Ela caminhou pelo corredor central com passos firmes. A cada passo, lembrava-se da menina que sonhava em se casar por amor, com um homem que a respeitasse, cercada de amigos e risos. Agora, seu altar era guardado por seguranças armados, e seus votos seriam palavras frias ditas diante de testemunhas que podiam matá-la com um estalar de dedos.

Enzo a aguardava no altar, impecável, como sempre. Gravata cinza-prateada, olhos indecifráveis, mãos cruzadas à frente do corpo. Quando seus olhos se encontraram, Valentina não viu paixão, mas respeito. Um respeito estranho, silencioso, que talvez fosse o suficiente para começar.

— Está linda — ele sussurrou, assim que ela chegou ao seu lado.

— Eu sei — respondeu.

O juiz de paz, um homem grisalho de olhar cansado, conduziu a cerimônia com a precisão de quem preferia não se envolver demais. Votos curtos. Promessas que mais pareciam cláusulas de um contrato. E, ao final, a frase definitiva:

— Eu os declaro marido e mulher.

A igreja permaneceu em silêncio. Nenhuma salva de palmas, nenhum choro de emoção. Apenas o som da chuva contra os vitrais e o eco do inevitável.

Enzo se inclinou, tocando levemente os lábios nos dela. Um beijo frio, formal, mas carregado de algo indefinível. Quando se afastaram, Valentina teve a estranha sensação de que acabava de cruzar uma fronteira sem volta.

A recepção foi realizada em uma mansão afastada, pertencente aos Moretti. Música baixa, conversas murmuradas em italiano e francês, taças de champanhe tilintando entre acordos e alianças veladas. Valentina circulava pelo ambiente como se estivesse em um campo minado.

— Você é mais forte do que parece — comentou uma voz às suas costas.

Ela se virou. Uma mulher morena, belíssima, com olhos escuros e um vestido vermelho provocante, a observava com interesse.

— Bianca Moretti — apresentou-se, estendendo a mão. — Prima de Enzo.

Valentina apertou sua mão com firmeza.

— Valentina Mancini... Ou melhor, Valentina Moretti, agora.

Bianca sorriu.

— Os Moretti não costumam aceitar forasteiros, mas você tem presença. Vai sobreviver... se aprender rápido.

— Algum conselho?

— Nunca confie em ninguém. E nunca ame alguém como Enzo. Ele quebra tudo o que toca.

Valentina arqueou a sobrancelha.

— Você fala por experiência?

Bianca riu, como se escondesse mais do que dizia.

— Por observação. Enzo é um general. Ele não se apaixona. Ele conquista.

— Então ele não sabe com quem se casou.

A prima de Enzo se afastou, satisfeita com a resposta. Valentina terminou a taça de champanhe de uma vez só.

Naquela noite, quando finalmente entraram no quarto nupcial, Valentina estava exausta — física e emocionalmente. A suíte era luxuosa, mas impessoal. Enzo tirou o paletó, afrouxou a gravata e a observou por um instante, como se decidisse algo.

— Não estou aqui para forçá-la a nada — disse ele. — Esta é sua escolha: compartilhamos a cama ou dividimos o espaço. De qualquer forma, somos aliados agora.

— Obrigada pela cortesia — respondeu. — Por enquanto, prefiro dividir o espaço.

Ele assentiu, sem ofensa.

— Como quiser.

Enquanto Enzo desaparecia no banheiro, Valentina se jogou na cama, ainda vestida. O silêncio do quarto era estranho, incômodo. Ela pensou na mãe, que morreria se soubesse onde a filha havia chegado. Pensou no pai, covarde até o fim. E pensou em si mesma.

Agora, Valentina Moretti. A noiva da máfia.

E tudo aquilo era só o começo.

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