Alis sempre carregou consigo a delicadeza dos frágeis e a ingenuidade dos puros, mas sua alma trazia marcas profundas — cicatrizes de um passado onde a violência física e psicológica havia deixado raízes profundas. Quando o destino a força a vestir a pele de sua irmã gêmea, Liz — mulher de beleza afiada, espírito corrupto e mistérios tão densos quanto a noite —, Alis se vê enredada em uma trama que não consegue controlar. No papel de Liz, ela encontra Lucas, um empresário poderoso e implacável, cuja intuição lhe grita que aquela mulher não é a mesma que antes dominava seus dias e suas noites. Mas é tarde demais: ele se vê querendo protegê-la de seus próprios demônios, enquanto investiga seu passado, lentamente se apaixonando pela jovem doce e ingênua que está no papel de sua esposa. Entre mentiras, máscaras e ameaças sussurradas no escuro, Alis terá de lutar contra forças que ultrapassam seus limites, desafiando a própria sanidade para descobrir quem deseja matá-la — ou quem quer terminar o que começou com sua irmã.
Ler maisLiz pressionou suavemente o discreto botão na porta de sua limusine. O vidro fumê desceu devagar, e um sopro de ar quente, pesado e úmido como um suspiro cansado da cidade, invadiu o carro. Ela não se incomodou. Seus lábios se curvaram num sorriso enviesado, uma máscara de ironia e desprezo. Era quase inacreditável: a mulher lá fora — tão deslocada, tão patética — era sua irmã. Sua irmã gêmea.
Baixou os olhos para o dossiê repousando em seu colo: um amontoado de fotografias e anotações meticulosas que o detetive particular reunira. E ainda assim, por mais que a lógica a advertisse, algo dentro dela — talvez a vaidade, talvez a incredulidade — recusava-se a aceitar. Sim, os traços eram inegáveis: os mesmos olhos, o mesmo tom escuro nos cabelos. Mas enquanto Liz ostentava fios lisos e domados, a mulher à sua frente exibia cachos indomáveis, como se houvesse saído de um quadro esquecido do século XIX.
E o traje! Liz quase riu alto: blusa e saia longas, pesadas, sufocando-a sob aquele calor brutal. Parecia que o tempo a abandonara — ou talvez fosse ela quem se recusara a seguir adiante. Como alguém jovem, bela e esguia podia esconder-se sob tamanha austeridade? Nem mesmo as fotografias haviam preparado Liz para o choque. Era como ver um espelho rachado refletir uma versão insólita de si mesma.
Liz ajeitou-se no assento, saboreando uma pontinha de superioridade. Ela, que se disciplinava com dietas rigorosas e duas horas diárias de academia, via agora que sua irmã era ainda mais delgada, como se o próprio corpo se negasse ao prazer. Liz sorriu para si mesma. Mantinha as aparências, claro, para o marido... mas sobretudo para Dante. Ah, Dante, aquele demônio tão reverenciado pelas mulheres. Com Liz, contudo, ele se tornava um cordeirinho. Ela aprendera bem os seus truques — lições secretas vindas de Dunga, seu irmão de criação, seu cúmplice de tantas outras artimanhas. Sentiria falta deles... mas agora, havia uma última peça no jogo, e ela precisava mover-se rápido.
Respirou fundo, reuniu sua coragem e abriu a porta do carro. Os óculos escuros esconderam seus olhos calculistas enquanto cruzava o pátio da escola, onde sua irmã, sem a menor ideia do destino que se desenhava à sua volta, conversava com um grupo de adolescentes.
— Professora Alis? — chamou Liz, forçando uma doçura que não lhe era natural.
— Sim, posso ajudá-la? — respondeu a mulher, os olhos curiosos. Um detalhe chamou a atenção de Liz: uma pequena cicatriz na têmpora direita. "Nada que uma boa maquiagem não resolva", pensou, calculista.
— Com certeza poderá — disse Liz, com um sorriso enviesado. — Há algo que preciso discutir em particular...
— Claro, acompanhe-me até minha sala.
Conforme caminhavam, Liz ouviu uma garota sussurrar animada: "Ela é a cara da professora!" Liz reprimiu uma gargalhada. Jovem esperta. Sua irmã, em sua inocência pastoral, nem sequer percebera — talvez por causa dos óculos, que ocultavam metade de seu rosto. Mas os contornos dos lábios e o queixo firme eram marcas impossíveis de esconder.
A sala era um atentado aos sentidos refinados de Liz: paredes forradas de cartazes, desenhos, fotografias... vestígios do entusiasmo juvenil que tanto desprezava. "Que vida miserável", pensou com repulsa. Ela, que detestava crianças com fervor, sentia-se como uma leoa num curral de ovelhas.
— Sente-se, por favor — disse Alis, oferecendo uma cadeira simples.
Liz hesitou por um segundo, antes de acomodar-se com evidente desconforto.
— Em que posso ajudá-la? Você é mãe de algum aluno?
Liz quase se engasgou de indignação.
— Deus me livre! — exclamou, abrupta. — Estou aqui por... um motivo mais pessoal.
Alis franziu o cenho, e Liz viu-se refletida naquele gesto — uma lembrança viva, um eco esquecido de si mesma.
— Achei que me reconheceria, irmã... — sussurrou Liz, retirando devagar os óculos e revelando a face que era igual a de sua irmã.
– Você escutou isso? – perguntou Lucas, já abrindo a porta do carro. No segundo seguinte, saiu correndo em direção ao galpão, ignorando completamente os alertas de Alex.– É a voz da Alis, eu sei que é!– Tudo bem, amigo, mas você não vai entrar lá sozinho! Vamos esperar pelos reforços! – disse Alex, segurando-o pelo braço.Antes que pudesse convencê-lo, Lucas se desvencilhou e disparou em direção ao galpão.– ALIS! ALIS!!! – gritava ele, desaparecendo pela escuridão do lugar.– Maldito ricaço mimado... – murmurou Alex, frustrado, puxando sua Colt automática, calibre .38, com pente de 10 balas, debaixo do paletó.Para a surpresa de Lucas, quem estava ali não era apenas Brade, mas também Amélia — com uma perna enfaixada, vestida com o macacão cinza de presidiária. Olheiras profundas e cabelos desgrenhados apagavam qualquer vestígio da antiga socialite refinada.Brade agarrou Alis pelo braço e encostou o cano do revólver em sua têmpora.– É melhor não dar mais um passo ou estouro os mio
– Pare, não podemos chegar muito perto ou ele vai perceber – alertou Alex.– Será que é aqui? – perguntou Lucas, ansioso, encarando a paisagem pela janela.Segundo o monitor do carro, estavam na localização correta. Era o meio do nada. Um galpão velho, com uma porta lateral de madeira e um enorme portão metálico na frente. No passado, provavelmente servira como entreposto de carga para caminhoneiros. Agora, poderia ser o cativeiro de Alis e Liz?– Acho que sim... – disse Alex, olhando ao redor. – Vou ligar para a Central novamente, ver em quanto tempo chegam os reforços.– Não temos tempo para reforços – retrucou Lucas, impaciente.– Espera um pouco – disse Alex, tirando o celular do bolso. Mas o sinal estava ainda pior que na estrada. – Tem sinal no seu?Lucas entregou o próprio celular. Cartumis digitou rapidamente até conseguir completar a ligação.– Central, aqui é Alex Cartumis, distintivo número 856243. Responda!– Aqui é a Central, Tenente Cartumis – respondeu uma voz feminina.
O carro esportivo cortava a estrada com uma velocidade feroz, devorando o asfalto enquanto a paisagem se tornava cada vez mais árida e desolada. Atrás do volante, Lucas mantinha os olhos fixos à frente, o maxilar travado, as mãos apertando com força o volante. Ao lado, Alex Cartumis acabava de encerrar uma ligação que durara poucos segundos, mas que fora suficiente para acender em Lucas uma centelha de esperança — e, no instante seguinte, de angústia.– Era Alis? – perguntou Lucas, quase sem conseguir conter a ansiedade.Cartumis assentiu com um aceno contido, mas seus olhos estavam escuros.– Sim. Foi rápido. Ela tentou dizer algo, mas a ligação caiu. Acho que Brade pegou o celular. Não consegui entender nada. Só ouvi meu nome.– Mas ela estava viva? Você acha que ela está bem? – Lucas insistia, o tom cada vez mais desesperado.– Não deu pra saber. O problema maior é que perdi o sinal do celular da Liz logo em seguida – respondeu Cartumis, deslizando o dedo sobre o visor do tablet pr
A porta de aço se abriu com um estrondo metálico, fazendo o eco reverberar por todo o galpão escuro e úmido. A luz do sol da tarde, forte e abrasadora, invadiu o espaço como um facho de realidade num mundo sombrio. Alis e Liz se viraram ao mesmo tempo para a entrada. O som de passos pesados ecoou antes mesmo de Brade surgir com sua expressão endurecida, os olhos faiscando de irritação.Liz, assim que o viu, entrou em desespero.– NÃO! NÃO! – gritou, levantando-se cambaleante e correndo em direção à porta, numa tentativa instintiva de fugir.Mas Brade a interceptou com facilidade. Era um homem forte, grande, e Liz, mesmo desesperada, não tinha chance. Ele a agarrou com violência, puxando-a pelos cabelos e a jogando com força no chão de cimento.– FIQUE NO SEU LUGAR, DESGRAÇADA! – gritou ele, enquanto ela gritava e se debatia.Alis, horrorizada com a cena, sabia que não podia enfrentá-lo fisicamente. Mas viu a oportunidade. Amélia, entretida em assistir à violência, havia deixado os cel
– Eu não posso acreditar! Simplesmente não posso! É um pesadelo – disse Lucas, desacorçoado, sentado no sofá da sala de visitas de sua mansão, o mesmo lugar de onde Alis fora sequestrada. Policiais circulavam pelo ambiente, recolhendo depoimentos, analisando evidências. Dois paramédicos levavam Raul numa maca.– Como isso pôde acontecer?– Eu não sei – respondeu Alex, tão abatido quanto ele. – Fiquei o dia inteiro de olho em Liz. Ela conseguiu me despistar. Se eu estivesse aqui...– E agora, Alex? O que fazemos? – Lucas passou a mão pelos cabelos escuros, inquieto.– Se ele ainda estiver com Liz, talvez possamos rastreá-lo. Instalei um software espião no celular dela quando ela veio depor. Achei que pudesse tentar fugir. Só preciso de um tempo para montar uma equipe de...– Não temos tempo! – interrompeu Lucas, levantando-se bruscamente e tirando a chave do carro esporte do bolso. – Vamos agora! Você chama o reforço no caminho. Vamos com o meu carro. É mais rápido.Alis despertou com
O carro seguia a toda velocidade por uma estrada de terra cercada por árvores densas e galhos retorcidos. O silêncio no interior do veículo era opressor, cortado apenas pelo som dos pneus sobre o chão irregular e a respiração trêmula de Liz e Alis.Mas Alis não conseguia mais suportar aquilo. O medo estava ali, sim — latente, sufocante — mas havia também uma fagulha de coragem queimando dentro dela. Era agora ou nunca.Com um movimento súbito, ela se inclinou para a frente, agarrando o pulso de Brade com força, tentando desviar a arma que ele ainda segurava com a mão direita. O carro derrapou violentamente para o lado, quase saindo da estrada.— SUA MALDITA! — gritou Brade, lutando com o braço livre para manter o controle da direção enquanto Alis tentava arrancar a arma de suas mãos.— LARGA ESSA ARMA! — gritou ela, com os olhos cheios de raiva, os dedos fincados no braço dele com força inesperada.O carro balançava perigosamente. Liz gritava, presa no banco da frente, impotente diant
Último capítulo