Alis sempre carregou consigo a delicadeza dos frágeis e a ingenuidade dos puros, mas sua alma trazia marcas profundas — cicatrizes de um passado onde a violência física e psicológica havia deixado raízes profundas. Quando o destino a força a vestir a pele de sua irmã gêmea, Liz — mulher de beleza afiada, espírito corrupto e mistérios tão densos quanto a noite —, Alis se vê enredada em uma trama que não consegue controlar. No papel de Liz, ela encontra Lucas, um empresário poderoso e implacável, cuja intuição lhe grita que aquela mulher não é a mesma que antes dominava seus dias e suas noites. Mas é tarde demais: ele se vê querendo protegê-la de seus próprios demônios, enquanto investiga seu passado, lentamente se apaixonando pela jovem doce e ingênua que está no papel de sua esposa. Entre mentiras, máscaras e ameaças sussurradas no escuro, Alis terá de lutar contra forças que ultrapassam seus limites, desafiando a própria sanidade para descobrir quem deseja matá-la — ou quem quer terminar o que começou com sua irmã.
Leer másJá era madrugada quando os últimos convidados foram embora, e Alis e Lucas finalmente entraram na mansão. No hall principal, Dunga estava esparramado no sofá, com uma garrafa de uísque na mão, visivelmente bêbado. Sua mãe, sentada no outro sofá, parecia aborrecida.— Tudo o que eu pedi foi um pouco de educação na homenagem ao seu pai, Dunga. Nem isso você conseguiu! Pelo amor de Deus, Harry era seu pai. E era um grande homem.— É... rico. Mas gastou toda a fortuna com projetos sociais ou jogando, e nos deixou na lama, mamãe. Se ainda temos um teto sobre nossas cabeças, é por caridade do Lucas.— Ei, por favor, não me incluam nessa discussão — disse Lucas, lançando um olhar de soslaio para Alis, como se esperasse que ela comentasse algo. No entanto, algo mais chamou a atenção.Vanessa descia as escadas às pressas, com o bebê Lucas nos braços, bastante agitado.— Oh, graças a Deus. Já não sabia mais o que fazer, e a festa parecia interminável. O bebê está com febre, não sei o que ele te
A homenagem a Harry Eagleton, o pai de Liz, acabou se tornando uma grande festa. Havia um palco montado no jardim e várias mesinhas redondas e cadeiras espalhadas por um grande piso de madeira montado sobre a grama do jardim.No palco, havia uma grande foto numa tela. Embora Alis nunca tenha realmente encontrado o pai de Liz, identificou-o imediatamente, afinal, ele fora o p refeito por algum tempo e as pessoas costumavam falar do ‘tempo em que o inglês mandava’, uma referência a gestão do velho Eagleton que tinha como projeto de vida, o apoio as causas sociais.Quando as pessoas começaram a chegar, Alis ficou apreensiva, por não reconhecer ninguém, mas por sorte, ficou ao lado de Amélia, mãe de Liz, durante todo o tempo. A elegante viúva tomava a iniciativa em cumprimentar as pessoas, geralmente pelo nome. Alis então a imitava, fingindo conhecer cada um deles.Tudo saiu muito bem, com exceção de uma mulher ruiva que quando apertou a mão de Alis colocou força descomunal machucando sua
Durante a noite, Alis escutou novamente o barulhinho do bebê Lucas Jr. e levantou-se para vê-lo. Como da outra noite, abafou a escuta da babá eletrônica com uma fralda. Ninou-o nos braços por quase uma hora e depois deixou-o no berço, contemplando a beleza do menino. Não havia conhecido o tal Dr. Dante, mas para ela, o menino tinha os olhos de Lucas.Lucas parecia amar muito o bebê. Seria uma grande tristeza para ele descobrir a verdade. Depois de se certificar de que o menino dormia, Alis retirou a fralda da babá eletrônica e abandonou o quarto em silêncio.O dia começou intenso naquela quinta-feira. Pela janela do quarto, Alis percebeu que no jardim da mansão, alguns homens montavam uma área e um conjunto de pessoas ensaiavam músicas em violinos, violoncelos, piano e flauta. Provavelmente a homenagem ao seu pai seria um grande evento.Depois de arrumar a cama, resolveu tomar uma ducha bem rápida. Saía do banheiro vestida apenas de toalha quando percebeu a presença de Lucas no seu qu
Quando a limusine parou em frente à escola, Alis hesitou. Vestia um vestido elegante, mas não tão exagerado quanto o que sua irmã usara no dia anterior. Entretanto, alguns de seus alunos poderiam reconhecê-la.“Bem, se me reconhecerem, direi que sou Liz, irmã gêmea de Alis”, pensou Alis e estufando o peito para tomar coragem, saiu da limusine, cruzou o pátio dianteiro da escola, onde dois meninos brincavam e entrou na escola pelo corredor principal. Por sorte, estava completamente vazio. Nesse horário, os alunos e professores deveriam estar nas salas de aula.Quando escutou um barulho de conversas atrás de si, apertou o passo e entrou em sua sala. Levou um susto. Sua irmã, vestida com uma saia curta que Alis nunca vira antes, estava lendo uma revista com os pés sobre a sua mesa.- Liz?Liz automaticamente desceu os pés e olhou incrédula para Alis.- O que diabos você está fazendo aqui? – falou Liz num tom muito diferente do que ela usara durante todo o dia anterior.- Bem... – Alis he
Foi fácil descobrir onde era a sala de jantar, bastou escutar o tilintar dos pratos e talheres, mas Alis ficou um pouco apreensiva ao entrar na sala, por ver que todos já almoçavam. Na mesa, Lucas estava sentado a cabeceira. No lado direito, havia um lugar vago que provavelmente seria para Liz. Defronte ao lugar de Liz, uma senhora de meia idade estava sentada. Era a mãe de Liz, uma mulher muito elegante, magra, de cabelos louros e olhos verdes, muito parecida com Dunga que estava ao seu lado.- Com licença – falou Alis e sentou-se ao lado de Lucas. A comida era muito estranha e toda enfeitada e teve um pouco de dificuldade em saber o que fazer. Mas, observando Lucas, comeu o que podia, saboreando os pratos.- Que bom que resolveu se juntar a nós, querida – falou Amélia, mãe de Liz. – Você está tão magra. Deve parar com essa dieta. Há dias que não vejo você comer com tanto gosto quanto agora.- Está tudo delicioso...er... mãe.. – falou Alis, sorrindo, mas percebeu que cometera uma gaf
Alis não despertou tão cedo, algo incomum para ela. A noite anterior fora como um bálsamo: os lençóis tinham a textura do conforto, os travesseiros exalavam um aroma delicado e envolvente. Até mesmo o tempo que passou com o sobrinho havia sido leve e agradável. No entanto, nada superava a serenidade que advinha da ausência de Brade, seu marido. A vida ao lado dele era um constante turbilhão de tensão e violência.Brade nunca dava trégua. Se o jantar não estivesse pronto, ele gritava. Se algo não saísse conforme suas expectativas, ele a insultava ou, pior, a agredia. Nem mesmo a noite era poupada de sua brutalidade. Quando ela se recusava a ceder, ele ignorava, tornando-se ainda mais cruel. Alis, então, aprendera a calar-se, a sucumbir em silêncio à violência física e psicológica que se tornara parte de sua rotina.No começo, tentou resistir. Chegou a buscar ajuda, mas Brade tinha aliados nos lugares certos. Seus amigos na Delegacia da Mulher riam de suas queixas, transformando suas ma
Ainda no corredor, os ecos das palavras de Lucas com Vanessa chegaram aos ouvidos de Alis, carregados de uma dureza que a incomodava.— Não se esqueça de ativar a babá eletrônica, Vanessa. Não confio nem um pouco em deixar Liz perto do bebê. Você sabe do que ela é capaz.— Mas ela nunca se aproxima, seu Lucas. Não sei por que hoje decidiu pegá-lo no colo...O nó no peito de Alis apertou-se. Confusa e magoada, retornou ao quarto, incapaz de processar o que ouvira. A ideia de que Liz não chegava perto do bebê parecia uma mentira grotesca. Algo estava errado. A irmã falara dele com tanto carinho, como só uma mãe apaixonada poderia fazer. E que mãe suportaria estar afastada de seu próprio filho? Alis sentiu de novo aquele amor desarmado pelo sobrinho, o desejo de protegê-lo, de fingir, ainda que brevemente, que ele era seu.Perdida em pensamentos, não notou quando a porta se abriu. A presença de Lucas preencheu o espaço, e sua voz cortou o silêncio:— O que está acontecendo, Liz?A pergun
Depois de ligar para a irmã, mesmo enfrentando a irritação de Liz, Alis sentiu um alívio tímido pousar sobre o peito inquieto. Ao menos, sua irmã estava bem. Essa certeza, ainda que frágil, trouxe uma leveza que a fez lembrar-se de seu sobrinho. Um sorriso desenhou-se em seus lábios, e ela soube: era tempo de vê-lo.Com passos cuidadosos, abriu a porta do quarto e lançou um olhar furtivo para o corredor deserto. A casa silenciava, e a ausência de movimento a encorajou. Cruzou o corredor em direção ao quarto do bebê e abriu a porta com uma delicadeza quase reverente. O ambiente era uma poesia em azul: paredes decoradas com ursinhos e anjinhos, um refúgio celestial. No centro, o berço acolhia Lucas Jr., o menino que parecia pertencer a outro mundo.Os olhos verdes, como esmeraldas líquidas, eram um reflexo do pai; os cabelos negros e a pele morena, uma herança inegável da mãe. Alis ficou ali, suspensa no instante, contemplando a perfeição do sobrinho que brincava com um pequeno chocalho
No piso superior, o corredor se desdobrava em um grande hall, como um abraço silencioso que convidava ao desconhecido. Sofás acolhedores, pufes macios e plantas cuidadosamente dispostas conferiam ao espaço uma aura de serenidade. Alis podia ouvir vozes ao longe, mas elas flutuavam no ar como murmúrios indecifráveis, sem revelar sua origem. Com passos hesitantes, percorreu o corredor iluminado por uma luz suave.A primeira porta estava entreaberta, e Alis espiou por uma fresta tímida. O quarto era vasto, quase imponente, com uma cama no centro, onde repousava um paletó dobrado com precisão. Havia ali outra porta, também entreaberta, de onde escapava uma fina névoa de vapor. Alis deduziu que alguém estava no banho. Seria aquele o quarto do marido de Liz?Quase em frente, do outro lado do corredor, uma porta menor exibia uma placa alegre e colorida com letras que formavam o nome: Lucas Jr. A foto de uma carinha infantil sorria ali, convidativa. Alis sorriu de volta, imaginando o sobrinho