Durante cinco anos, Camila Nogueira construiu sua vida sobre um único e sólido alicerce: o amor por Felipe. Ele não era apenas seu noivo; era seu futuro, seu confidente, a promessa de um final feliz que a protegia de qualquer coisa. Por ele, ela estava disposta a enfrentar tudo, inclusive a própria família, que se afogava em ruínas e, em seu desespero, lhe apresentou a proposta de entregar sua vida a um estranho para salvar a todos. A oferta era um casamento arranjado com o desconhecido e poderoso Arthur Vasconcelos. Camila recusou com fúria, defendendo com unhas e dentes o homem que amava contra as acusações de seus pais. Cega pela lealdade, ela rompeu com sua família e correu para o único porto seguro que conhecia, pronta para começar uma nova vida ao lado de Felipe. Mas o que encontrou foi uma cena devastadora. Em seu próprio ninho de amor, Felipe estava na cama com a tia de Camila, a mulher que fora sua segunda mãe e conselheira. A traição dupla estilhaçou cinco anos de história e destruiu sua fé na família, na lealdade e no amor. Sem chão e sem ter para onde voltar, Camila se viu diante dos escombros de sua vida. Foi nesses cacos que a proposta de Arthur Vasconcelos deixou de ser uma ofensa e se tornou sua saída. Esgotada de sentimentos que só lhe trouxeram dor, ela aceitou o acordo, trocando a liberdade de um coração partido pela segurança de uma gaiola dourada, sem imaginar que a convivência com seu novo e controlador marido seria muito mais perigosa do que a traição que a levou até ele.
Ler maisCAMILA NOGUEIRA
O ar na sala de estar de casa estava quase irrespirável. Eu sentia uma sensação ruim, parecia que algo terrível estava para acontecer naquele silêncio de velório. Meu pai, Roberto, um homem que sempre foi o retrato da confiança, agora parecia uma sombra de si mesmo. Ele andava de um lado para o outro, como um bicho na jaula, e só parava para encarar a garrafa de uísque, lutando com a tentação de beber. Minha mãe, Luzia, estava encolhida na ponta do sofá, apertando as próprias mãos com tanta força que os dedos estavam brancos. Eles tinham me mandado uma mensagem pedindo uma “conversa importante”. Só pelo tom, eu já tinha ficado com o pé atrás. Agora, olhando para eles, eu tive certeza que não era uma conversa, era o anúncio de um problema muito grande. — Então? — quebrei o silêncio. — Vão me dizer o que aconteceu ou vão me deixar aqui morrendo de curiosidade? Meu pai parou de andar. Quando ele me olhou, eu vi o tamanho do estrago nos olhos dele. O orgulho, a autoridade, a confiança, tudo tinha sumido. Só o que sobrava era um cansaço profundo. Ele abriu a boca, mas foi minha mãe quem falou. — Filha, a gente... precisa que você ouça com a cabeça no lugar. E com o coração aberto. — Mãe, você tá me assustando — respondi, sentindo um medo gelado tomar o lugar da impaciência. — O que aconteceu? — A gente quebrou, Camila. — Meu pai finalmente falou. A gente quebrou? Soava ridículo, uma piada sem graça. A família Nogueira não podia quebrar. Nós éramos sinônimo de grana e sucesso. A empresa do meu pai era uma fortaleza. Eu dei uma risadinha nervosa. — Isso é... algum tipo de brincadeira? Pai, se isso é pra me ensinar a ser humilde, é de péssimo gosto. — Quem dera fosse brincadeira — disse ele, se jogando na poltrona como se não tivesse mais forças e escondeu o rosto nas mãos. — Acabou, filha. Tudo. Investi errado, confiei em gente que não devia... foi uma bola de neve. As dívidas são gigantescas. A gente vai perder esta casa. A empresa já era. Acabou. Meu chão sumiu. A segurança que eu sempre tive na vida simplesmente evaporou, me deixando sem ar. Faculdade, carro, planos... tudo dependia deles. Minha mãe sentou do meu lado e pegou minha mão. — A gente sabe que é um choque, querida. Mas... tem uma solução. Uma única solução. — Que solução? — A família Vasconcelos — disse minha mãe, como se estivesse falando de deuses ou demônios. — Eles são nossos parceiros mais antigos. E sabem da nossa situação. Meu pai levantou a cabeça. A vergonha no rosto dele era tanta que eu mal conseguia olhar. — Arthur Vasconcelos fez uma proposta. Ele cobrirá todas as nossas dívidas e vai investir na empresa. Um pingo de alívio surgiu no meu peito, mas logo foi esmagado pela dúvida. — E o que ele quer em troca? Porque nenhum Vasconcelos faz esse tipo de caridade. O silêncio voltou, ainda mais suspeito. Minha mãe apertou minha mão, com seus olhos me implorando por alguma coisa. — Ele quer uma aliança — disse ela, medindo as palavras. — Uma fusão. Pra fechar o acordo... ele propôs um casamento. Eu puxei minha mão de volta como se tivesse levado um choque. Olhei pra ela, depois pra ele, e a ficha começou a cair, me dando enjoo. — Casamento? — repeti, a palavra soando estranha na minha boca. — Com você, filha — confirmou meu pai. — Ele quer casar com você. A ideia era tão absurda, tão medieval, que meu cérebro se recusava a aceitar. De repente, uma vontade de rir de nervoso subiu pela minha garganta e eu gargalhei. — Vocês estão loucos — falei, me levantando em um pulo. A risada sumiu, dando lugar a uma raiva que queimava por dentro. — Vocês dois piraram de vez! Estão me dizendo que a solução é me vender pra um cara que eu nem conheço? — Não fale assim, Camila! — minha mãe se levantou também. — Não é uma venda, é a nossa salvação! Você não entende? — Eu entendo perfeitamente! — gritei, apontando para a sala. — Entendo que vocês querem jogar a minha vida no lixo pra salvar os móveis e o status de vocês! E o Felipe? Esqueceram que estamos noivos? Quando eu falei o nome dele, o rosto do meu pai se fechou. — Felipe? Aquele aproveitador não tem onde cair morto. O que você acha que ele vai fazer quando descobrir que o papai aqui não tem mais um centavo pra bancar os luxos de vocês? — Ele me ama! — defendi, sentindo meu peito doer. — O Felipe está comigo por quem eu sou, não pelo seu dinheiro! Ele é um cara bom, honesto, coisa que vocês nem lembram mais o que é! — Honesto? — minha mãe se meteu. — Camila, por favor, escuta a gente. Esse rapaz não presta. Ele te engana com esse papo bonito, mas só está de olho no que a gente pode dar. Nós vemos isso, por que você não vê? Aquilo foi o limite. Além de falidos, além de quererem me vender, ainda tinham a coragem de atacar a única coisa boa na minha vida. — CHEGA! — berrei, com a voz rouca de raiva. — Não quero ouvir mais nada. Vocês não vão me usar de moeda de troca. Não vão destruir a MINHA vida pra consertar a merda que VOCÊS fizeram! Virei as costas e marchei para o meu quarto. — Camila, espere! — minha mãe veio atrás de mim e segurou meu braço. — Não faz isso. Pensa na nossa família. — Minha felicidade também é importante! — me soltei dela. — E eu não vou passar o resto da vida presa a um estranho. Eu vou ficar com o Felipe. A gente vai dar um jeito, construiremos nossa vida juntos com amor e esforço. Entrei no quarto e bati a porta. Sem pensar duas vezes, peguei minha mala e joguei na cama. Com as mãos tremendo de adrenalina, comecei a enfiar minhas roupas de qualquer jeito lá dentro. Minha mão parou em cima do porta-retratos na cabeceira. Uma foto minha e do Felipe na praia, sorrindo. Olhar aquela foto me deu força. Meus pais estavam errados. O Felipe ia provar isso. Peguei minha bolsa, a mala e abri a porta. Minha mãe estava parada no corredor, arrasada. — Por favor, filha, não vai. Você está cometendo um erro terrível. O Felipe não é quem você pensa que ele é. — É mesmo, mãe? Descobri hoje que as únicas pessoas que não são quem eu pensava são vocês — falei, com a voz fria. Passei por ela sem olhar pra trás. Desci as escadas, passei pelo meu pai, que continuava sentado, paralisado, e abri a porta da frente. Joguei a mala no banco do carona e dei a partida. Enquanto eu me afastava da casa onde cresci, eu não sentia tristeza. Só uma raiva determinada. Eu estava indo para o meu verdadeiro lar. Para os braços do homem que me amava e que ia me proteger de tudo aquilo. Eu estava completamente enganada. Mas, naquele momento, enquanto pisava fundo em direção ao apartamento do Felipe, eu não fazia ideia da cena que ia encontrar.CAMILA NOGUEIRA Os três dias que antecederam meu casamento foram os mais longos da minha vida. No mesmo dia em que assinei o acordo, um motoboy entregou um envelope preto em minha casa. Dentro havia um cartão de crédito de metal e sem limite. Minutos depois, meu celular vibrou com uma mensagem de um número desconhecido: "Compre o necessário." A assinatura era apenas "Arthur".Passei os dias seguintes em um transe, executando as tarefas para a minha própria venda. Comprei um vestido. Não um vestido de noiva, mas era formal. Era de um branco gelo, de corte reto, elegante e completamente desprovido de alegria. Comprei sapatos, uma bolsa, e em nenhum momento senti nada além de um cansaço profundo. Meus pais andavam na ponta dos pés ao meu redor, a gratidão e a culpa alternando em seus rostos. Tinham medo de falar qualquer coisa que pudesse me fazer mudar de ideia. Só teriam paz quando me vissem casada.Para a sorte dele, o grande dia chegou. O cartório, no centro de São Paulo, era um
CAMILA NOGUEIRA Voltar para a casa dos meus pais foi menos humilhante do que imaginei. O café da manhã do dia seguinte foi silencioso. Meus pais me olhavam com alívio e medo de que eu mudasse de opinião. Eles não fizeram perguntas sobre por que voltei atrás, e eu não ofereci nenhuma explicação. O acordo tácito era que o nome “Felipe” jamais seria pronunciado novamente naquela casa. Depois da minha ligação na noite anterior, meu pai apenas disse que marcaria uma reunião com Arthur. Eu o interrompi. “Não, pai. Eu mesma vou.” Se era para eu ser o sacrifício, eu mesma me entregaria no altar. O prédio da Vasconcelos Corp era um monstro de vidro e aço que perfurava o céu, e fazia todo o resto da cidade parecer pequeno. Enquanto eu subia pelo elevador panorâmico, sentia os olhares dos executivos sobre mim, tentando adivinhar quem era a garota que tinha uma reunião marcada no último andar, o Olimpo onde habitava Arthur Vasconcelos. Respirei fundo e segui até a mesa da secretária. E
CAMILA NOGUEIRA Eu não sabia para onde estava indo, apenas que precisava continuar em movimento, como se parar significasse permitir que a dor me alcançasse e me engolisse por inteira. Cada farol vermelho era uma pausa forçada na minha fuga, um momento em que a imagem deles, na cama, voltava com força. As palavras cruéis que eles atiraram em mim se repetiam na minha cabeça, um loop infernal de humilhação. “Melhor de cama que você.” “Vida sexual frustrante.” “Agora que a Lúcia me contou sobre a situação dos Nogueira…”. Fui descartada quando meu valor de mercado despencou. Depois de rodar por horas, o tanque de gasolina quase vazio e meus olhos ardendo de tanto chorar, a exaustão finalmente venceu. Avistei a placa de um hotel de beira de estrada, com um letreiro onde a letra “H” piscava em um ritmo doentio. Parei o carro no estacionamento mal iluminado. O recepcionista mal me olhou, pegou meu dinheiro e me entregou um cartão-chave de plástico. O corredor cheirava a cigarro velho
CAMILA NOGUEIRA Com a raiva me servindo de combustível, o caminho até o apartamento do Felipe pareceu levar mais tempo. Cada semáforo fechado era uma tortura, cada carro lento na minha frente, era um inimigo. Eu só queria chegar, me jogar nos braços dele e deixar que ele me dissesse que tudo ficaria bem, que meus pais eram os loucos e que o nosso amor era a única coisa que importava no mundo. Estacionei de qualquer jeito na vaga em frente ao prédio, peguei minha mala e a bolsa, pronta para construir nossa nova vida. Subi os lances de escada com o coração martelando, continuava furiosa pela briga, mas estava ansiosa para vê-lo. Peguei a chave reserva que ele me deu e a enfiei na fechadura. Girei devagar, querendo fazer uma surpresa, imaginando o sorriso dele ao me ver ali, de mala e tudo, pronta para começar nossa história de verdade, longe de tudo e de todos. Empurrei a porta e entrei. O apartamento estava silencioso. — Felipe? Amor? — chamei, deixando a mala perto do sofá. Nen
CAMILA NOGUEIRA O ar na sala de estar de casa estava quase irrespirável. Eu sentia uma sensação ruim, parecia que algo terrível estava para acontecer naquele silêncio de velório. Meu pai, Roberto, um homem que sempre foi o retrato da confiança, agora parecia uma sombra de si mesmo. Ele andava de um lado para o outro, como um bicho na jaula, e só parava para encarar a garrafa de uísque, lutando com a tentação de beber. Minha mãe, Luzia, estava encolhida na ponta do sofá, apertando as próprias mãos com tanta força que os dedos estavam brancos. Eles tinham me mandado uma mensagem pedindo uma “conversa importante”. Só pelo tom, eu já tinha ficado com o pé atrás. Agora, olhando para eles, eu tive certeza que não era uma conversa, era o anúncio de um problema muito grande. — Então? — quebrei o silêncio. — Vão me dizer o que aconteceu ou vão me deixar aqui morrendo de curiosidade? Meu pai parou de andar. Quando ele me olhou, eu vi o tamanho do estrago nos olhos dele. O orgulho, a a
Último capítulo