A exatos oito anos, Helena deixou tudo para trás, a cidade pequena, os sonhos e, principalmente, Víctor, o único homem que ela amou. Fugiu acreditando que o tempo apagaria as cicatrizes e que a vida seria mais generosa em outro lugar. Mas o tempo não apaga tudo. Agora, divorciada, falida e com um filho pequeno pela mão, ela não tem escolha a não ser voltar. Voltar para a cidade que a julgou. Voltar para as lembranças que tentou esquecer. Voltar para os olhos de Víctor, que ainda ardem como fogo toda vez que cruzam os dela. Ele, agora um homem feito, aprendeu a enterrar os sentimentos. Mas quando vê Helena de novo, percebe que alguns amores não morrem, apenas adormecem. E, às vezes, basta um olhar para despertá-los. Entre segredos, mágoas e um amor que nunca deixou de existir, Helena terá que decidir se está pronta para enfrentar o passado… e, talvez, descobrir que o seu verdadeiro lar sempre esteve nele.
Ler maisA chuva caía fina naquela madrugada em que Helena foi embora.
Ninguém na cidade soube explicar direito. Nem mesmo Víctor. Um bilhete amassado sobre a mesa, malas jogadas no banco traseiro de um carro velho, e um coração deixado para trás, era só isso que restara. Ele ficou parado no meio da rua, de camiseta e pés descalços, vendo o carro desaparecer na curva da estrada. O gosto amargo da perda queimou sua garganta, mas o orgulho falou mais alto. Ele não correu atrás. Ela não teve nenhuma consideração por ele. Helena, dentro do carro, segurava o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Chorava sem fazer barulho, como se engolir aquele choro fosse a única forma de sobreviver. Ela nem sabia se conseguiria. Não olhou para trás. Não podia. Se olhasse, não teria coragem de ir. Foi morar com uma tia em outra cidade. O tempo passou. Ela se casou e teve um filho. Os anos vieram como ondas, levando e trazendo memórias. Ele tentou seguir, ela tentou esquecer. Nenhum dos dois conseguiu. Seu casamento fracassou, seu ex-marido ficou com a empresa que ambos lutaram tanto para se tornar um sucesso. Agora, oito anos depois, o mesmo céu cinzento anunciava chuva quando Helena voltou. A cidade estava completamente igual às suas lembranças, era incrível como no interior as coisas nunca mudavam. As mesmas casas, as mesmas pessoas… Só que desta vez, ela não estava sozinha. Do banco de trás, um par de olhos castanhos a observava com curiosidade, mas ela não poderia responder suas perguntas, porque nem ela mesma sabia as respostas… FLASHBACK- OITO ANOS ATRÁS A música alta da festa não conseguia abafar a voz de Laura. Ela sorria com aquele ar de falsa inocência que Helena só aprenderia a decifrar anos depois. — Você acha mesmo que ele só tem olhos para você? — Laura inclinou a cabeça, o brilho de deboche nos olhos. — Você é tão ingênua, Helena. — O que você quer dizer com isso? — Helena tentou soar firme, mas a voz saiu trêmula. — Quer mesmo saber? — Laura se aproximou, o perfume doce sufocando. — Ontem à noite, ele me beijou. Foi como se o chão sumisse. — Mentira… — sussurrou, mas soou mais como um pedido desesperado do que como uma certeza. — Acha que eu preciso mentir? — Laura ergueu uma sobrancelha. — Ele é homem, Helena. E homens não esperam por meninas confusas. Helena sentiu o coração bater tão forte que doía. As palavras de Laura rodavam em sua mente como um veneno. Ela tinha se entregado a um canalha! Ela não esperou o fim da festa. Não procurou por Víctor, não pediu explicações. Não queria ouvir mentiras. Correu para casa, arrumou a mala com as mãos trêmulas e, antes do amanhecer, pegou a estrada, com o velho Ford azul que seu pai lhe deu de presente de formatura. Enquanto o carro se afastava rapidamente, ainda pôde ouvir o grito do Víctor, parado no meio da rua, mas não olhou para trás. Naquela noite, ela deixou para trás a cidade, os sonhos e o único amor da sua vida. E, nos anos seguintes, aprendeu a enterrar aquela dor, ou, pelo menos, fingiu que tinha aprendido.No sábado, acordei ainda com os olhos inchados. Tentei esconder as marcas do choro com maquiagem, mas dentro de mim não havia corretivo que disfarçasse o vazio. Meu coração ainda pulsava com a raiva da noite anterior. Como pude ser tão ingênua mais uma vez?Tiago já estava de uniforme, pronto para o treino de futebol, e eu o levei até o clube. Ele estava feliz por estar iniciando mais uma atividade na nova cidade. Voltei para casa com o peito apertado, mas antes que pudesse me fechar em meu quarto de novo, meu celular vibrou. Era uma mensagem curta:“Preciso que venha até a clínica. — R.” Dr. Renato.Por um segundo pensei em recusar. Eu não queria lidar com mais fofocas, mas algo dentro de mim dizia que seria melhor enfrentar a vida de cabeça erguida. Respirei fundo, peguei minha bolsa e fui.A clínica estava silenciosa, diferente do movimento de dias úteis. Bati de leve na porta do consultório dele.— Entre. — a voz grave soou lá de dentro.Empurrei a porta e o encontrei sem jaleco,
Entrei feliz e meu pai estava na cozinha.— Feliz, minha filha? Então ele tinha visto, fiquei vermelha da cabeça aos pés. — Pai, eu sei o que está pensando, e não, não vou me sujeitar a ser amante dele. O que aconteceu hoje não vai se repetir, ele vai se separar.— Não estou lhe julgando, querida, só lhe perguntei se você está feliz, porque é só isso que me importa.Eu ia responder, mas ouvimos uma gritaria, fomos para a varanda e Laura estava berrando todo tipo de palavrões e impropérios em frente à nossa casa.— Está feliz, Helena, sua vagabunda? Pois saiba que é só isso que você vai conseguir dele, uma trepada rápida dentro do carro!Eu não sabia o que fazer, comecei a voltar para dentro, quando o Víctor apareceu e arrastou a Laura de volta para a casa. Eu estava estarrecida e muito envergonhada.— Pai, em breve a cidade toda vai saber desse vexame!— Então, creio que vocês terão que se assumir, minha filha! — Meu pai era sempre compreensivo.— Eu penso que era melhor a Helena vo
Eu não sabia como agir, não sabia em quem acreditar. Só queria sair correndo.— Víctor, como é que você espera que eu acredite que não houve nada entre vocês, se hoje estão casados?— Helena, você não percebe que ambos fomos enganados pela Laura? — ele deu um soco no volante.— Eu não sei, estou confusa, mas como já falei, isso não muda nada, já passou muito tempo, você está casado com ela…— Se você disser uma só palavra eu largo ela e fico com você! — ele disse, pegando a minha mão, que puxei rapidamente.Nesse momento ele estacionou no fim da estradinha, sempre íamos até essa cachoeira, ele estacionava e nós andávamos a pé até o ponto onde a água ficava calma, a vista era linda e se tornou o nosso lugar.— Eu não vou até a cachoeira, Victor, nós nem devíamos estar aqui.— Helena, eu preciso que me ouça! — ele tentava pegar minha mão, sem sucesso. — Eu cheguei a pensar que podia ser feliz com a Laura, pensei mesmo! Mas no momento em que eu te vi, percebi que nunca vou ser feliz com
Cheguei em casa aos prantos e me joguei no colo da minha mãe. Ela não falou absolutamente nada, apenas ficou alisando meus cabelos enquanto eu chorava.— Calma, meu amor, tudo se ajeita com o tempo… — ela disse, depois de muito tempo.— Eu falei com ele mãe! — sentei no sofá e segurei as mãos dela. — Ele me beijou! — Comecei a chorar novamente.— Minha filha, eu sabia que você ia passar por isso. — ela fez um carinho no meu rosto. — A história de vocês ficou muito mal resolvida, hora ou outra vocês terão que colocar tudo em pratos limpos, é inevitável!— Eu não quero, mãe! Eu só queria viver a minha vida e deixá-lo enterrado no passado!— Helena, ele nunca esteve enterrado no passado! Você nunca deixou de amá-lo!— Mas eu não quero amá-lo, mãe! Amar dói! — eu chorava copiosamente.Nesse momento meu pai entrou com o Tiago e eu tentei disfarçar.— Mamãe, você está chorando? — Ele perguntou, com o rostinho preocupado.— Só um pouquinho, meu amor, a mamãe torceu o pé. — menti.— Tiago, o
A clínica era ampla, um dos poucos empreendimentos novos da cidade, assim que entrei, dei de cara com uma conhecida, atendendo no balcão.— Helena! — A Daniela sorriu e deu a volta para me abraçar. — Não acredito que está aqui e não me procurou!A Dani era uma das minhas melhores amigas na escola, sempre foi minha confidente.— Eu cheguei ontem, ainda não tive tempo de procurar ninguém! — Abracei-a com força, ela era bem mais baixinha, era quase como abraçar uma criança.— E o que te traz de volta?— Bem… — respirei fundo, lembrando das mentiras da minha mãe. — Eu me separei e resolvi voltar.Ela abriu muito a boca.— Amiga, sinto muito! Então você voltou para ficar?— Sim, inclusive vim pela vaga de secretária.— Ah! Eu não acredito! — Ela dava pulinhos de alegria. — Eu vou falar com o chefe agora mesmo, e colocar seu currículo como prioridade!Me deu mais um abraço e saiu, logo voltou sorrindo ainda mais.— Helena, eu falei com o Doutor Renato e ele quer entrevistar você agora mesmo
Engoli a vontade de chorar, porém, não consegui esconder a dor, peguei meu filho pela mão e sai rápido, antes que a Laura a visse. Já sentindo as lágrimas teimosas escapando dos meus olhos. Quando entramos no carro, não aguentei e caí no choro. Vê-lo já era muito difícil, mas vê-lo com a Laura, confirmava as coisas que ela tinha me falado na noite da formatura, e o que era uma dúvida, agora virou certeza. Oito anos depois.— Querida, eu não sabia que você ainda se abalaria tanto ao ver seu antigo namorado…— Não é só por vê-lo, mãe, é por vê-lo com ela, com a cobra que acabou com a minha vida! E agora eu tenho certeza que fui traída!— Helena, eu entendo a sua dor, mas tente ver o lado bom das coisas, se não fosse isso, hoje você não teria o Tiago, que é a luz das nossas vidas!Olhei para o rostinho do meu filho, estava assustado vendo a mãe chorar.— Não se preocupe, meu príncipe, é só um probleminha que a mamãe logo vai resolver. — Sorri e joguei um beijo, para tranquilizá-lo.— Mã
Último capítulo