Ela salvava vidas com as mãos. Ele as tomava com um estalar de dedos. Dr.ª Isabela Diniz, 30 anos, neurocirurgiã em Istambul, vive uma rotina disciplinada, cercada por bisturis, protocolos e ética. Mehmet Demir, 36 anos, líder silencioso de um clã mafioso turco, comanda o submundo com a frieza de quem já viu o inferno e voltou. Dois mundos destinados a nunca se cruzarem… até que o destino resolve operar sua própria cirurgia.
Leer másVocê entrou na minha vida ensanguentado.
Era uma terça-feira, início de outono em Istambul, e a chuva parecia querer lavar a cidade inteira. As nuvens cobriam o céu como um manto pesado, e cada gota que batia na janela da sala de descanso do hospital parecia um aviso, uma súplica do destino tentando me fazer prestar atenção. Mas eu estava cansada demais para sinais. Tinha acabado de sair de uma cirurgia de doze horas. O garoto, Emir Çelik, tinha apenas nove anos e um aneurisma prestes a estourar. Minhas mãos ainda estavam trêmulas, mesmo sob as luvas. A adrenalina do sucesso não compensava o desgaste. Eu precisava de banho, sono e silêncio. Mas quando Özlem, a enfermeira da triagem, bateu na porta, percebi pelo rosto dela que algo não estava certo. — Dra. Isabela… tem um novo paciente na sala 304. Ferimento por arma de fogo. Chegou com escolta. — Não é minha vez de plantão. Passe para o Dr. Kenan. — Ele se recusou. Disse que era “caso de gente perigosa”. Ele saiu pela porta dos fundos. Eu… eu nunca vi ele fugir de um paciente. Isso me fez levantar. Peguei o jaleco de volta e fui. Minha consciência venceu o cansaço — ou talvez fosse só a curiosidade. A verdade é que alguma coisa em mim queria ver quem era o homem que fazia um médico correr. A sala 304 estava cercada por dois policiais à paisana. Eu vi logo pela postura. E você estava lá, sentado na maca, com o ombro direito sangrando, terno manchado, e um olhar que não pedia ajuda — exigia respeito. Nossos olhos se encontraram por um segundo longo demais. Seus lábios se curvaram num sorriso discreto. — Dra. Diniz, presumo? — disse em um turco refinado, com sotaque de quem aprendeu a língua tarde, mas com elegância. Depois descobriria que era fluente em inglês, italiano e francês. E sabia usar todas as línguas para manipular, seduzir ou ameaçar. — Sim. O senhor está consciente. Bom sinal. — mantive a máscara de frieza. Afinal, eu era médica, não mulher naquele instante. — Não se preocupe. Já estou acostumado com buracos de bala. E dor… dor é relativa. — Ainda assim, precisa de limpeza, sutura e antibiótico. Eu não quero cadáveres no meu turno. — Você sempre foi assim? — perguntou, os olhos fixos nos meus, mesmo enquanto eu examinava a extensão do ferimento. — Assim como? — Fria. Profissional. Intocável. Suspirei. Puxei a bandeja com o bisturi. As mãos pararam de tremer. — Isso vai doer. Bastante. — Pode ir fundo. Já vi pior. Vi meu pai morrer com um tiro na nuca quando eu tinha quinze anos. Aprendi a engolir a dor e a cuspir sangue com elegância. A bala havia atravessado parcialmente o músculo, alojando-se num ponto crítico. Você não gemeu, não tremeu. Mordeu o próprio punho enquanto eu tirava o projétil e começava a costurar sua pele, camada por camada. Sangue escorria, mas o que me perturbava era o silêncio. O controle absoluto. Eu não deveria perguntar. Mas perguntei. — Você é… um deles? — Um deles quem? — Máfia. Clã. Sei lá como chamam agora. Você riu. Baixo. Sexy. — Eu sou Mehmet Demir. Esse nome significa algo pra você? Era claro que sim. Já tinha ouvido nas entrelinhas. Nos boatos que corria entre médicos, nas histórias de corpos que desapareciam antes de chegar à UTI, nos sussurros do submundo. — Devia estar morto? — Devia. Mas você estava aqui. Depois, silêncio. Terminei a sutura. Passei a faixa. Estava me afastando quando senti sua mão tocar meu pulso. Foi um toque firme, quente, sem força bruta, mas com comando. — Você não deve amar um homem como eu, doutora. Aquilo me fez rir, por impulso. — Quem disse que eu me interesso? — Seus olhos. — Eu sou profissional. — Mas você é humana. E eu… eu sou a tempestade. Me afastei. — Não saia da cama. Ainda precisa de observação. O antibiótico será intravenoso. Nada de bravatas machistas. É só um ombro, não um troféu de guerra. Você assentiu. Mas no fundo, eu sabia: você não era paciente comum. E jamais obedeceria. No fim do turno, passei pela sala 304. Estava vazia. Você sumira. Mas sobre a cama, havia uma tulipa branca. Uma única flor. Um bilhete manuscrito preso ao talo: “Obrigado por salvar a vida de um homem que já devia estar morto. M.” E foi nesse momento que percebi: algo em mim também havia sido tocado naquela noiteA cidade dormia sob um véu de tensão. As luzes que piscavam nas vielas de Istambul pareciam mais ameaçadoras do que protetoras naquela noite. As ruas estavam silenciosas, mas não em paz — era o tipo de silêncio que precedia o som de tiros, o cheiro de pólvora, o gosto metálico da guerra.Baran estava de pé diante do espelho, vestindo o paletó preto com a calma inquietante de um homem que já fez as pazes com o inferno. Suas mãos enluvadas ajustavam os botões enquanto seus olhos não desgrudavam dos meus. Eu o observava em silêncio, sentada na cama, coberta por um lençol branco, como se meu corpo nu ainda carregasse os vestígios da última madrugada — de amor, de promessas, de medo.— Você vai voltar pra mim — declarei, não perguntei.Ele caminhou até mim, se ajoelhou à beira da cama e encostou sua testa na minha.— Só se você prometer estar aqui quando eu voltar — murmurou.— Sempre estarei. Por você, por nós. Até o fim.Ele respirou fundo. Tocou minha barriga com delicadeza.— E por ele
O vento da madrugada assobiava pelas janelas, como se o próprio mundo estivesse alertando sobre o que viria. Baran estava inquieto, andando de um lado para o outro no quarto, o celular em mãos, os olhos pesados, sombrios. Eu observava em silêncio, sentada na cama com os joelhos abraçados, tentando decifrar as centenas de pensamentos que corriam em sua mente.— Ele está mais perto do que imaginamos — disse Baran de repente, parando diante de mim. — Timur está cercando a cidade, armando uma teia em volta de nós. Não vai demorar até ele agir.— E o Murat?— Desapareceu. Desde ontem ninguém sabe onde ele está. Ou ele fugiu, ou já foi silenciado.Me aproximei, toquei o rosto dele. Estava quente, tenso.— Baran, você precisa descansar um pouco. Não vai conseguir pensar com clareza desse jeito.— Eu não posso dormir enquanto você está em risco.— Eu só estou em risco se você se destruir — falei com firmeza. — Senta aqui. Agora.Ele hesitou, mas cedeu. Sentou-se ao meu lado, e eu puxei suas m
O silêncio do quarto parecia pesar mais que o ar. Eu sentia o peito apertado, como se algo invisível estivesse me sufocando. Baran estava sentado à beira da cama, as mãos unidas entre os joelhos, olhando fixamente para o chão. Era como se estivéssemos os dois presos numa redoma onde só o tempo passava — cruel, arrastado, implacável.A noite anterior ainda queimava na minha pele. O gosto da sua boca, o toque desesperado, os gemidos abafados por beijos intensos. Estávamos tentando curar feridas um do outro através do desejo. Mas por mais intenso que fosse, eu sabia que o que tínhamos não era simples.— Você não disse nada desde que acordamos — murmurei, minha voz mais trêmula do que eu gostaria.Ele ergueu o olhar devagar. Seus olhos estavam vermelhos, cansados. Havia algo neles que eu ainda não conhecia — um tipo de medo que não combinava com o homem frio, calculista e perigoso que costumava ser.— Eu estou com medo, Doktorum.— Medo de quê? — me aproximei, sentando ao lado dele. — De
Acordei antes do sol nascer. O céu ainda estava pintado com tons de azul profundo, e a brisa suave da madrugada entrava pelas janelas abertas do quarto. Baran dormia ao meu lado, o braço envolto ao meu corpo, a mão pousada em minha barriga — como se instintivamente já protegesse nosso bebê mesmo dormindo.Fiquei ali por alguns minutos, apenas observando. O homem que por tanto tempo viveu entre sombras agora dormia como se tivesse encontrado seu próprio paraíso. E ele tinha — em nós, em nossa pequena casa na Sicília, na promessa de uma vida tranquila, longe da violência e das mágoas do passado.Mas nada do que vivemos poderia, de fato, apagar o que fomos.Me levantei devagar, tomando cuidado para não acordá-lo, e desci para a cozinha. Preparei chá de camomila e saí para o jardim, onde o orvalho ainda repousava nas pétalas das flores.Estava ali, sentada sob a pérgula de madeira coberta por glicínias, quando ouvi o celular vibrar.Era uma mensagem.Número desconhecido.“Não é seguro ond
A vida na Sicília parecia ter a estranha habilidade de desacelerar o tempo. Acordávamos todos os dias com o som suave das ondas batendo nas pedras e o aroma das flores silvestres que Baran insistia em colher para deixar ao lado da cama. Tudo era simples. Tranquilo. E, pela primeira vez, genuinamente feliz.— Tem certeza de que está tudo bem? — Baran perguntava pela terceira vez naquela manhã, me observando enquanto eu preparava uma infusão com gengibre e hortelã.— É só enjoo, Baran. Normal. Faz parte.— Mesmo assim. Eu posso cozinhar. Ou pedir algo.Sorri, me aproximando dele e deixando um beijo leve no seu queixo. Sua barba começava a crescer de novo, e eu amava sentir a textura sob meus lábios.— Está tudo bem. Eu sou médica, lembra?Ele riu e me abraçou por trás, as mãos deslizando protetoras sobre minha barriga ainda lisa.— Isso é o que me preocupa — sussurrou contra meu pescoço. — Você sempre foi forte demais. Disfarça demais. Aguenta mais do que deveria.— E você é o rei do ex
Acordei com a luz suave do sol atravessando as persianas do quarto hospitalar. Meu corpo ainda estava rígido de tensão, como se cada músculo meu se recusasse a relaxar. Mas então, senti o calor da mão dele entrelaçada à minha. Virei o rosto devagar.Baran estava ali, deitado, olhos entreabertos, me observando com um sorriso cansado. Sua pele ainda estava pálida, os curativos cobriam os cortes e hematomas, mas ele estava vivo. Respirando. Me olhando.— Ainda é real? — ele murmurou, com a voz rouca. — Ou estou sonhando?Segurei o choro na garganta e sorri, acariciando sua bochecha com a ponta dos dedos.— É real. Você está aqui. Comigo.— Eu achei que não ia mais te ver — ele disse, tentando se sentar, mas logo recuando pela dor.— Ei, calma — sussurrei, apoiando-o. — Você ainda precisa descansar. Foram dois dias de tortura.Ele fechou os olhos por um segundo, respirando fundo, como se afastar as lembranças o ajudasse a suportar melhor.— Ela enlouqueceu, __. Completamente. Me acusou de
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