4 - Um belo espetáculo

As palavras de Vincenzo cortam o ar como veneno sussurrado e, em um instante, um arrepio percorre o corpo de Vittoria, gelado, involuntário.

Cada fibra reage, como se o instinto gritasse para fugir. Mas ela permanece ali, ereta, silenciosa, mantendo o que resta de dignidade sob a pele arrepiada.

Porque se há algo que ela não permitirá, é que ele a veja tremer.

— Onde ele está? — Vittoria pergunta, a voz tão baixa que mal passa de um sussurro. 

— Não seja apressada, querida esposa. — Vincenzo responde, com um sorriso tranquilo, quase cínico, enquanto segura a mão dela e a guia pelo altar. — Tudo a seu tempo. 

— Vincenzo, onde ele está? — Insiste, a voz mais firme agora, embora o tremor ainda pese sob cada palavra.

— Está vivo. — Responde, direto, com a frieza de quem dita um fato, não oferece consolo.

Enquanto a conduz pelo meio dos convidados, os sorrisos ao redor são apenas máscaras, forçados, tensos, falsos como a paz que se finge naquela noite.

— E continuará assim, desde que você se lembre do seu papel, esposa.  

— Então tudo isso…

— É uma troca. — Interrompe, sem dar espaço para objeções. — Você me entrega sua fidelidade e eu mantenho seu irmão inteiro. Não é um pedido, Vittoria. É o único acordo que ainda pode salvar alguém.

— E se eu não colaborar?

— Então terei que mandar uma caixa. — Responde, com uma naturalidade perturbadora, como quem fala de logística, não de carne e sangue.

— Com o quê? — Pergunta, quase sem perceber, a voz mais baixa do que pretendia.

Mas o arrependimento vem rápido, quase instantâneo, assim que o vê sorrir. Não um sorriso comum, mas aquele tipo de expressão lenta, sombria, que revela o quanto ele se alimenta do medo. 

— Continua a mesma inocente. — Murmura, passando os dedos pelo rosto dela com uma delicadeza quase ofensiva.

É um gesto suave, mas carrega o peso de uma ameaça. Vittoria se afasta de imediato, o corpo rejeitando o toque como se fosse veneno.

— Começaremos pelas mãos. — Continua, com a voz baixa, calculada. — São simbólicas. São úteis. E, acima de tudo, dói mais ao se arrancar o que ainda tem função.

— Você é doente.

— Sou exatamente o que vocês me moldaram para ser. — Declara, a voz firme, cortante, sem pressa.

Segue conduzindo Vittoria pelo jardim como quem arrasta o passado até o presente, sem remorso, sem pressa.

— E agora, terão que conviver com o monstro que criaram.

Vincenzo faz um leve sinal de cabeça para um de seus soldados, discreto, mas cheio de intenção.

Em seguida, afasta-se de Vittoria e caminha com passos calmos em direção a um homem cuja presença silencia os sussurros ao redor, o presidente do Conselho.

— Você nos proporcionou um belo espetáculo, rapaz. — Giovanni comenta, estendendo a mão com a elegância fria de quem sabe medir poder em silêncio. A voz é cortês, mas o olhar avalia, pesa e guarda perguntas que ainda não foram feitas.

— O senhor podia ter impedido, senhor Scarpati, mas escolheu não o fazer. — Vincenzo responde, apertando firmemente a mão dele. — E já que não teremos uma lua de mel, por razões óbvias, o que acha de tornarmos oficial amanhã? O anúncio do novo Don Lucchese.

— Você é ousado. — Comenta, com um leve sorriso que não alcança os olhos. — Mas ousadia sozinha não sustenta um legado.

— Não se preocupe, senhor Scarpati, tenho muito mais do que ousadia. — Afirma, com firmeza, a voz baixa e segura.

— Seu desgraçado! — A voz de Giuliano ecoa pelo jardim, carregada de fúria.

Sem hesitar, ele parte para cima de Vincenzo, atravessando o jardim com os punhos cerrados e o olhar inflamado pelo ódio.

— Giuliano! — Vittoria exclama, avançando sem pensar. Antes que ele alcance Vincenzo, ela o envolve em um abraço apertado, prendendo-o contra o próprio corpo. — Dio mio, você está bem. — Sussurra, a voz trêmula de alívio, como se somente agora seu coração permitisse bater de novo.

Por um instante, Giuliano parece resistir ao abraço, os ombros ainda tensos, o olhar cravado em Vincenzo como se nada mais existisse.

Mas o toque da irmã, a voz dela, real, viva, quebra a parede que a raiva havia levantado. Os braços dele finalmente a envolvem de volta.

— Ele disse que te machucaria. — Giuliano murmura, ofegante, a voz rouca de raiva mal contida. — Ele disse…

— Estou aqui. — Vittoria interrompe, tentando acalmá-lo, mesmo com o próprio corpo trêmulo. — Estamos juntos agora.

— Família, coisa comovente, não? — Vincenzo comenta, arqueando uma sobrancelha, o tom carregado de falsa admiração. — Basta alguém ameaçar arrancar um membro que, de repente, todo mundo vira sentimental. Seria quase poético, se não fosse patético.

Alguns convidados trocam olhares inquietos, como se buscassem uma saída invisível.

O ar pesa, carregado por uma tensão que ameaça romper a qualquer segundo, como se o estopim já estivesse aceso, só faltando alguém ter a coragem ou a imprudência de deixar a faísca escapar.

— Não encoste nela de novo. — Giuliano vocifera, afastando-se de Vittoria e avançando mais um passo. — Juro por Deus, Lucchese, eu te mato.

— E eu juro que você terá a chance de tentar. Mas não hoje. Hoje é noite de festa. — Vincenzo responde, aproximando-se e segurando a mão de Vittoria com teatralidade. — Acabamos de nos casar, caro, seria uma descortesia sangrar na frente da minha esposa.

— O quê? — Giuliano questiona, incrédulo, os olhos varrendo o jardim como se buscassem uma explicação que não quer aceitar.

O olhar então pousa sobre o pai, ao lado de Enzo e Cesare. As feições rígidas, esculpidas em raiva contida, dizem tudo, não há espaço para dúvidas, nem refúgio naquele trio de alianças rompidas.

— Giuliano, por favor, se acalma. — Vittoria implora, a voz embargada, quase um sussurro entre o medo e a urgência. — Vou te explicar tudo…  

— Em outro momento, bella. — Vincenzo interrompe, a voz mais baixa, com um toque sombrio no olhar. — Por mais simbólico que esse casamento tenha sido, eu continuo de luto. Enterrar meu pai e meu irmão. — Pausa, os olhos escurecendo, como se a dor o atravessasse brevemente. — Tira um pouco da vontade de festejar, sabe?

Então, como se apertasse um botão interno, seu semblante muda. O sorriso retorna, lento, sarcástico, carregado de intenções nada sutis.

— Mas ainda posso relaxar. — Afirma, se inclinando levemente, os olhos fixos nos dela, a voz reduzida a um sussurro áspero. — Continue assim, docemente obediente. E use essa boquinha para me fazer esquecer, nem que seja por alguns minutos, que enterrei toda a minha família há alguns dias, por culpa da sua. Seria um gesto de boa vontade, não acha?

— Nem morta, você encosta em mim. — Vittoria dispara, a voz firme, apesar do tremor que ameaça traí-la. — Prefiro o túmulo ao teu toque.

— Então, nesse caso, irá aprender da forma mais cruel que até o inferno tem dono. E nesse inferno, quem dita as regras, sou eu. — Sussurra, o olhar sombrio cravado no dela, como uma sentença irrecorrível. 

E sem esperar por resposta, a segura com firmeza e começa a arrastá-la pelo jardim, sob os olhares silenciosos da multidão.

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