Lúcia Andrade fugiu de um passado sombrio, trocando sua vida por um uniforme simples de faxineira no Grupo Aurus. O que ela não esperava era chamar a atenção do CEO da empresa: Otávio Monteverde — frio, poderoso, e dono de segredos mais escuros que os dela. Quando café é derramado no mármore branco da sala dele, o que começa com uma bronca se transforma em uma tensão impossível de ignorar. Mas o que acontece quando o homem que manda em tudo começa a perder o controle por alguém que ele nunca deveria desejar?
Leer másLúcia
É extremamente desconcertante quando a gente percebe uma certa obsessão por alguém. Pior ainda é quando isso começa a atrapalhar sua rotina... Eu estava ali, encerando o chão frio do saguão principal da sede do Grupo Auros — mármore branco, tão reluzente que refletia até os pensamentos mais íntimos — à espera de Sabrina, minha colega de trabalho e melhor amiga, que estava responsável por limpar as grandes vidraças do hall de entrada todas as sextas-feiras, como hoje. Não havia nada de muito especial no saguão da nossa empresa. Era simples, redondo, com um balcão para as recepcionistas — duas moças com maquiagem suave, bem vestidas com blazers azul-escuros com o logo da corporação e sorrisos amáveis no rosto — que ficava à direita de quem entrava pelas portas de vidro automáticas, as únicas entradas do prédio. O balcão era feito também de mármore branco em sua estrutura, mas o tampo de madeira escondia os computadores e as cadeiras das funcionárias, que naquele momento riam e conversavam. Muito bem perfumadas — fragrâncias que eu reconhecia do meu passado —, e, tentando identificar as camadas do cheiro, quase me esqueci de onde estava… À esquerda, ficavam dois elevadores que iam até o oitavo andar, o último do prédio. Nas paredes cinza, quadros de premiações e parte da história do grupo completavam a ambientação. Apesar de não ser uma obra-prima, o hall era receptivo. Um lustre de cristais pendia do teto, o cheiro de limpeza fresco se misturava ao aroma amadeirado — provavelmente dos próprios funcionários chegando para suas jornadas —, todos alinhados com seus uniformes impecáveis. Sabrina apareceu ao meu lado com um frasco de álcool 70 nas mãos e um sorriso no rosto. — Pronta pra mais um dia? Assenti, tentando parecer leve. — Pronta. Lustrava o piso com minha fiel bruxa de pano, conversando baixo com minha colega para enganar o tédio e o cansaço, quando as portas automáticas abriram e ele apareceu adentrando o hall da empresa. Alto. Impecável. O terno azul-marinho parecia ter sido costurado à mão diretamente no corpo dele — e provavelmente foi feito sob medida. Tinha ombros largos, corpo atlético, cabelo castanho-escuro em um corte social moderno, barba aparada com precisão, lábios carnudos e olhos castanhos. Otávio Monteverde. O CEO. O dono da porra toda. E o motivo da minha insônia nos últimos dias. Okay, nem tanto... Mas sem perceber, congelei no meio do movimento, me apoiando na bruxa como se ela fosse o ombro de uma amiga querida que compreendia a loucura que se passava na minha cabeça. Fiquei apenas... olhando. Hipnotizada. — Lúcia! — a voz de Sabrina me puxou de volta à realidade como um balde d’água fria. Pisquei, tentando processar. Olhei pra ela, corando feito menina de escola. — Oi? Ela se aproximou, ergueu uma sobrancelha e me analisou com aquele olhar que sempre parece saber demais. Os olhos verdes dela me lembram folhas molhadas pela chuva. E o sorrisinho debochado no canto da boca era típico. — Você anda muito observadora quando o CEO passa... — provocou. Ajeitei os óculos no rosto, fingindo que não estava em transe. Sabrina me deu um empurrãozinho leve no ombro, se divertindo às minhas custas. — Achei que fosse levar bronca — murmurei. — Ah, relaxa. Vai dizer que ele não é um homão da porra? — sussurrou, abrindo um sorriso maroto. — Mas vamos logo, antes que o supervisor perceba que a gente tá de bobeira. — disse voltando a limpar a vidraça. Voltei a esfregar o chão, mas o pensamento continuava nele. Otávio parou diante dos elevadores e mexeu no celular, alheio à confusão que causava em mim. Só um olhar... e minha mente parecia escapar da realidade. Um ímã. Um campo de gravidade particular. E eu era só poeira flutuando em órbita. Estar neste lugar me fazia lembrar constantemente de onde vim. Eu era grata. Grata pelo emprego, pela oportunidade e, principalmente, pela Sabrina. Muitos acham humilhante limpar chão e banheiro, mas eu aprendi a ver beleza até no reflexo de um piso bem cuidado. Era um exercício de humildade. Um recomeço. Depois do que passei, era tudo que eu precisava. — Ei — disse Sabrina, enquanto enxugava o suor da testa. — Assim que terminarmos aqui, bora pro refeitório. Escutei teu estômago roncar. Parecia um elefante pulando corda. Ri, aliviando o clima. — Escutando o teu, achei que algum leão tinha escapado do zoológico. Rimos juntas. Como sempre. A cumplicidade entre nós deixava tudo mais leve. Antes, éramos um trio inseparável, mas... isso ficou no passado. Mudei de cidade, de telefone, de vida. Sabrina e meus tios foram os únicos que continuaram ao meu lado — mesmo quando eu mesma não sabia mais quem era. Quando terminamos o saguão, fomos tomar café. Eram 8h30 da manhã. O Grupo Auros era conhecido não só pelo prestígio e salários generosos, mas também pela comida. Sempre havia cheiros deliciosos saindo da cozinha, e aquele aroma de café fresco era quase um abraço. — Acho que o Poderoso Chefão estava olhando pra ti — Sabrina soltou, absolutamente do nada. — E eu acho que tu cheirou álcool demais e tá viajando — provoquei. Sabrina deu uma risada e soltou seus cabelos dourados antes de entrarmos no refeitório. Eu deixei os meus presos. Ela era naturalmente confiante, dona de si, com aquele jeito atrevido que eu invejava secretamente. O refeitório era amplo, com mesas e cadeiras de madeira. As paredes eram extremamente brancas. Havia uma janela que dava direto para a pia ao lado direito de uma porta dupla, cada lado com uma pequena janela redonda, típica desses lugares. À esquerda da porta havia um buffet — que, no momento, estava vazio. Mas nossa atenção se concentrava numa mesa ao lado do buffet: ali havia café, leite, açúcar, pães, geleias, bolos e tortas. Ao nos servirmos, vimos a secretária do Sr. Otávio pedindo uma jarra de café para a cozinheira — obviamente para levar à sala da presidência. — Por que não se oferece pra levar o café até o teu Príncipe Encantado? — sussurrou Sabrina, enquanto despejava café nas nossas xícaras com um sorrisinho debochado. — Não enche — murmurei, sentindo as bochechas esquentarem. — Ah, para. Não finge que você é envergonhada agora, Lúcia… Sentei e dei um gole demorado no café, tentando disfarçar os pensamentos que passavam pela minha mente. Antes que eu pudesse responder, Luan, nosso supervisor, apareceu com um prato com três fatias de bolo. — Só duas xícaras? Então vou ter que comer duas fatias de bolo — disse, com um olhar direto para Sabrina. Ela se levantou e pegou mais uma xícara, e ele se sentou ao lado dela com a maior cara de quem estava em casa. Saboreamos nosso café entre risadas e provocações, até que o relógio nos chamou de volta à realidade. Nos separamos para as tarefas seguintes. Eu segui com o carrinho de limpeza até o banheiro feminino do último andar. Cinco dias de empresa e eu já tinha certeza de que estava encrencada. Com aquele lugar. Com aquele homem. Comigo mesma. Me olhei no espelho. Com o uniforme que poderia muito bem ser de uma enfermeira — calça e jaleco azuis. Estava com olheiras visíveis até mesmo por trás dos óculos. Um rabicó tentava prender a tempestade dos meus cabelos castanhos bagunçados. Reparei que o uniforme marcava bem minha cintura avantajada e fora dos padrões de passarela, mas ainda assim evidenciava as curvas do meu corpo. O banheiro era mediano, o que significava que terminaria rápido. Três pias e três cabines com vaso sanitário. O piso era de mármore branco, as paredes cinza, assim como as da recepção. Havia espelho e era bem iluminado. Como imaginei, foi uma limpeza rápida. Em questão de dez minutos, estava tudo em ordem. Estava distraída organizando os produtos quando a porta do banheiro se abriu lentamente. Ergui os olhos, esperando ver alguma funcionária... mas congelei. Era ele. Otávio Monteverde. Sozinho. Dentro do banheiro feminino. E olhando diretamente pra mim.Lúcia Acordei diferente. Não era exatamente mais feliz, nem mais leve. Mas havia algo novo em mim. Um jeito diferente de caminhar, de prender o cabelo, de passar o batom. Como se, pela primeira vez em muito tempo, eu estivesse me sentindo... mulher. Inteira. Desejável. Ainda assim, o arrepio na nuca ao sair de casa me lembrou que o medo não havia passado. Era como se houvesse olhos invisíveis me seguindo. O motorista do aplicativo parecia confiável, e eu conferi a placa duas vezes antes de entrar. O céu estava nublado, e o vento carregava o peso da minha intuição. Mas eu continuei. Eu precisava continuar. Assim que entrei no saguão da empresa, o calor no meu rosto foi imediato. Otávio estava lá. Alto, elegante, encostado ao lado da recepção como quem comanda o próprio mundo. E então, veio o impacto. O corpo reagiu antes da mente. Um formigamento na parte mais íntima de mim, uma lembrança da noite anterior — da forma como me toquei pensando nele, dos gemidos
Otávio O escritório era discreto. No fim de um corredor sem janelas, no terceiro andar de um prédio comercial que poucos conheciam. Álvaro Bastos atendia ali há vinte e dois anos. Conhecido por advogados de alto escalão, donos de empresas, gente que precisava de respostas e não podia deixar rastros. Era exatamente o tipo de homem que eu procurava. Ele me recebeu em silêncio, indicando com um gesto seco a cadeira à frente da mesa. Seu olhar era claro, sem cor definida, e parecia atravessar carne e pele. Não precisava de muitas palavras para ler uma história. — Nome dela? — perguntou, pegando um bloco de anotações já meio amarelado. — Lúcia Andrade — respondi. — Trabalha comigo. Quero saber tudo que puder sobre o passado recente dela. Família, histórico médico, policial. Qualquer mudança brusca nos últimos anos. Números de telefone, redes sociais. E, principalmente, se alguém anda seguindo ou ameaçando ela. Álvaro levantou uma sobrancelha pela primeira vez. — Você desconfia
Lúcia Cheguei em casa antes do pôr do sol e eu agradeci por não encontrar ninguém no portão. Entrei, guardei a sacola de lingerie rapidamente e fui direto tomar banho, como quem precisava lavar o medo do corpo. A van branca, o número desconhecido, a mensagem... tudo ainda estava aqui dentro, latente, como uma ameaça que não me deixava respirar por completo. Mas, por outro lado, havia outra coisa dentro de mim. Algo que me invadia com uma força silenciosa. Otávio. Na mesa do jantar, Sabrina me mandou mensagem perguntando se eu estava bem. Respondi que sim, que tinha recebido uma carona do chefe. Só isso. Acrescentei que ele havia sido gentil. E que... elogiou minha coragem ao opinar no laboratório. Não menti. Só omiti. Tia Marta percebeu que eu estava pensativa, mas respeitou meu silêncio. Disse que eu estava corada e com um brilho no olhar. Sorri de leve. Eu não ia explicar aquilo para ela. Nem para ninguém. Porque aquilo era meu. Subi para o quarto, fechei a porta, e de
OtávioDesci do elevador sem esperar ninguém. Era um daqueles dias em que o ar parecia mais pesado do que deveria — ou talvez fosse minha própria cabeça. O trabalho se acumulava, as reuniões da semana pareciam todas inúteis, e até mesmo Isabela havia me cansado com seu discurso interminável sobre “posicionamento de marca”.Foi então que a vi.Lúcia estava parada na recepção. Sozinha. As mãos agarradas à alça da mochila com força demais, os olhos marejados, quase avermelhados. A expressão que ela tentava esconder dizia tudo.Ela tinha medo.Não o tipo de receio que se tem de um chefe. Nem a tensão que costumava carregar ao me ver por perto. Aquilo era mais profundo. Instintivo. Um medo que vinha do osso.Um alerta interno se acendeu em mim.— Lúcia? — chamei, ao me aproximar. — O que aconteceu?Ela tentou sorrir, mas o lábio inferior tremeu, como se segurasse um choro antigo e doloroso.— Nada — respondeu baixo. — Só... sono. Talvez tenha sido a rotina diferente de hoje que me deixou m
Lúcia Acordei cedo naquela manhã, ainda sentindo o peso dos pensamentos que me rondaram a noite inteira. O conselho da tia Marta ecoava na minha mente. Eu repetia para mim “Você já fez isso antes. Só precisa lembrar quem você era.” como um mantra para me dar coragem. O espelho refletia uma mulher diferente — ou, talvez, uma que eu estava tentando reencontrar. O uniforme da empresa ainda me envolvia, Calça azul básica, mas escolhi uma blusa Branca no lugar do jaleco azul que valorizava minhas curvas sem perder a elegância discreta que precisava. O coque no cabelo estava mais estruturado do que o normal, um sinal de que eu queria me sentir forte, preparada. Respirei fundo, passei uma maquiagem leve, e repeti para mim mesma uma última vez: “Você já fez isso antes.”--- O Laboratório Olfativo Primavera parecia quase um mundo à parte dentro do Grupo Auros. O ambiente minimalista, repleto de prateleiras com centenas de frascos, amostras de essências, fichas cheias de notas arom
Otávio Chegamos ao bar. Clássico, discreto. Madeira escura, iluminação baixa, cheiro de couro e uísque caro. O tipo de lugar em que ninguém pergunta por que você está com cara de quem perdeu a alma. Entramos juntos. Elias já cumprimentava o garçom como se fosse o dono do lugar. Eu só queria um copo e silêncio. Mas sabia que ele não ia me dar nenhum dos dois. Nos acomodamos na mesa do canto. O mesmo garçom de sempre trouxe dois uísques sem perguntar. Elias agradeceu com um aceno. Eu nem olhei.— Vai me dizer que a reunião valeu a pena? — Elias perguntou, dando um gole no Uísque.— Não. Mas serviu pra reforçar que eu tô cercado de gente que finge trabalhar. — Suspirei. — A única coisa útil do dia foi…— Ela. — Ele completou antes de eu terminar. — A faxineira que mexe com o seu eixo.— Ela não é “a faxineira”, Elias. Ela é Lúcia.— Ah, então é oficial: o nome já alugou um triplex na tua cabeça — Elias disparou, e se eu tivesse herdado a habilidade de corar, teria ficado const
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