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capítulo 6 - As Partes que não se dizem.

Otávio 

   A mansão dos meus avós era o oposto da minha: viva, barulhenta nos detalhes, elegante sem exagero. Logo ao cruzar o portão de ferro batido, a varanda envolta em samambaias e vasos de cerâmica já me recebia com o cheiro familiar de terra molhada e alecrim.

O hall principal, com seus quadros dourados de moldura trabalhada e móveis de madeira nobre, exalava um aroma inconfundível — mistura de cera de chão, flores frescas e um toque envelhecido de história. O piso de tábua corrida rangia levemente a cada passo, como se a casa estivesse sussurrando segredos antigos, e as paredes claras traziam aconchego que só a segurança que a tradição familiar consegue trazer.  

A luz era amarelada, suave, refletida pelas cortinas rendadas que balançavam com a brisa da janela entreaberta. Ao fundo, o som baixo de um rádio antigo tocando um bolero completava o retrato nostálgico daquele lugar onde o tempo parecia desacelerar.

No salão anexo, como toda sexta-feira, o tabuleiro de xadrez já nos aguardava sobre a mesinha redonda de madeira escura, ladeado por duas poltronas estofadas em veludo grená.

Meu avô Roberto, o Patriarca da Família Monteverde, em seu terno claro impecavelmente alinhado e sapatos lustrados, já estava sentado à mesa com sua bengala de madeira escura . Seus dedos moviam as peças devagar, com o olhar aguçado e a concentração de quem tratava a estratégia como uma ciência exata — ou uma arte silenciosa.

  — Achei que hoje você não viria — disse ele, sem levantar os olhos.

— Sai tarde do trabalho. Tive um dia... movimentado.

Ele apenas grunhiu.

  — Sua mãe acha que você está trabalhando demais. Eu acho que está fugindo de responsabilidades.

  — Não começa — pedi, sentando diante dele.

  A partida começou em silêncio, com movimentos cuidadosos. Eu movia os peões como quem tentava fugir de algo invisível.

  — Sabe, Otávio — ele disse, posicionando um bispo com precisão — um homem como você devia estar pensando em família. Casamento. Isabela seria uma excelente escolha.

  Revirei os olhos discretamente.

  — Não tenho tempo pra isso agora.

  — Tempo se faz — ele rebateu. — Você sabe disso melhor que ninguém. Veja o império que construiu. A Auros está consolidada, e agora com essa nova linha de cosméticos...

  — Ainda está em fase de teste — interrompi, ríspido.

  — Mesmo assim. Está na hora de começar a construir algo fora do trabalho. Deixar um legado verdadeiro.

  Fiquei em silêncio por alguns instantes, mexendo uma torre apenas para disfarçar o incômodo.

  — Isabela é uma mulher excepcional — ele continuou. — Bela, refinada, discreta. A cara da família Monteverde. Vocês se conhecem desde crianças.

  Sim. E talvez por isso mesmo nunca tenha sentido nada além de... amizade. Conveniência.

  O olhar do meu avô pousou sobre mim com mais intensidade agora.

  — Você está... estranho.

  Levantei uma sobrancelha.

  — Como assim?

  — Distraído. Inquieto. Parece... fora do seu eixo.

  Antes que eu pudesse responder, a voz suave da minha avó Cecília cortou o ambiente:

  — O jantar está servido, meus amores.

Vó Ceci era a feminilidade em pessoa. Era polida, gentil e o vestido rosa que usava naquela noite a fazia se destacar. Ela sempre tinha um olhar divertido, esbanjando felicidade. Seu cabelo, mais grisalho que castanho, estava preso em um coque bem firme e, antes de sair, me olhou como quem sabe do porquê dessa inquietação.

  Levantamos. Ajudei meu avô a ir até a mesa, segurando sua mão e seu cotovelo, auxiliando ele a se sentar. O jantar era sempre um evento — não pela pompa, mas pelo afeto. Os talheres de prata, a toalha de linho, os pratos decorados com flores em tons pastel. Tudo tinha um toque de vó Ceci.

  Minha mãe, a Dona Valéria, uma loira, olhos castanhos, maquiagem suave, sempre bem vestida exalando classe e requinte, que não aparentava estar na casa dos cinquenta, estava sentada na ponta da mesa. Me lançou um olhar observador quando me viu.

  — Você está muito magro, Otávio.

  — Estou focado — respondi, sentando-me ao lado do meu avô. 

— Focado demais — ela rebateu. — Esse lançamento está te consumindo. Quando foi a última vez que você passou um domingo conosco sem responder e-mails?

Soltei um leve suspiro e forcei um sorriso.

  — Estamos lançando uma linha nova. Cada detalhe conta. Inclusive a identidade olfativa dos produtos. — Disse servindo um pouco de salmão em meu prato.

  — E um bisneto? Não vai contar como detalhe? — alfinetou meu avô.

  Ri de lado, levantando a taça com um gesto de paz.

  — Prometo pensar nisso assim que esse projeto sair do papel.

— Deixem ele em paz — defendeu vó Cecília — Ele sabe exatamente o que faz.

Ela piscou pra mim e eu respondi com um sorriso suave. Apesar de amar minha mãe, vó Cecília era quem eu sempre contava minhas encrencas e conquistas durante a juventude. Ela raramente me xingava, na maioria das vezes me aconselhava — principalmente quando o assunto era garotas. Queria contar para ela o que se passava, mas eu não era mais um adolescente, e a vida não era como o colegial. Era melhor esquecer.

  A conversa se arrastou por mais uma hora. Depois, agradeci o jantar, despedi de todos e fui embora.

  A noite estava fria quando cheguei ao meu apartamento. O contraste com a mansão dos meus avós era gritante. Aqui tudo era moderno, limpo, organizado ao extremo. O mármore das bancadas refletia a luz branca dos spots como se o lugar inteiro estivesse congelado no tempo. Nenhum quadro nas paredes. Nenhum ruído além do eco dos próprios passos.

Era prático.

Era funcional.

Era solitário.

Tirei o paletó, larguei o celular na mesa e fui até a janela. A cidade pulsava embaixo de mim, um mar de luzes e concreto.

  O que estava acontecendo comigo?

  Fui até o armário de bebidas embutido na estante. A madeira envernizada da rangia levemente, como se também sentisse o peso da noite. Servi um uísque e o líquido âmbar brilhou sob a luz fria da cozinha. Dei um gole demorado. O calor da bebida contrastava com a frieza do ambiente — e do que eu tentava esconder de mim mesmo.

  Isabela.

  Bela, elegante, controlada. Tudo nela parecia certo. Certo demais. Como se tivesse sido moldada sob medida para um futuro que me foi imposto. Era ela quem todos esperavam ao meu lado.

  Mas, estranhamente, não era o rosto dela que vinha à minha mente.

  Não era o cheiro dela. Nem o toque. Não era seu riso diplomático e ensaiado.

  Não era sua voz suave ou seus modos refinados.

  Era ela.

  A mulher do chão de mármore.

  O cabelo desgrenhado.

  Os olhos azuis, misteriosos. A postura de quem é decidida, mas se contém por necessidade. É o poder oculto que ela tem de desalinhar tudo o que eu calculei perfeitamente, me desarmando, me fazendo perder o juízo.

  Encostei no mármore da bancada da cozinha, ainda gelado. Era impossível não lembrar. Lúcia era o único pensamento que me vinha à mente.

   — Droga, Otávio... — murmurei para mim mesmo, encarando meu reflexo no vidro do armário de bebidas. — Você trocou meia dúzia de palavras com ela e já está assim?

Apertando a mandíbula, tentei afastar a imagem dela da cabeça. Mas era como tentar deter um incêndio com as mãos.

  Aquilo não fazia sentido.

  Ela era apenas... uma funcionária.

  Uma faxineira.

  Mas havia algo nos olhos dela que me desatinava. Algo no tom da voz, na postura, até no silêncio.

  Suspirei fundo.

  Tomei um banho e logo fui deitar. 

  Mas essa mulher não saiu da minha cabeça.

  Talvez o problema não fosse ela. Talvez o problema fosse eu. Ou esse desejo que crescia sem freio.

  Meu telefone toca. É Elias. 

— Fala — Digo, atendendo o celular.

— Está ocupado hoje à noite? — Perguntou ele — tenho algo melhor do que ficar pensando nela.

Mas nem Elias, nem o uísque, nem o mármore frio conseguiam apagar o nome dela da minha mente.

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