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capítulo 5 - O preço do silêncio

Lúcia

O fim do expediente trouxe alívio, mas o desconforto ainda latejava sob a pele.

Após descermos na parada de ônibus perto da casa de meus tios, Sabrina caminhava ao meu lado, animada como sempre, os cabelos dourados presos num coque frouxo, e a mochila jogada displicentemente nas costas.

— Luan me contou que o chefe deu um show hoje — ela disse, como quem guarda a melhor parte da fofoca pro final.

— Show?

Ela riu, balançando a cabeça.

— Um verdadeiro piti de CEO. Ele apertou aquele botão de emergência três vezes seguidas porque derramaram café na sala dele. Mas a parte boa? Ele mesmo derramou. Porque não havia ninguém lá segundo o cara das câmeras. E adivinha quem ele mandou chamar?

Fingi desinteresse, mesmo sabendo exatamente a resposta.

— Você, né? — ela confirmou, rindo. — Mas o Luan achou esquisito. Disse que o Sr, Monteverde estava com uma voz meio... perturbada quando ligou pra ele. Nunca o viu tão impaciente.

Não respondi. Só continuei andando.

Ninguém sabia. Somente eu vi o jeito como ele me olhou e senti como minha pele pareceu pegar fogo quando ele se aproximou, e eu deixaria isto guardado como um segredo proibido.

Sabrina achava que o chefe só tinha perdido a paciência. E eu pretendia manter assim.

A casa dos meus tios surgiu à frente com sua fachada simples de dois andares, paredes claras e uma cerca de madeira que abraçava o jardim. Algumas plantas ornamentavam a entrada, como se fizessem parte de um ritual de boas-vindas. Era ali que eu me sentia segura. Meu lar desde os oito anos, quando minha mãe se perdeu no álcool e nas drogas. Meus tios, que nunca puderam ter filhos, me criaram como filha — e, embora não falássemos disso desde a adolescência, meu coração sempre guardou gratidão.

Tia Marta já nos esperava no portão, de avental florido e sorriso caloroso. Apesar de seus cabelos castanhos se confundirem com os grisalhos nos fazendo suspeitar que ela está na casa dos 60, seu rosto mostrava uma pessoa mais jovem que sua idade. Ela era esguia e calorosa com a maioria, sempre tendo um sorriso e um abraço para dar, além dos conselhos típicos de mãe.

— Entrem, meninas. Fiz arroz soltinho e frango na panela. Nada de dieta hoje!

— Nunca tem dieta nessa casa — brinquei, abraçando-a.

Tio Armando acenou do sofá com seu jeito calado e gentil. Já passava das sete, e a novela sussurrava baixinho na televisão da sala. Ele é o estereótipo de senhor da terceira idade do Sul do Brasil. Usa óculos, cabelos grisalhos, boina e está sempre com a térmica de água quente ao lado e tomando seu chimarrão. Amava camisas xadrez e bombachas. Era brincalhão e não perdia as novelas.

Durante o jantar, Sabrina contava com entusiasmo os bastidores do dia. Eu a observava falando, mexendo as mãos, sorrindo com os olhos verdes que eu conhecia desde criança. Mesmo sem saber de tudo, ela ainda era meu porto seguro.

— Então, você acha que ele derramou café de propósito? — tia Marta perguntou, franzindo a testa.

— O Luan disse que foi estranho, sim. E ele ficou bem nervoso por ninguém atender o botão. Mas parece que a Lu chegou lá na hora certa pra “salvar o dia” — disse, piscando pra mim.

Balancei a cabeça, rindo. Por dentro, meu estômago embrulhava.

Depois da sobremesa — um arroz-doce com canela do jeito que eu amava —, acompanhei Sabrina até o portão.

Um carro encostou lentamente do outro lado da rua. Luan. Desceu e abriu a porta do passageiro como um cavalheiro moderno.

— Então é isso? — perguntei, com os braços cruzados e um sorrisinho debochado. — Tá me escondendo o romance?

— Não é romance ainda — ela respondeu, abaixando a voz. — Mas... estamos nos conhecendo melhor.

— Conhecendo ou... conhecendo? — insinuei com sorriso malicioso e levantando uma sobrancelha.

— Ai, Lúcia! — Sabrina deu risada, me empurrando de leve. — O Luan é legal. Cuida de mim. E... é diferente, sabe? Depois de tudo que a gente já passou...

A última frase ficou no ar. Ela sabia. Sabia mais que todo mundo. Tinha sido ela quem me ajudou a fugir.

— Fico feliz por ti, Bina — murmurei, puxando-a pra um abraço apertado. — Mas, por favor... se ele fizer qualquer coisa errada, me chama. A gente tem um histórico de resgates bem eficiente.

Ela riu, já entrando no carro.

— Se cuida, Lu.

Fechei o portão e voltei para dentro. Me despedi dos tios com beijos e fui para o meu quarto.

Deitei devagar, encarando o teto. Com medo dos sonhos, deixei a luz acesa, baixinha. A escuridão ainda me assombrava. Os lençóis ainda cheiravam a sabão em pó e sol.Aquele aroma me confortava. Me lembrava que eu não estava mais em perigo.

Vinte e sete anos.

E parecia que eu estava recomeçando do zero.

Fechei os olhos. E então veio.

A escuridão. O som da porta sendo trancada.

O cheiro do mofo voltando.

O silêncio da casa sem luz.

Sem internet. Sem telefone.

Sem nada.

No sonho, eu estava de volta naquele lugar.

Ele saía, trancava tudo, desligava a energia do lado de fora.

Certa noite ele veio com cheiro de bebida barata, ameaças e maldade. A amante ligou, e no meio da pressa, ele não cortou a luz e deixou o celular.

Eu me levantei. Meus dedos tremiam. Corri até o computador, torcendo pra ele ligar.

“Sabrina, por favor. Me tira daqui.”

Acordei suando. Ofegante.

Fui até a janela. A rua estava em paz. Nenhum som além do canto de um grilo distante.

Apoiei a testa no vidro.

— Você tá segura agora — sussurrei. — Mas ainda tem muita coisa pra curar.

E quando fechei os olhos de novo, pela primeira vez desde aquele dia, o rosto que me veio à mente foi o dele.

O homem do olhar severo.

O CEO que derramava café.

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