Capítulo 3 - A Bronca

Lúcia

Eu estava terminando de organizar o carrinho de limpeza no banheiro feminino do último andar. Separava os panos secos dos úmidos, os frascos de desinfetante dos de vidro e tentava, com isso, organizar também a cabeça. Mas era difícil manter os pensamentos em ordem com tanto barulho aqui dentro — e nem era barulho de fora, era aquele caos interno que a gente tenta ignorar.

De repente, a porta do banheiro se abriu com um estalo seco. Girei o corpo, esperando ver Sabrina ou alguma funcionária da administração.

Mas não.

Otávio Monteverde.

Alto, com a postura impecável e uma expressão visivelmente irritada. A gravata azul-marinho estava um pouco solta no colarinho da camisa branca, e uma mecha rebelde de seu cabelo perfeitamente arrumado que insistia em cair sobre sua testa. Mas, naquele momento, o que chamava atenção não era sua aparência... era o jeito como me olhava. Rígido. Impaciente.

— Que maravilha — ele disse, sem sequer me cumprimentar. — A limpeza do último andar agora funciona por telepatia?

Fiquei imóvel por um segundo. Depois endireitei os ombros, segurando o borrifador como se ele pudesse me proteger.

— Senhor?

— Eu chamei a equipe de limpeza três vezes nos últimos vinte minutos — ele respondeu, caminhando dois passos para dentro do banheiro, a voz baixa e controlada, mas carregada de frustração. — Alguém derramou café no chão da minha sala. E até agora... nada.

O sangue me subiu ao rosto, quente, imediato.

— Me desculpe, senhor Monteverde. Eu estou sozinha no turno de hoje. Estava reorganizando o carrinho antes de ir justamente para a sua sala.

A resposta saiu antes que eu pudesse medir o tom. Não foi desrespeitosa, mas... havia um traço de impaciência ali. Um impulso.

Ele me fitou em silêncio por um instante, que me fez desejar poder voltar no tempo uns cinco segundos.

— Você sempre responde assim?

Engoli em seco. Era agora que eu seria demitida?

— Só estou tentando explicar, senhor — disse, recuando um pouco no tom. — Não houve descaso. Eu apenas não ouvi o bipe. Mas já estava a caminho.

Aquele olhar dele... tinha algo que misturava julgamento com curiosidade. Como se estivesse me escaneando por dentro, não só ouvindo minhas palavras, mas tentando entender o que eu não estava dizendo.

— Qual é o seu nome? — perguntou, sem tirar os olhos dos meus.

— Lúcia. Lúcia Andrade.

Ele assentiu lentamente.

— Muito bem, senhorita Andrade. Já que está no andar certo, faça o favor de limpar a sala presidencial antes que o café seque e manche o mármore. E se possível, sem mais justificativas — disse, seco, e se virou.

Quando saiu, a porta se fechou sem estrondo. Um silêncio desconfortável ficou para trás, junto com meu coração acelerado.

Suspirei e ajeitei o carrinho. Caminhei pelos corredores polidos do último andar, tentando ignorar a vergonha que ainda aquecia minhas bochechas. Era só meu quinto dia ali, e já tinha conseguido duas proezas: ignorar um chamado do CEO e responder a ele por impulso.

Parabéns, Lúcia.

Cheguei à sala presidencial, bati de leve na porta aberta e entrei com cuidado, como quem invade um santuário alheio. A sala era ampla, com paredes revestidas em madeira escura polida que refletia suavemente a luz do sol filtrada pelas janelas que iam do teto ao chão. O mármore branco do chão brilhava sob os reflexos dourados dos detalhes minimalistas — puxadores, molduras e a luminária de design discreto, tudo em tons de ouro envelhecido.

À esquerda, armários embutidos guardavam documentos e objetos cuidadosamente organizados, cada pasta alinhada com precisão milimétrica. À direita, uma cristaleira exibia comedidamente garrafas de bebidas finas e copos delicados, como se aquela fosse uma pequena fortaleza de controle e refinamento. O brilho meticuloso do vidro refletia a luz, mas nenhum objeto estava fora do lugar — nenhum detalhe escapava ao olhar rigoroso do dono daquele espaço.

No centro, uma grande mesa de madeira escura e pesada dominava o ambiente, atrás da qual ele estava de pé, olhando para fora, para a cidade que se estendia além das janelas, falando ao telefone com uma voz baixa e firme.

— ...eu não pedi flor. Pedi decisão. Preciso da decisão final deste cosmético ainda hoje — captava apenas pedaços daquela conversa, um comando cortante que parecia refletir a pressão que carregava.

Me aproximei, notei que, ao lado da mesa, um organizador de canetas tinha seus instrumentos com uma precisão cirúrgica, sem um milímetro de desalinhamento. O controle e a ordem estavam estampados no ambiente, como um reflexo direto da personalidade dele — tudo deve estar em seu lugar exato, nada fora do esperado.

Me aproximei da mesa de centro, onde uma poça marrom se espalhava pelo chão, próxima a uma cadeira de visitas de couro bege. O resíduo já frio do café impregnava o ar, quase como uma marca de sua presença indesejada. Ajoelhei-me, sentindo o mármore frio contra os joelhos, e comecei a esfregar com cuidado, tentando ser rápida mas meticulosa, consciente de que cada movimento era observado, mesmo sem virar. Dava para sentir.

Depois de alguns minutos, ele desligou o telefone.

— Costumava se atrasar em outras funções também?

A pergunta me pegou de surpresa. Eu estava agachada, torcendo o pano. Levantei os olhos devagar, mas mantive a postura calma.

— Não, senhor. Normalmente sou pontual. Só... distraída às vezes.

Ele se aproximou, parou a menos de um metro de mim. O cheiro amadeirado cedro que emanava dele se misturava com o amargor do café que ainda pairava no ar e o traço sutil de lavanda do desinfetante que eu usava — uma combinação inesperada que criava uma aura quase entorpecente ao redor daquele homem. Ainda com as mãos nos bolsos da calça, me olhava de cima com os olhos semi cerrados, como quem lê um rótulo tentando entender os ingredientes, os efeitos que podiam causar — ou já estavam causando.

— Espero que aprenda rápido. Essa empresa exige mais do que capricho com panos de chão.

Assenti, engolindo o orgulho e as palavras que quase me escaparam da boca . Ele deu um passo para o lado, desviando do balde e voltou à mesa.

— Pode terminar e sair. Deixe a porta encostada.

— Sim, senhor.

Terminei o serviço com precisão, sem falar mais nada. Mas, antes de sair, olhei de canto. Ele estava com a cabeça baixa, escrevendo algo... mas o olhar não estava exatamente concentrado.

E, mesmo sem saber por quê, tive a estranha sensação de que aquele homem já sabia demais sobre mim — mesmo sem saber quase nada.

E eu, para meu próprio azar, começava a querer saber tudo sobre ele.

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