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capítulo 4 - A imprudência do olhar

Otávio 

   Fiquei em silêncio quando a porta se fechou atrás de Lúcia. Nem o som da madeira voltando à posição original quebrou o peso no ar.

   Ela não disse mais nada.

   Só limpou, agradeceu com um aceno breve e saiu.

   Mas o perfume suave que ela deixava no ambiente — uma mistura de produto de limpeza e algo naturalmente feminino — ainda flutuava no espaço, impregnado em sua atenção.

   Passei a mão pelo rosto, frustrado com a minha própria falta de foco. Mas o problema não era o foco. Era o desconforto que sentia desde o instante em que notei o corpo dela no saguão.

   Curvas arredondadas, a cintura marcada sob o uniforme simples e os olhos azuis hipnotizantes, como se ela não tivesse a menor ideia do poder que carregava e nem da avalanche que me estava no meu peito. Agora, após falar com ela, me arrependi de ser tão duro e babaca. O que eu estava pensando? A voz aveludada dela, ao mesmo tempo firme quando me respondeu, ainda ecoava em meus ouvidos. Seus lábios sensuais…

   Ela não estava tentando seduzir.

   E talvez por isso mesmo fosse tão malditamente sedutora.

   Me levantei e fui até o local onde o café tinha sido derramado — propositalmente, claro. Agora limpo, o chão reluzia. Passei a mão pela superfície, fria e perfeitamente limpa. Lúcia fazia o trabalho com esmero. Eu já sabia disso. Mas havia algo mais ali.

   Algo em como ela existia. Como se recusasse a se encaixar.

   Voltei para a mesa e me joguei na cadeira, esfregando os olhos. Queria afastar aquela imagem. Queria voltar a ser o homem que sempre foi: racional, impenetrável, acima de distrações.

   Mas o fato era um só:

   Eu estava desejando uma funcionária.

   Uma faxineira.

   Isso não era só inapropriado. Era burro.

   Otávio Monteverde não se permitia perder o controle, eu repetia para mim mesmo.

   Desde os vinte e oito anos anos, quando assumi parte da liderança do Grupo Auros após a morte de meu pai, aprendi que a perfeição era uma armadura. Ternos sob medida. Cabelos impecáveis. Discurso alinhado. Uma noiva "adequada". Tudo em ordem. Sempre.

   Mas bastou uma mulher comum, com um coque feito para isso começar a ruir.

   Dei um soco leve na mesa.

   — Está nervoso, Sr. Monteverde? — uma voz debochada interrompeu seus pensamentos.

   Ergueu os olhos. Elias Albuquerque estava parado na porta, sem bater, como fazia desde os treze anos. Terno preto sob medida, barba bem aparada, cabelos loiros bem penteados e aqueles olhos cheios azuis cheios de deboche.

   — Você esqueceu da reunião com o pessoal da campanha social internacional. Começava há vinte minutos. Já avisei que você está preso em um “compromisso urgente” — disse ele, fazendo aspas com os dedos, apesar de ser meu diretor de expansão internacional ainda me encobre como se fôssemos adolescentes fazendo burrada.

   — Obrigado — respondi seco.

   — Por que você está com essa cara? Parece que viu um fantasma... ou algo que te incomodou?

   Arqueei uma sobrancelha.

   — Quer brincar de analista agora?

   — Só estou dizendo que você está mais estranho que o normal. E eu conheço você, Monteverde. Desde quando você tropeça nas palavras ou esquece compromissos?

   Desviou o olhar.

   Elias sempre foi o oposto de mim. Solto, sarcástico, irreverente. Mas era seu braço direito. O único que conhecia os bastidores por trás do homem público. E o único que podia dizer as verdades que mais ninguém ousava.

   — Você lembra daquela faxineira nova que começou essa semana? — perguntei, tentando soar casual.

    Elias olhou-me com os olhos semicerrados, desconfiado.

   — A baixinha do olho claro? Gorducha?

   Não respondi. O silêncio já era confirmação suficiente.

   Elias assobiou baixo pondo as mãos no bolso da calça.

   — Uau. Achei que seu tipo fosse gente feita de porcelana fria, não mulher de verdade.

   — Cala a boca — disse, sem força.

   — Então foi por isso que se atrasou? Você, que nunca esquece um compromisso? Achei curioso.

   Levantei-me bruscamente e fui até a janela como se pudesse fugir daquele sentimento de estranheza que crescia dentro de mim.

   — Pessoas esquecem. Acontece.

   — Não o CEO da Auros. Eu te conheço. você é metódico e não desleixado.

   Virei, encarando meu amigo.

   — Não vou me envolver com uma funcionária. E muito menos com alguém tão... - titubeei tentando encontrar a palavra certa.

   — Tão o quê? Humana? Real? Humilde? - ironizou Elias.

   Cerrei os punhos.

   — Isso aqui não é uma brincadeira, Elias. A empresa, meu nome, o que eu carrego...

   — Eu sei. E por isso mesmo você tá sempre tentando não sentir nada. Até agora. - Disse Elias se jogando na cadeira de visitas e pondo os pés sobre a mesa de centro.

Respirei fundo. O coração ainda acelerado. A imagem de seu rosto distraído insistia em aparecer em minha mente como um flash, uma lembrança de que mesmo podendo ter tudo, nem tudo era adequado ter. Mas e se fosse escondido? 

Droga Otávio, que merda você tá pensando? Ela é uma pessoa seu idiota. Tem sentimentos, não é um brinquedo. 

Eu estava perdido.

   E ainda nem tinha começado a se permitir.

   Elias me fala, com mais seriedade agora.

   — Cuidado, Távio. Quando a gente reprime demais... o desejo encontra outro jeito de escapar. E às vezes, vem como uma avalanche.

   Voltei para minha cadeira. Fitei a xícara de café pela metade. 

  — No que estava pensando? — murmurei pra mim mesmo.

  Eu realmente fiz uma cena só para vê-la?

   Pensei em Lúcia. No nome, na boca, no cabelo desengonçado e no jeito como ela o respondeu sem medo.  Alguém simples. Real demais para caber no mundo que eu criei.

— Vamos, estamos atrasados para a reunião — disse me levantando da cadeira e caminhando em direção à porta.

  Ao sair olhei uma última vez para o chão e meus lábios contraíram em um sorriso inesperado.

   E eu sabia, com uma certeza incômoda, que ainda não era a última vez que a chamaria naquela sala.

   Muito menos, a última vez que a desejaria.

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