Mundo ficciónIniciar sesiónNatália sempre acreditou que esforço e disciplina seriam suficientes para manter sua vida nos trilhos. Filha de uma família humilde, criada sob o olhar protetor de um pai presente e cercada pelo caos amoroso dos trigêmeos mais novos, ela aprendeu cedo a carregar responsabilidades que não eram pequenas demais para seus sonhos. Mas um acidente no trabalho do pai muda tudo. Com a renda comprometida e as contas se acumulando, Natália se vê obrigada a abandonar a rotina confortável de estudante dedicada para mergulhar em uma jornada exaustiva: trabalho em período integral e faculdade à noite. É nesse turbilhão de cansaço, medo e esperança que ela conhece Carlos Eduardo Nóbrega Linhares — um jovem universitário que faz o mesmo curso que ela. O que começa como uma proposta inocente se transforma em um romance tórrido e irresistível. Entre segredos, diferenças sociais e escolhas que podem mudar seu destino para sempre, Natália precisará decidir até onde está disposta a ir por amor — e o quanto de si mesma está disposta a perder no caminho. Porque alguns amores não nascem em pares.
Leer másPonto de vista do narrador
O despertador tocou antes que o sol tivesse coragem de aparecer. Natália abriu os olhos devagar, sentindo o peso da noite mal dormida ainda preso nos cílios. O quarto pequeno parecia menor a cada dia — talvez porque, de repente, o mundo inteiro tivesse ficado grande demais para ela carregar. Do outro lado da casa, os trigêmeos já discutiam alguma bobagem. Era sempre assim: seis horas da manhã e eles soavam como se estivessem narrando uma final de campeonato. Natália suspirou, puxou o cobertor e deixou o frio beijar seus pés antes de tocar o chão gelado. — Nat, a água acabou! — gritou um dos irmãos. Ela nem se preocupou em identificar qual deles reclamava agora. — Põe no fogo! — respondeu, amarrando os cabelos num coque rápido. O espelho devolveu a imagem de uma versão cansada de si mesma. Não era vaidade o que lhe faltava; era tempo. Desde o acidente do pai — desde aquela maldita ligação da empresa em que o pai trabalhava — Tudo havia mudado. Tudo dentro dela também. Descendo para a cozinha, encontrou o pai sentado à mesa, a perna presa por pinos, ferros e todo o arsenal necessário para reconstruir ossos que agora doíam mais que o orgulho. Ele folheava o jornal com uma expressão que tentava — mas não conseguia — esconder a frustração. — Dormiu bem, filha? — perguntou, sem erguer muito a voz. — Dormi — ela mentiu. Como sempre. A mãe entregava marmitas, ajeitava o uniforme dos meninos, conferia mochilas. Era um vendaval de movimento, enquanto Natália servia o café. — Você ainda pode voltar a estudar no próximo semestre — disse a mãe, do nada, como se aquele pensamento tivesse despencado da prateleira mais alta direto para o meio da mesa. Natália sorriu de canto. Era um sorriso que ela já sabia usar como escudo. — E atrasar tudo? Não dá. O curso não vai se fazer sozinho, mãe. O pai suspirou. Ele odiava ter se tornado um peso, mesmo que ninguém jamais dissesse isso em voz alta. Ela percebeu. Ele percebeu que ela percebeu. E, por isso, desviou o olhar. A verdade era simples e cruel: se Natália não trabalhasse o dia inteiro, as contas não fechariam. Se deixasse a faculdade, seus sonhos rachariam junto. E, se confessasse o quanto estava assustada, talvez desmoronasse de vez. Não agora, pensou. Um passo de cada vez. Respira. Vai. O ônibus lotado transparecia a pressa. Natália segurou firme na barra metálica enquanto as pessoas se empurravam como se a sobrevivência dependesse daquele único veículo. O dia mal começara e ela já sentia o cansaço pulsando atrás dos olhos. O trabalho na pequena papelaria do centro não era ruim — só era repetitivo e, ultimamente, esmagador. Era caixa, atendimento, reposição, limpeza, tudo ao mesmo tempo. Tudo para que, no fim do mês, ainda faltasse um pouco para tudo. Às oito da noite, quando finalmente cruzou os portões da universidade, o corpo estava exausto, mas a mente despertava. Era ali que ela lembrava por que ainda não desistira. O corredor cheirava a tinta velha e café barato. Os estudantes passavam rindo, conversando alto, vivendo uma leveza que ela mal lembrava como era. Foi então que ela o viu. Carlos Eduardo Nóbrega Linhares. O nome comprido combinava bem com o ar de quem parecia carregar o mundo na ponta dos dedos e não tinha medo de deixá-lo cair. Ele estava encostado na parede, rindo com alguns amigos — um sorriso fácil, bonito, cheio de luz. Suas roupas de grife e os sapatos combinando denunciavam: o típico garoto de elite. Ele olhou na direção dela por acaso. Ou talvez não. O olhar dele prendeu o dela por um segundo longo demais. Natália desviou rapidamente, sentindo um calor tolo subir pelo pescoço. Seguiu até seu armário. Seria a primeira aula da noite, e ela estava animada. Pensava no trabalho que precisava entregar e, no fundo, agradecia pelo emprego na papelaria — apesar de exaustivo, permitia que ela imprimisse seus trabalhos. Era uma das poucas que ainda entregava tudo impresso e, às vezes, virava motivo de piada. Mas ela não se importava. Seus pensamentos foram interrompidos pela voz de alguém que ela já observara algumas vezes, mas sempre evitava — porque sabia que seus mundos eram diferentes. — Oi — ele disse, aproximando-se. A voz era tranquila, com um charme despretensioso que parecia treinado desde o berço. — Oi — ela respondeu, tentando esconder o turbilhão interno. Carlos se aproximou, mostrando a tela do celular onde aparecia o nome da disciplina. — Organização e Gestão Educacional. Às oito e quinze — disse ele, com aquele sorriso tranquilo. — Sim. Natália confirmou. — Também estou nessa. Carlos sorriu como se aquilo fosse uma coincidência maravilhosa. — Ótimo. Podemos entrar juntos, se quiser. Era só uma frase. Só uma gentileza. Só uma aproximação casual entre dois estudantes em um dia comum. Mas algo dentro dela — algo que Natália não sabia nomear — tremeu. Talvez fosse o cansaço. Talvez fosse o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, alguém a olhava não como uma obrigação, não como uma responsabilidade, não como a filha que precisava ser forte. Ele a olhava como alguém que valia a pena conhecer. Natália respirou fundo. — Claro — respondeu. — Vamos. E, quando entraram juntos na sala, lado a lado, ela sentiu o primeiro desvio do caminho que jurara seguir. O tipo de desvio que não avisa. O tipo que pode mudar tudo. Mas Natália ainda não sabia disso. Ninguém poderia prever o que estava por vir. Ainda não sabia que alguns amores não começam com promessas — e sim com pequenos acidentes de percurso. E que, às vezes, o imprevisto é o primeiro passo para nunca mais voltar à normalidade. O comum já não fazia parte de seu vocabulário — e nunca mais faria. E, além do cruzar de caminhos, outros olhares já se voltavam para eles. Em breve, as primeiras turbulências começariam — e ventos fortes costumam espalhar o fogo, não apagar.Ponto de vista da Natália O carro deslizou até a entrada iluminada do Motel Le Rêve, cujas luzes suaves em tom dourado refletiam no vidro e dançavam sobre o rosto de Natália. Ela não sabia se estava respirando fundo demais ou de menos, mas seu coração parecia ter assumido o controle do próprio corpo.Carlos Alberto manteve a mão sobre a dela todo o trajeto, como se precisasse daquele contato para se certificar de que aquilo era real.E, de certa forma, Natália também precisava daquilo.Quando o veículo parou diante da suíte, Carlos Alberto desceu primeiro, contornou o capô, abriu a porta dela e ofereceu a mão, ajudando-a a sair. O toque dele era firme, quente, com um tipo de segurança que fazia as pernas dela perderem brevemente a força.A suíte tinha luzes baixas, um aroma suave de baunilha e jasmim, e música ambiente tão discreta que quase parecia vir do próprio ar. Um arranjo de lírios brancos decorava a mesa ao lado.Natália entrou devagar, observando tudo como quem entra em outr
Ponto de vista do narrador Quando a última aula terminou, Natália juntou seus materiais com pressa, como se fugir antes que algo a alcançasse pudesse impedir que seus pensamentos se fragmentassem ainda mais. Mas o coração estava inquieto demais para obedecer.O campus à noite tinha um brilho diferente: os postes antigos lançavam luz amarelada, criando sombras longas pelo chão. Grupos de estudantes conversavam animados, planejando festas, rindo alto. Outros corriam para os ônibus como se competissem com o relógio.Natália estava no segundo grupo.— Natália!Ela se virou apesar de não querer. O nome dito na voz dele sempre carregava uma força estranha, como se puxasse algo dentro dela.Carlos corria até ela, o sorriso suave iluminado pela luz dos postes.— Por que saiu tão rápido? — perguntou, ainda recuperando o fôlego.Natália deu de ombros.— Estava cansada. — Era verdade, mas também era uma armadura.Carlos franziu o cenho, duvidoso.— Posso te acompanhar até o ponto? Tá tarde.Ela
Ponto de vista do narrador Após sair da casa da família Nóbrega Linhares, Natália estava prestes a chamar um motorista de aplicativo quando Carlos Eduardo se ofereceu para levá-la até a papelaria. Ela aceitou. No caminho, os dois trocaram um beijo doce — daqueles que aquecem o peito e deixam um sorriso involuntário no rosto. Depois, se despediram, e Natália entrou na papelaria. Tinha chegado a tempo para o expediente, mas sabia exatamente por que estava ali naquele dia. A papelaria parecia menor do que o habitual. As prateleiras pareciam próximas demais, como se quisessem impedi-la de ir embora. O balcão onde passara tantas horas atendendo clientes agora parecia estranho, distante. — Tem certeza, Natália? — perguntou Dona Rosa, ajeitando os óculos de leitura pela enésima vez. — Eu sei que você está feliz com essa oportunidade, mas vamos sentir sua falta aqui. E saiba que as portas estão sempre abertas… mesmo que seja só pra vir conversar. Natália sorriu — um sorriso tremido, emoc
Ponto de vista do narrador Ele a encarava como se alguma memória estivesse tentando emergir — uma impressão vaga, um brilho reconhecível nos olhos dela, mas que insistia em escapar.Natália, por outro lado, sentia o peso de cada segundo naquele ambiente elegante demais para ela. Tudo ali parecia gritar que ela não pertencia àquele mundo.Mas ele, tinha um jeito calmo, firme, acolhedor.E aquilo tornava tudo menos assustador.— Água? Café? Suco orgânico? — perguntou ele, com sua educação impecável.— Água, por favor — respondeu Natália, a voz quase sumindo.Ele indicou o sofá branco, moderno, certamente mais caro do que tudo que ela já teve. No tapete ao lado, a menininha em jardineira jeans, camiseta rosa e botas infantis brincava com ferramentas de brinquedo. Ao perceber Natália, parou tudo, encarando-a com uma curiosidade pura, encantada.— Você trabalha com crianças, certo? — perguntou o pai.— Não profissionalmente — ela admitiu. — Mas sempre cuidei dos meus irmãos. E estou fazen
Ponto de vista do narradorCarlos Eduardo acelerou a moto algumas quadras depois de deixar a casa de Natália. Não era pressa. Era o corpo tentando acompanhar o coração, que parecia querer saltar do peito e voltar correndo para ela.Em menos de uma semana, tudo tinha mudado.Uma semana. Sete dias. Algumas conversas, esbarros nos corredores da faculdade, momentos que pareciam durar vidas inteiras.Ele, que nunca acreditava em amor à primeira vista, que ria quando alguém falava em “almas gêmeas”, que achava que paixão de verdade levava tempo… agora entendia que às vezes o tempo não tem nada a ver com isso.Com Natália, bastou um olhar.Um único olhar no meio de uma roda de amigos, e algo dentro dele simplesmente reconheceu ela. Como se a alma dissesse: aí está você. Eu te procurei a vida inteira.Desde então, cada segundo perto dela era um imã. Cada segundo longe era um vazio que ele não sabia explicar.Ele parou a moto em frente à casa, tirou o capacete e ficou olhando para o nada, sent
Ponto de vista do narradorO resto do dia passou naquele ritmo confortável e previsível da papelaria.Natália ajudou estudantes com listas de materiais, separou cadernos, conferiu tintas de impressora, arrumou a prateleira de canetas que insistia em cair, tudo no automático, com a mente distante.Às vezes, lembrava da menininha mais cedo, segurando a borracha como se fosse um tesouro. Outras, tentava ignorar a sensação estranha no peito sempre que o nome Carlos Eduardo aparecia na memória.Quando o relógio finalmente bateu o fim do expediente, Natália respirou fundo. Guardou seu crachá, fechou a gaveta e deu o último tchau para a dona da papelaria — um aceno preguiçoso e simpático dela, como sempre.O ar da noite estava fresco quando ela saiu. O campus ficava a alguns quarteirões dali, então foi caminhando devagar, apreciando a calma da rua iluminada pelos postes amarelos.Conforme se aproximava da entrada da faculdade, o som surgiu primeiro.Um ronco grave, forte, que fez alguns alun





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