— O primeiro dia

Ponto de vista do narrador

Após sair da casa da família Nóbrega Linhares, Natália estava prestes a chamar um motorista de aplicativo quando Carlos Eduardo se ofereceu para levá-la até a papelaria. Ela aceitou. No caminho, os dois trocaram um beijo doce — daqueles que aquecem o peito e deixam um sorriso involuntário no rosto. Depois, se despediram, e Natália entrou na papelaria. Tinha chegado a tempo para o expediente, mas sabia exatamente por que estava ali naquele dia.

A papelaria parecia menor do que o habitual. As prateleiras pareciam próximas demais, como se quisessem impedi-la de ir embora. O balcão onde passara tantas horas atendendo clientes agora parecia estranho, distante.

— Tem certeza, Natália? — perguntou Dona Rosa, ajeitando os óculos de leitura pela enésima vez. — Eu sei que você está feliz com essa oportunidade, mas vamos sentir sua falta aqui. E saiba que as portas estão sempre abertas… mesmo que seja só pra vir conversar.

Natália sorriu — um sorriso tremido, emocionado.

— Tenho sim, Dona Rosa. E quero agradecer pela oportunidade… A senhora sempre me ajudou muito. Obrigada por tudo.

A proprietária a puxou para um abraço apertado, quente, com cheiro de papel novo e café forte.

— Você é muito especial, Natália. Siga sempre seu coração. Mesmo que algo saia do comum, lembre-se: ser diferente não é ruim nem errado… só é diferente.

Ao sair pela porta da papelaria, Natália sentiu como se um capítulo inteiro de sua vida se fechasse atrás dela — e outro se abrisse diante dos seus pés.

Seguiu direto para a faculdade, como sempre.

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À noite, o campus estava iluminado por postes amarelados que davam às árvores um ar quase mágico. O movimento era o mesmo de sempre: estudantes rindo, conversando, carregando livros e sonhos. Mas os pensamentos de Natália estavam longe dali.

Ela pensava na entrevista.

Em Carlos Eduardo.

No pai dele.

Nos olhares… nos beijos… nos cheiros… cada um deixando um rastro diferente em sua memória.

— Meu Deus… — murmurou, sentindo o rosto esquentar só de lembrar.

E foi então que uma cena a fez parar.

Ao longe, uma garota alta, morena da cor de jambo, com cabelos longos e lisos quase até a cintura, estava agarrada ao braço de Carlos Eduardo. A moça falava animada, sorrindo demais. Ele estava sério, mas ouvia o que ela dizia, mãos nos bolsos.

Natália travou.

Seu coração pareceu parar por um instante — frio, duro.

Ela respirou fundo.

Não deixaria aquilo destruir sua paz.

Não permitiria que a mente criasse tempestades.

Seguiu para a primeira aula. Sentiu o celular vibrar algumas vezes, mas escolheu ignorar.

Quando o sinal do intervalo tocou — alto, estridente, quase como uma sirene anunciando um desastre ambiental ou ataque nuclear, não pelo toque em si, mas pelo que causara no peito de Natália. Saiu apressada, buscando refúgio na biblioteca. Precisava de silêncio, de um canto para se esconder e começar o trabalho que tinha para entregar.

Mal virou o corredor quando ouviu:

— Natália!

Ela se virou.

Carlos Eduardo estava ali. No meio do corredor. A encarando com aquele sorriso lindo. Ele vestia uma camisa social preta, calça branca e um sapato preto e branco impecável. Nada de jaqueta de motoqueiro daquela vez — ele parecia saído de uma revista.

Ele se aproximou devagar, analisando cada expressão dela.

— Pensei que você não tivesse vindo hoje.

— Claro que eu vim — respondeu, mantendo o tom natural. — Era uma aula importante.

— A aula era importante… — ele repetiu, baixinho, chegando ainda mais perto. — Ou alguém importante?

O coração dela tropeçou.

— Carlos…

Ele riu baixinho, segurou sua cintura e a puxou para perto. E a beijou ali mesmo, no corredor, com desejo e urgência.

Alguns alunos passaram, encarando, rindo, cochichando.

Um deles gritou:

— Procura um quarto!

Natália ficou envergonhada e tentou se afastar. Mas Carlos não deixou. Guiou-a até saírem do fluxo de pessoas, levando-a para o lado externo. Ali, ele voltou a beijá-la — com mais calma, mais paixão, como se o mundo tivesse deixado de existir.

Até que uma voz cortou o ar.

— Cadu! O que você está fazendo me traindo?!

Os dois se afastaram como se tivessem levado um choque.

A frase atingiu Natália como um golpe.

O estômago afundou.

O coração doeu.

A expressão dela deixava claro: nunca, nem por um segundo, imaginou que ele tivesse namorada… ou alguém assim na vida dele.

Instintivamente, Natália deu um passo para trás.

Depois virou para correr — fugir da humilhação — mas Carlos segurou seu pulso.

— Bia, do que você está falando?! — ele disse, irritado. — Nós não temos mais nada!

A confusão chamou atenção. Em poucos segundos, vários grupos de alunos se juntaram ao redor, formando um semicírculo. Sussurros, celulares gravando, olhares famintos por drama.

E Natália, no centro de tudo, sentindo o chão começar a sumir sob seus pés.

A bela morena se aproximou com passos firmes, o olhar carregado de acusação.

— Eu vou ter que lhe lembrar do que você prometeu aos meus pais? — disse Beatriz, a voz baixa, porém cortante.

Carlos Eduardo vacilou por um instante. A frase o atingiu, mas ele ainda tentou argumentar — mesmo que de forma fraca.

— Eu era jovem, Bia… eu não sabia o que significava ter um relacionamento. E, além disso, você namorou e até transou com outros caras depois que terminamos.

Natália, ali ao lado, ainda com o pulso preso pela mão de Carlos, sentia-se no meio de uma novela dramática. E ela odiava isso. Tudo o que mais queria era sossego, estabilidade — viver sua vida da forma mais normal possível, longe de confusão, longe de holofotes, longe de qualquer enredo parecido com aquele.

Mas Beatriz não deixava espaço para argumentos. Aproximou-se mais e, com um movimento rápido e agressivo, puxou a mão de Carlos Eduardo, soltando o pulso de Natália. A jovem aproveitou aquela “ajuda” involuntária e, enfim, escapou — virou e saiu correndo dali sem olhar para trás.

No pátio, a discussão se intensificou.

Carlos estava irritado, mais do que deixava transparecer. Ele nunca sentiu nada profundo por Beatriz. Anos atrás, quando seus pais começaram a ver o sucesso estrondoso do pai dele, forçaram uma aproximação, uma amizade que logo virou pressão para um relacionamento. Imaturo, Carlos cedeu. Namoraram por um tempo, mas nunca houve amor — nem conexão, nem futuro. Logo terminaram.

Mas Beatriz nunca aceitou o fim. Para ela, aquilo não era apenas um romance interrompido — era controle. Era domínio. Era status.

O que ela não imaginava era que o coração de Carlos já tinha dona. Já tinha sido tomado, sem aviso, pela jovem Natália.

E o mais surpreendente — o que ninguém ousaria imaginar — era que o coração de Natália começava a bater perigosamente em duas direções.

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