Mundo de ficçãoIniciar sessãoPonto de vista do narrador
Carlos Eduardo acelerou a moto algumas quadras depois de deixar a casa de Natália. Não era pressa. Era o corpo tentando acompanhar o coração, que parecia querer saltar do peito e voltar correndo para ela. Em menos de uma semana, tudo tinha mudado. Uma semana. Sete dias. Algumas conversas, esbarros nos corredores da faculdade, momentos que pareciam durar vidas inteiras. Ele, que nunca acreditava em amor à primeira vista, que ria quando alguém falava em “almas gêmeas”, que achava que paixão de verdade levava tempo… agora entendia que às vezes o tempo não tem nada a ver com isso. Com Natália, bastou um olhar. Um único olhar no meio de uma roda de amigos, e algo dentro dele simplesmente reconheceu ela. Como se a alma dissesse: aí está você. Eu te procurei a vida inteira. Desde então, cada segundo perto dela era um imã. Cada segundo longe era um vazio que ele não sabia explicar. Ele parou a moto em frente à casa, tirou o capacete e ficou olhando para o nada, sentindo o peito apertar de um jeito bom. Estava apaixonado. Não era exagero. Não era ilusão. Era certeza. Era como se, finalmente, todas as peças da vida dele tivessem se encaixado com a chegada dela. O quase beijo daquela noite ainda queimava nos lábios. Ele nunca tinha sentido aquilo: um desejo tão forte misturado com uma vontade tão pura de proteger, de cuidar, de pertencer. Queria beijá-la, queria abraçá-la, queria acordar todo dia com ela ali. Queria tudo. E queria agora. Carlos já tinha vivido bastante coisa: namoros, beijos roubados, noites intensas. Já tinha quase chegado lá com a Bia, mas nunca tinha sentido que era o momento certo, que era a pessoa certa. Com Natália, pela primeira vez, ele tinha pressa de chegar até o fim — não só no corpo, mas na vida inteira. Entrou em casa ainda atordoado. O pai estava no sofá, com a irmãzinha quase dormindo no colo. — Boa noite, pai. Conversaram um pouco sobre o dia, sobre a faculdade, sobre nada demais. Quando a pequena finalmente apagou de vez, o pai se levantou para levá-la ao quarto. Carlos respirou fundo. — Pai… lembra que o senhor tá procurando babá? — Lembro. Achou alguém? — Achei. O nome dela é Natália. Ele sorriu sem conseguir evitar. — Eu sei que parece loucura, mas ela é diferente. Ela é especial. De verdade. A mana ia amar ela. E eu… — ele baixou a voz — …eu sinto que ela já faz parte da nossa família, mesmo sem conhecer vocês ainda. O pai parou, olhou bem para o filho. Aquele olhar de quem já viveu o suficiente pra reconhecer quando algo é sério. — Você tá falando com cara de quem se apaixonou, filho. Carlos não negou. Só sustentou o olhar e assentiu devagar. — Tô. E tô falando sério. O pai deu um meio sorriso, daqueles que misturam orgulho e preocupação. — Então traz essa moça aqui amanhã para uma entrevista. Quero conhecer quem conseguiu fazer meu filho sorrir como bobo. Carlos riu, aliviado, o coração batendo tão forte que parecia que ia explodir. No mesmo instante, do outro lado da cidade, o celular de Natália vibrou. Era ele. Ela olhou para a tela, sentiu o estômago dar um salto mortal e sorriu como quem acaba de encontrar o caminho de casa. Atendeu com a voz já tremendo de expectativa. — Oi… A conversa durou horas, falaram sobre tudo e sobre nada. Por vezes o assunto era sério, até filosófico e por vezes, era apenas brincadeiras. Ficaram assim até quase adormecerem... Natália acordou antes mesmo do despertador tocar, como se algo dentro dela já soubesse que aquele dia não era comum. A luz suave da manhã filtrava-se pelas cortinas gastas, e os trigêmeos ainda dormiam encolhidos no colchão ao lado. Ela se levantou devagar, prendeu o cabelo, escolheu sua melhor — e ainda assim simples — roupa, e encarou o celular iluminado na cômoda. A mensagem de Carlos enviada há poucos minutos: “Confia. Vai dar certo.” Era absurdo como apenas duas frases dele tinham o poder de acalmar seu coração, mesmo enquanto tudo ao seu redor era caos. Ela respirou fundo. Hoje ela encontraria o pai de Carlos Eduardo. O famoso Carlos Alberto Nóbrega Linhares. Bilionário. Referência mundial em marketing digital impulsionado por IA. Um nome que ela sequer conhecia até ontem. Nesses últimos meses ela não tem conseguido ver nada na TV e nunca acompanha notícias. Mas agora, estava indo para uma entrevista de emprego na casa dele. Do outro lado da cidade, o clima era completamente diferente. A Mansão Nóbrega Linhares ficava em um condomínio fechado que parecia mais um oásis tecnológico do que um bairro. Portões automatizados, segurança armada, carros elétricos silenciosos circulando, e jardins que mais pareciam cenários cinematográficos. Dentro da casa — o ambiente era amplo, luxuoso e perfeitamente organizado. Painéis de vidro inteligentes que mudavam de transparência, luzes ajustadas por comando de voz, obras de arte digitais que se moviam conforme a música ambiente e, no centro da cozinha gourmet, o patriarca da família preparava o café da manhã. Carlos Alberto, apesar da fortuna que o cercava, se dedicava à família e era presente na vida dos filhos. Alto, postura impecável, barba bem aparada, olhos que enxergavam mais do que ele dizia. Segurava a filha pequena no colo enquanto organizava a mesa com uma eficiência que surpreenderia qualquer um. Já Carlos Eduardo, caminhava de um lado para o outro no chão de mármore italiano. — Filho — o pai disse, rindo enquanto colocava a menina na cadeirinha de design escandinavo — você vai acabar abrindo um buraco no chão igual nos desenhos animados se continuar andando desse jeito. — Eu tô tranquilo — Carlos respondeu, claramente nada tranquilo. O pai ergueu uma sobrancelha. — É só uma entrevista. Carlos pensou em Natália. No quase beijo da noite anterior. No jeito que ela segurou sua cintura na moto. Na maneira como parecia fugir dele e ao mesmo tempo procurá-lo. Na conversa durante quase a noite toda, e o quanto queria estar ao lado dela naquele momento. — É só uma entrevista… — repetiu, agora sorrindo sozinho. O pai apenas observou. Ele conhecia aquele olhar. Era o mesmo olhar que tivera quando se apaixonou pela mãe dos seus filhos. Natália chegou ao condomínio com vinte minutos de antecedência — e ainda assim sentiu que estava atrasada. O carro de aplicativo parou diante de um portão tão grande que ela sentiu vontade de voltar. — Bom dia. Nome e motivo da visita? — perguntou o segurança, em um microfone quase invisível preso ao uniforme impecável. — Natália Rodrigues, vim para uma entrevista. A guarita verificou, confirmou, registrou sua biometria e então os portões se abriram. O carro ainda seguiu quase cinco minutos. Natália quase perdeu o fôlego ao ver a mansão pela primeira vez. Era como se tivesse entrado numa revista de arquitetura. Ou em outra realidade. Jardins que pareciam pintados à mão. Um espelho d’água que refletia o céu. Carros luxuosos alinhados como joias. E a fachada imensa de vidro e concreto, com detalhes em madeira e luzes embutidas. Ela desceu do carro com cuidado, como se pudesse quebrar alguma coisa com o simples ato de existir ali. Um funcionário a aguardava. — Senhorita Natália? Por aqui, por favor. Ela seguiu o homem até o interior da casa, e cada passo era uma descoberta: arte, tecnologia, tudo impecavelmente coordenado. Quando chegou à sala principal, quase não respirou. Painéis de LED transmitiam animações abstratas. A cozinha integrada parecia saída de um comercial futurista. E no centro, sentado com a filha no colo, estava ele. Carlos Alberto Nóbrega Linhares. Ele levantou o olhar assim que ela entrou. — Natália? — disse com uma voz firme, elegante. — Seja bem-vinda.






