Londres, 1811. A senhorita Beatrice Fairweather tem três certezas na vida: O chá é a solução para quase tudo. Ela nunca vai se casar. O Marquês de Hensley é um cretino encantador - na pior ordem possível. Beatrice é espirituosa, adora ler romances escandalosos escondida dentro de tratados de botânica, e já recusou quatro propostas de casamento - uma delas no meio de um baile, em frente a toda a sociedade. Seu maior sonho? Tornar-se dona de uma pequena livraria (o que, para uma dama, é evidentemente um escândalo). Mas seu mundo vira de cabeça para baixo quando o Marquês de Hensley, um libertino notório e absolutamente insuportável, decide que precisa de uma esposa... para salvar sua reputação (e herança). E escolhe ninguém menos que Beatrice - não por amor, claro, mas porque ela é a única mulher que parece imune ao seu charme ridículo. Beatrice, escandalizada, recusa de imediato. Mas o marquês não é homem de desistir tão fácil - e decide que vai conquistar Beatrice com todas as armas que um cavalheiro do século XIX possui: poesia ruim, serenatas desafinadas, bilhetes dramáticos, jantares desastrosos, e uma avó intrometida que está do lado dele. Em meio a situações absurdas, visitas escandalosas, falas mordazes e uma guerra de provocações digna de um tratado, Beatrice começa a se perguntar se o tal marido impossível... talvez não seja assim tão impossível de amar.
Ler maisEm que a senhorita Fairweather recusa sua quinta proposta de casamento — e acidentalmente destrói uma samambaia.
Londres, abril de 1811 Beatrice Fairweather estava entediada. Era a terceira terça-feira do mês, o que significava que Lady Penelope organizava sua infame "Tarde das Senhoritas Dignas" — uma reunião absurdamente enfadonha, onde damas da sociedade competiam para ver quem bordava mais flores por polegada quadrada de tecido. A única coisa que Beatrice bordava, porém, era paciência. — Senhorita Fairweather, diga-nos... — Lady Penelope interrompeu o silêncio com sua voz aguda. — O que pensa sobre as vantagens do casamento precoce? Beatrice ergueu os olhos de seu bordado desastroso — que, com um pouco de boa vontade, poderia ser confundido com um pato deformado — e sorriu com toda a elegância de que era capaz. — Acho que o casamento precoce deve ser evitado com a mesma prudência com que evitamos leite talhado. Ambos causam náusea, minha senhora. Um silêncio escandalizado caiu sobre a sala, seguido de um pequeno engasgo vindo da senhorita Margareth, que tentou disfarçar com um gole de chá. — Senhorita Fairweather...! — Lady Penelope ficou lívida. — Perdão, minha língua escapuliu. Acontece com frequência — respondeu Beatrice, dando um gole em sua xícara. — Especialmente quando me perguntam tolices. Era verdade que Beatrice possuía língua afiada e pouco talento para contenção verbal. Também era verdade que recusara quatro propostas de casamento — duas delas muito vantajosas, segundo sua mãe — e que sua reputação como "difícil" já circulava em mais salões do que ela mesma. Mas a quinta proposta... ah, essa seria inesquecível. Naquela mesma tarde, ao retornar à propriedade de sua tia-avó, onde estava hospedada durante a temporada social, Beatrice deu de cara com um buquê de rosas absurdamente vermelhas e um bilhete preso com um laço dourado. "Senhorita Fairweather, Sua beleza eclipsa até mesmo as tulipas do jardim de minha mãe. Aceitaria a honra de se tornar minha esposa? Atenciosamente, Algernon Dobbins, Barão de Westgate." Beatrice piscou. Depois leu novamente. Depois ergueu o olhar para a criada que aguardava sua resposta. — Ele me comparou a uma tulipa? — Sim, senhorita — disse a criada, tentando não rir. Beatrice suspirou e, com um gesto delicado, enfiou o bilhete dentro da samambaia do hall de entrada, onde ele ficou preso com perfeita ironia. — Diga ao barão que... embora honrada, preciso recusar. Diga também que prefiro ser comparada a algo mais resistente. Como uma pedra. Ou uma mula. Naquela noite, a história da quinta recusa de Beatrice já corria entre os salões, bailes e becos. Alguns a chamavam de insuportável. Outros, de imprestável. Um cavalheiro comentou que ela devia ter sido criada por lobos. Mas o que ninguém imaginava é que havia um certo homem — de reputação duvidosa, riso fácil e intenções questionáveis — que acabara de escutar sobre Beatrice Fairweather pela primeira vez... e ficara muito interessado. E é claro que esse homem teria de ser justamente o mais impossível de todos. Em que a senhorita Fairweather recusa sua quinta proposta de casamento — e acidentalmente destrói uma samambaia. — Se continuar recusando cavalheiros desse jeito, logo dirão que é feita de pedra — murmurou sua prima Charlotte, observando o bilhete meio amassado enfiado entre as folhas da samambaia. — Pois que digam — disse Beatrice, girando no calcanhar e se dirigindo à sala de leitura. — Pedras não se casam por obrigação. Charlotte correu atrás, segurando as saias do vestido. — Mas Algernon é gentil! E tem o queixo avantajado de um nobre! — O queixo dele chega no salão antes do próprio corpo. Além disso, ele escreveu "tulipas" com dois "L's". Charlotte, eu seria infeliz e envergonhada. Não há chá que cure isso. Charlotte, que não era conhecida por ser rápida com argumentos (nem com agulhas de costura), suspirou com pesar e desistiu. Beatrice, por sua vez, afundou-se em sua poltrona preferida, pegou um livro e, como de costume, abriu-o no meio — porque o começo raramente era interessante. Foi nesse exato momento que o destino, entediado como ela, decidiu se entreter às custas da senhorita Fairweather. — Lady Houghton! — anunciou o mordomo na porta. — Um mensageiro chegou. Diz estar a serviço do... Marquês de Hensley. A senhora Houghton, tia-avó de Beatrice, largou seu bordado (uma almofada em formato de pato, por coincidência) e levantou-se com a mesma graça de uma jarra de cerâmica. — O marquês? Ora, ora... isso é raro. Ele nunca aparece nesta parte respeitável de Londres. — Quem é o Marquês de Hensley? — perguntou Beatrice, franzindo o cenho. Charlotte respondeu com um brilho nos olhos. — Apenas o mais charmoso libertino da temporada. Dizem que já foi expulso de três clubes por rir alto demais e seduzir noivas alheias. E também por usar calças muito apertadas. Beatrice ergueu uma sobrancelha. — Sedutor, barulhento e com gosto duvidoso em vestuário? Perfeito. Já posso detestá-lo sem conhecê-lo. O tal mensageiro entrou, entregando um envelope com um brasão dourado. A senhorita Fairweather o pegou, relutante, e rompeu o lacre com cuidado. Dentro, um bilhete escrito com letra inclinada e uma caligrafia absurdamente confiante: "Senhorita Fairweather, Informaram-me que a senhorita é uma especialista em recusar homens de bom nome e posição. Estou curioso para saber o que fará com um homem como eu. Aguardando sua recusa com grande expectativa, Hensley." Beatrice leu três vezes. Depois levantou-se da poltrona com um olhar fulminante. — Quem, em nome de todas as samambaias que destruí, é esse homem? Charlotte, sorrindo, respondeu: — O próximo problema da sua vida. E, embora Beatrice não soubesse, Charlotte estava absolutamente certa.A noite caíra pesada sobre Londres, e junto dela uma tempestade se armava com fúria. O vento rugia pelas ruas estreitas, a chuva desabava em torrentes, e o trovão fazia tremer os vidros das janelas. Dentro da residência da tia Marigold, Beatrice mantinha-se em silêncio, olhando fixamente para o papel amarrotado que ainda guardava em sua escrivaninha. A carta que não fora destinada a ela queimava sua mente e seu coração em cada linha.Oliver havia tentado vê-la durante todo o dia, mas Beatrice, firme em sua resolução, recusara-o sem uma única palavra. Para ela, aquela carta era a prova de que tudo não passava de um jogo — mais uma conquista, mais um nome em sua lista.Do lado de fora, encharcado até os ossos, Oliver Cavendish não cedia. A tempestade não o afastava, tampouco a rigidez da jovem que amava. Montado em seu cavalo, ele parou diante da propriedade da tia Marigold, o coração batendo mais forte do que os trovões.— Senhor! — exclamou um criado, correndo até ele com um guarda-ch
Beatrice passava pela galeria de retratos na residência da tia Marigold quando um dos criados de Oliver se aproximou com uma reverência. — Milady, uma carta chegou para vossa senhoria.Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa. Não esperava correspondência e, curiosa, aceitou o envelope. A caligrafia era elegante, reconhecível: Oliver Cavendish. O coração da jovem disparou, ainda impregnado pela lembrança ardente do beijo que ele lhe roubara dias antes.Com dedos trêmulos, que misturavam ansiedade e nervosismo, ela rompeu o lacre. A leitura, porém, não trouxe o que imaginava."Minha querida, Nossas lembranças foram doces, mas preciso ser sincero: não posso continuar a enganar-lhe. Meu coração pertence a outro caminho, e não seria justo perpetuar ilusões. O encanto que compartilhamos deve agora ficar para trás. Adeus, Charlotte. — O. Cavendish"Beatrice empalideceu, os olhos correndo de uma linha a outra, como se tivesse lido errado. "Charlotte." O nome parecia queimá-la. Uma das paixõe
Beatrice acordou naquela manhã com a sensação de estar aprisionada dentro de um destino que não escolhera. As criadas já sussurravam sobre a pressa dos preparativos, os jornais não falavam de outra coisa além do beijo escandaloso no baile, e a cada instante ela sentia mais o peso da sociedade empurrando-a para o altar.Tia Marigold, naturalmente, estava exultante. Desde o instante em que Oliver Cavendish atravessara a porta para pedi-la em casamento, a boa senhora transformara-se em general, distribuindo ordens sobre vestidos, convites e datas, sem se importar com os suspiros exasperados da sobrinha.— Minha querida, quando menos perceber já estará casada e instalada em Hensley Hall. — dizia tia Marigold, abanando-se teatralmente. — Um destino invejável, devo acrescentar.Mesmo contra sua vontade, Beatrice sabia que precisava lidar com os detalhes do casamento. E o primeiro destino era a residência da condessa viúva de Cavendish, avó de Oliver — alguém que Beatrice conhecia bem e esti
A manhã seguinte trouxe consigo uma Londres sussurrante. As damas mais apressadas comentavam baixinho em lojas de chapéus, os cavalheiros cochichavam em clubes de cartas, e até os cocheiros, invariavelmente informados de tudo, trocavam olhares cúmplices ao citar um único nome: Beatrice Fairweather.Não houve demora para que os jornais discretos de sociedade — aqueles que preferiam alimentar fofocas do que fatos políticos — estampassem em suas colunas frases insinuantes: "Um beijo roubado em pleno baile de Lady Stanhope!". O escândalo havia se espalhado como fogo em palha seca.Beatrice, sentada na sala de visitas da tia Marigold, sentia o peso do olhar astuto da velha senhora sobre si. O bule de chá fumegava entre elas, mas a atmosfera estava longe de ser reconfortante.— Minha querida, — começou tia Marigold, ajeitando o lenço rendado sobre o colo, com a solenidade de uma juíza anunciando um veredito — temo que sua sorte foi selada ontem à noite.— Não me diga... — Beatrice murmurou,
O salão cintilava sob o brilho dos lustres de cristal, mas Beatrice mal percebia. Seu coração ainda pulsava em descompasso pela dança com o marquês. Cada passo que dera ao lado dele, cada olhar trocado, cada respiração compartilhada parecia ter gravado nele um traço invisível — como se estivessem ligados por uma força que nenhum dos dois ousava admitir em voz alta.Ela buscou refúgio perto de uma das grandes janelas, fingindo contemplar o jardim iluminado pela lua. A brisa noturna escapava pelas frestas, trazendo-lhe um frescor que não a acalmava em nada. Muito pelo contrário — fazia o sangue correr mais rápido, lembrando-a de que estava viva demais, consciente demais do efeito que Oliver Cavendish tinha sobre ela.Mas o próprio marquês não parecia disposto a deixá-la em paz. Como se tivesse sido atraído por um ímã invisível, aproximou-se com passos calculados, sua presença preenchendo o espaço ao redor dela antes mesmo de pronunciar qualquer palavra.— Fugindo de mim, senhorita Fairw
O salão da residência de Lady Wycliffe estava esplêndido naquela noite. Lustres faiscavam com centenas de velas, e o tilintar de risadas, conversas animadas e taças de cristal formava a sinfonia social mais aguardada da temporada. O baile havia começado há pouco, mas já se mostrava um campo de batalha tão perigoso quanto qualquer estufa secreta onde confidências eram trocadas.Beatrice Fairweather, por sua vez, não poderia parecer mais alheia às intenções ocultas que pairavam no ar. Estava deslumbrante em um vestido azul profundo, bordado em prata, que realçava o brilho de seus olhos e a graciosa firmeza de seus passos. A cada movimento, parecia que a sala se inclinava em sua direção, e não foram poucos os cavalheiros que se aproximaram com o desejo de garantir um espaço em sua lista de danças.— Senhorita Fairweather, concederia a honra desta valsa? — perguntou o Visconde Redford, inclinando-se com um sorriso persuasivo.Beatrice, em um gesto calculado, aceitou. A músic
Último capítulo