O sol da tarde, tímido e ameno, derramava seus raios sobre o jardim da casa da tia-avó de Beatrice Fairweather, onde a jovem se refugiava com frequência quando a sociedade londrina se mostrava especialmente sufocante — o que, convenhamos, acontecia quase sempre.
Era um desses dias em que o ar carregava um perfume misto de jasmim e hortelã, e as flores se exibiam em profusão, cada uma disputando a atenção da brisa como se fosse a mais bela do jardim. Beatrice estava sentada em um banco de ferro, coberto por um delicado encosto de treliça, com um livro apoiado no colo, mas a leitura já não a prendia. Sua mente vagueava, inquieta, remoendo os eventos recentes. A carta do Marquês de Hensley ainda repousava no criado-mudo ao lado de sua cama, e a proposta indecente que ela havia recebido naquela manhã martelava sua cabeça com uma insistência irritante. Como era possível que aquele homem, tão convencido, tão cheio de si, ousasse lhe fazer uma proposta tão... tão ridícula? Casamento por conveniência, com cláusulas absurdas e direito a quartos separados? Beatrice sentia-se como se tivesse sido jogada em um tabuleiro de xadrez cujas regras mudavam a cada instante — e, para piorar, ela não sabia se queria jogar ou fugir do jogo para sempre. Foi nesse momento de introspecção que ouviu passos firmes e inconfundíveis aproximando-se do jardim. Ela levantou o olhar para encontrar o Marquês de Hensley em pessoa, caminhando com aquele ar que só ele tinha — uma mistura impossível de arrogância e descontração, como se cada passo fosse coreografado para chamar atenção, mesmo que involuntariamente. — Senhorita Fairweather — saudou ele, com um sorriso que poderia ser perigoso se não fosse tão encantador. — Espero não estar interrompendo sua meditação profunda. Beatrice ergueu uma sobrancelha e fechou o livro com um estalo deliberado. — Milorde, não me parece que interromper alguém que está pensando em suas artimanhas seja algo a se lamentar. Ele riu, um som cálido que parecia dissolver qualquer tensão no ar. — Sempre tão afiada. Que devo fazer para merecer tal recepção? — Talvez desistir da ideia absurda desse casamento. Hensley fez uma expressão teatral de ofensa. — Meu coração está partido. — O meu, intacto — respondeu ela, cruzando os braços. Ele se aproximou, sentando-se ao lado dela no banco de ferro. O sol que antes parecia tímido agora reluzia, iluminando os olhos azuis dele que a observavam com um misto de desafio e curiosidade. — Vamos ser sinceros, Beatrice. Nenhum de nós quer isso por razões românticas, não é? Ela hesitou, surpresa pela franqueza inesperada. — Devo admitir que não. — Eu também não. Minha reputação está em jogo. O tio Reginald me ameaça como um carrasco medieval, e minhas mesadas estão em risco. Ela permitiu-se um sorriso. — Portanto, estamos presos por interesses que nos fazem rir e chorar ao mesmo tempo. Ele assentiu. — Exatamente. Um matrimônio de conveniência, para evitar escândalos e manter as aparências. E, talvez, no meio disso tudo, possamos ao menos evitar odiar um ao outro. Beatrice soltou uma risada curta, meio incrédula. — Evitar odiar? Que ambição modesta para um casamento. Hensley deu de ombros, com um sorriso maroto. — Modéstia nunca foi minha virtude. Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos, observando o vai e vem das folhas e o balançar das flores. Beatrice sentiu algo que não sabia nomear — uma mistura estranha de irritação, curiosidade e, ousava admitir, um pouco de fascínio. — Conte-me, milorde — pediu ela, com um tom provocador —, o que espera dessa aliança? Apenas um contrato social ou algo... mais? Hensley a olhou com uma intensidade que fez seu coração acelerar. — No começo, um contrato. Mas não posso negar que a ideia de realmente conhecer você — com todas as suas defesas e desafios — é uma perspectiva intrigante. Ela desviou o olhar para o jardim. — Conhecer-me? Não é exatamente tarefa fácil. — Desafio aceito — disse ele, erguendo a sobrancelha. Foi então que a criada da casa, Mrs. Milton, interrompeu a conversa com um convite para o chá da tarde, que já estava servido no salão. — Senhorita Fairweather, milorde — anunciou ela, com um sorriso educado —, o chá está pronto. Beatrice levantou-se, ainda com o olhar fixo em Hensley. — Muito obrigada, Mrs. Milton. Ao caminhar para dentro da casa, sentiu o olhar dele em suas costas e percebeu que, apesar da proposta indecente e do temperamento difícil, aquela conversa no jardim talvez fosse o início de algo que nem mesmo ela poderia prever. No salão, enquanto as xícaras tilintavam e o aroma de bergamota preenchia o ar, o clima entre Beatrice e Hensley parecia menos tenso do que de costume. — Confesso que não esperava uma proposta tão direta — comentou Beatrice, mordendo delicadamente a borda da xícara. — Há um quê de audácia nisso tudo. Hensley deu um sorriso ladeado de um leve arquejar. — Audácia é meu segundo nome, logo depois de 'escândalo'. Ela revirou os olhos, mas não conseguiu evitar sorrir. — O que me intriga é o quão sinceramente você parece acreditar que posso aceitar essa loucura. — E por que não deveria acreditar? — retrucou ele, olhando-a fixamente. — Porque não sou uma mulher que se dobra facilmente — disse ela, firme. — E também porque nunca fui conhecida por aceitar propostas indecentes, ridículas ou imprudentes. Ele riu, e o som era contagiante. — Que bom. Gosto de um bom desafio. Foi quando a avó do Marquês, a Condessa de Merivale, entrou na sala, vestida com sua habitual elegância austera. — Espero não estar interrompendo — disse a condessa, lançando um olhar perspicaz para os dois. Beatrice inclinou-se respeitosamente. — Condessa, é uma honra recebê-la. A condessa sorriu levemente. — Ouvi falar da proposta do meu neto. Devo dizer que admiro a coragem de ambos. Hensley fez uma careta divertida. — É mais uma necessidade do que coragem, minha senhora. A condessa cruzou os braços. — Bem, espero que este casamento, por mais estranho que pareça, possa trazer a ambos algo mais do que apenas uma união de conveniência. Beatrice e Hensley trocaram um olhar que misturava surpresa e entendimento. — Também espero — disse ele, com um sorriso enigmático. Nas semanas seguintes, os preparativos para a temporada social começaram a tomar forma. Beatrice se viu envolvida em reuniões com costureiras, escolhas de vestidos e um turbilhão de pensamentos contraditórios. Por vezes, encontrava-se refletindo sobre a proposta do Marquês, tentando entender por que aquela ideia que deveria ser tão desagradável, na verdade, despertava nela uma mistura de curiosidade e expectativa. E, em dias como aquele no jardim, quando conversavam sem rodeios, ela sentia que, talvez, pudesse haver algo além do escândalo e das cláusulas ridículas — algo que nem ela nem ele ousavam admitir. Mas a sociedade não descansava, e o caminho para a aceitação daquela união seria cheio de desafios, mal-entendidos e, claro, muitas conversas inconvenientes.