Elisa sempre soube que o poder corria em seu sangue — mas ser aprendiz de xamã nunca a preparou para o que viria com Kael. Quando o jovem herdeiro e guerreiro chega à vila em busca da ajuda da mãe de Elisa para desfazer um feitiço antigo, tudo parece seguir o curso da tradição. Até que algo dá errado. Muito errado. Forçados a lidar com as consequências de uma magia que saiu do controle, Elisa e Kael se veem entrelaçados por um destino que nenhum dos dois escolheu. Segredos antigos emergem, promessas são testadas e, no coração da floresta, uma força esquecida desperta. Agora, entre desconfianças, poderes incontroláveis e sentimentos que não deveriam existir, os dois precisarão decidir: confiar um no outro... ou deixar que o mundo se quebre ao redor deles.
Ler maisO silêncio dele me irritava. Não por ser cruel… mas por esconder coisas que eu queria entender. Kael sempre foi assim — frio, calculado, cheio de barreiras invisíveis. Mas hoje, quieto, alguma coisa nele parecia... instável. Como se o controle que ele tanto prezava estivesse começando se rachar de algum modo.— Você sente alguma coisa ou só finge muito bem? — minha pergunta saiu antes que eu pensasse. Dura. Mais do que deveria.Ele não respondeu de imediato. A mandíbula travou, os olhos fixos em mim, e por um segundo, achei que ele fosse embora. Mas ele ficou.— Cuidado com o que você quer saber, Elisa — disse baixo, como uma ameaça disfarçada de conselho.Engoli seco. Meu coração acelerou, mas eu não desviei.— Eu só quero a verdade — sussurrei. — Por pior que seja.Ele deu um passo à frente. Não era agressivo, mas havia uma tensão no corpo dele. Como se estivesse lutando contra algo dentro de si.— A verdade? — murmurou. — A verdade é que eu sinto. Mais do que deveria. Mais do que e
Não consegui responder. Não consegui sequer permanecer na mesma sala. Saí sem dizer mais nada, sem saber para onde ir — apenas andei. Meus pés me guiaram até os jardins internos do castelo, onde a lua pendia, cheia, sobre o céu silencioso. O ar estava frio. Mas era um frio bom. Despertava.Sentei num banco de pedra coberto de musgo. Os sussurros tinham cessado. Ou talvez tivessem apenas se escondido, esperando que eu respirasse fundo o bastante para ouvi-los de novo.Foi aí que ouvi passos. Calmos. Determinados.— Sabia que te encontraria aqui — disse Kael, surgindo entre as sombras.Meus olhos o buscaram sem querer. Ele estava mais sereno, menos implacável, como se tivesse deixado parte do peso que carrega nos ombros em outro cômodo.— Não consegui dormir — confessei.— Eu também não. — Ele olhou para o céu e depois para mim. — Muitas perguntas, poucas respostas.Ficamos em silêncio por alguns instantes. O tipo de silêncio que fala demais.— Disseram algo hoje — murmurei —, algo que
Um som seco cortou o silêncio da noite — não alto, mas o bastante para fazer Kael se virar com a mão discretamente indo até a adaga presa à cintura.Passos apressados. Respiração acelerada.Mirena surgiu entre os corredores de pedra, a capa oscilando com o vento e os olhos firmes, como se já soubesse onde estávamos.— Precisamos conversar. Agora. — Sua voz não admitia recusa.Kael franziu o cenho, mas assentiu com um leve movimento de cabeça. Seguimos os dois até uma área mais reservada, nos fundos do palácio, onde nenhuma música ou vela alcançava.— Recebi uma resposta. — Mirena disse, sem rodeios, já sacando um pequeno amuleto de madeira do bolso da túnica. — E não veio da realeza… nem de dentro do castelo.Kael estreitou os olhos.— Como assim?— O rastro da maldição… tem cheiro de floresta antiga. Velha magia. Não é feita por mãos nobres, nem por quem se senta em tronos.Elisa olhou para ela, surpresa.— Então… não foi alguém da corte?— Não. Foi alguém esquecido. Escondido. Talve
Continuei ao lado dele, mas o sussurro ainda vibrava dentro de mim como uma nota presa no ar. Para não me perder naquele mistério — ou em seus olhos intensos demais —, decidi fugir para uma direção mais segura.— Você sempre foi assim… tão sério? — perguntei, sem encará-lo diretamente.Kael arqueou uma sobrancelha.— Acha isso um defeito?— Não. — sorri de lado. — Só curioso. Príncipes não deveriam ser mais… encantadores?— Encanto é uma armadilha, Elisa. Prefiro ser lembrado pela clareza, não pela sedução.— Isso soa… solitário.Ele parou. E eu também.Por um instante, achei que ele fosse encerrar a conversa com um silêncio cortante. Mas, surpreendentemente, ele respirou fundo, como se ponderasse sobre ser um pouco menos... implacável.— Crescer no palácio é como viver em uma vitrine. Todo gesto tem eco. Toda fraqueza vira história. E eu sou o filho que restou, o que carrega o trono antes mesmo de sentar nele.Sua voz era firme, mas havia um peso. Algo não dito.— Deve ser exaustivo
O quarto estava silencioso quando retornei. As tochas já haviam sido apagadas, restando apenas a brisa suave da madrugada passando pela janela entreaberta. O perfume do baile ainda grudava na minha pele, assim como a lembrança do toque dele.Kael.A dança não deveria significar nada. Mas o modo como ele me olhou, como seus dedos seguraram os meus com firmeza medida, como se... como se controlasse o próprio desejo de ser mais do que o príncipe implacável que todos conheciam — isso me perseguia agora.Sentei-me à beira da cama, descalçando os sapatos com gestos lentos. A noite parecia um fio prestes a se partir entre o que conhecia de mim... e o que começava a emergir sem controle.Ouvi passos leves se aproximando. Não precisei me virar.— Mirena. — murmurei.Ela entrou com a naturalidade de quem já sabia que eu estaria acordada.— Não dorme quando o coração dança mais que os pés, não é, menina?Sorri com cansaço.— Ele é... estranho.— Kael é moldado em ferro e silêncio. Mas até o ferr
A música mudou para algo mais leve, quase alegre, contrastando com a atmosfera carregada que eu sentia. A corte parecia se mover como um balé ensaiado há gerações — damas girando como pétalas, cavalheiros fazendo reverências tão polidas quanto previsíveis.Observei tudo à margem do salão, sentindo-me uma nota dissonante em meio à perfeição orquestrada. Ainda assim, ali estava eu, com o coração acelerado e o olhar procurando respostas em rostos que não conhecia.— Senhorita... — uma voz masculina soou ao meu lado. — Concederia-me esta dança?Virei devagar. Era um rapaz loiro, um pouco mais jovem que Kael, com um sorriso seguro e modos treinados. Não parecia ameaçador — nem tão presunçoso quanto outros que vi naquela noite.Assenti com um leve sorriso, mais por educação do que vontade real.Ele me guiou até o centro, e os primeiros passos se encaixaram no compasso da música. Eu não era uma dançarina, mas sabia o suficiente para não tropeçar.Enquanto girávamos, ele falou:— É de alguma
Último capítulo