Naquela noite, não dormi.
Fiquei escutando o ranger do vento entre as folhas, o crepitar da lenha e o eco das palavras dele. Kael. Príncipe. Maldição. Herdeiros mortos. Um baile. Tudo soava como um conto contado para assustar crianças, mas os olhos dele não mentiam. Eles carregavam morte e necessidade em medidas exatas. Mirena parecia não se afetar. No dia seguinte, colhia ervas como se fosse um dia comum, e assobiava como se o mundo não tivesse acabado de entrar por nossa porta com botas de ouro. — Então… você já aceitou? — perguntei. Ela nem me olhou. — Não foi uma pergunta. — disse. — E eu? — rebati, cruzando os braços. — Não devia ser uma escolha minha? Mirena parou, segurando um punhado de folhas escuras. — Elisa… Você nasceu quando a lua estava partida. A mesma lua que nasceu no dia em que a antiga linhagem do Norte caiu. Sabe o que isso significa? — Que sou azarada? Ela riu, sacudindo a cabeça. — Que você pertence aos entre-lugares. Às brechas. E às missões que não escolhemos, mas que nos escolhem. O baile é só o começo. Você verá. Soltei o ar devagar. O gosto da resposta dela era amargo como losna. — E o príncipe? — Não olhe para ele como homem. Não ainda. Ele é só um presságio. Mirena não esperava que eu compreendesse. Só que eu aceitasse. Duas noites depois, partimos. Kael mandou dois cavalos negros, com arreios pesados e adornos que diziam “não nos pare”. Enquanto cavalgávamos, ele quase não falava. Parecia mais preocupado com os pensamentos do que com a estrada. Às vezes, seus olhos cruzavam os meus, mas desviavam rápido. Como se eu fosse uma peça que ele não sabia encaixar. Eu deveria apenas observar. Ajudar. Conversar com as moças do baile. Usar o que aprendi com Mirena para ver quem era verdade ou armadilha. Mas, no fundo, algo já sussurrava — mesmo que eu ainda não ouvisse claramente: "Você não foi escolhida para ajudar. Você foi escolhida para mudar o final." Claro! Vamos avançar para a chegada ao castelo. A ambientação será rica em tensão, contrastando o silêncio de Kael com a intuição de Mirena, que começa a sondar possíveis origens da maldição — sugerindo que o veneno talvez venha de dentro da própria realeza. Chegamos ao castelo pouco depois do pôr do sol. Os portões se abriram com um ranger grave, como se a pedra soubesse que estava prestes a engolir algo sagrado demais para estar ali. As tochas tremeluziam douradas contra a noite que caía pesada, e cada cavalo parecia hesitar antes de cruzar os arcos altos. Kael desmontou primeiro, frio como sempre. Mirena olhou para cima, para as torres que cortavam o céu, e murmurou algo que não entendi. Algo na língua antiga. Algo que fez minha pele arrepiar. — Elisa, não se esqueça... O silêncio também fala — ela disse baixo, como se o castelo pudesse ouvir. Nos instalaram em um setor antigo da ala leste, próximo à estufa de plantas medicinais. Era claro que Kael havia dado ordens para que ficássemos longe do coração do palácio. E, mesmo assim, eu sentia que estávamos exatamente no centro do labirinto. Naquela mesma noite, Mirena foi chamada para conversar com o príncipe. Insistiu para que eu não fosse junto. — Nem tudo se escuta com os ouvidos — disse, antes de desaparecer pelas escadarias de pedra. Eu esperei. Muito tempo depois, ela voltou. O olhar dela estava diferente — não cansado, mas atento. Como se tivesse visto algo que ainda estava processando. — O que ele disse? — perguntei. — Que confia mais no meu julgamento do que nos próprios conselheiros. E que se houver algo envenenando as raízes do trono, eu devo encontrar. — E você acha que a maldição veio da realeza? Ela hesitou. Pela primeira vez. — Ninguém com tanto poder sofre sozinho por tanto tempo. Alguém tem interesse em que o sangue real seque antes de gerar frutos. Alguém... que vive aqui dentro. — seu olhar era cortante. — E talvez tenha sangue azul nas veias. Fiquei em silêncio. — O que vai fazer? — perguntei por fim. Mirena me olhou, como se a resposta já estivesse em mim. — Observar. Escutar. Sentir. E você fará o mesmo. Não se engane, Elisa. As mulheres que dançarão no baile não são apenas candidatas. Algumas são jogadoras. Outras, armadilhas. E talvez… eu também fosse.