O castelo parecia um pouco mais vivo à noite.
Não pelo som que emitia, mas pela ausência dele. Os corredores escuros sussurravam segredos, e cada vela acesa parecia guardar lembranças de coisas que ninguém mais ousava dizer em voz alta. Caminhava sem rumo, guiada pelo incômodo que me fazia querer sair do quarto. A pedra fria sob meus pés e o tecido leve do manto sobre os ombros. Eu precisava respirar. Foi então que o vi. Sozinho, parado diante de uma antiga escultura de bronze — um cavalo alado com uma asa quebrada. Os olhos fixos, como se buscasse respostas no metal mudo. — Não sabia que príncipes apreciavam estátuas tristes — comentei antes de cogitar em pensar. Ele não se virou de imediato. Só depois de um longo silêncio, sua voz veio, baixa e contida. — Às vezes, é nelas que vemos o que escondemos de nós mesmos. Me aproximei um pouco. Não por coragem — mas por impulso. — E o que você vê aí? — Algo que tentou voar. E falhou.— Ele responde. — Talvez só esteja esperando a asa crescer de novo. Ele finalmente se virou. Os olhos escuros encontraram os meus com precisão desconfortável. Havia firmeza ali... e algo mais. Algo ferido, oculto sob camadas do seu próprio controle. — Você acredita nisso? Em reconstrução? — Eu vivo com uma mulher que vê o futuro e ainda assim planta flores como se tivesse todo o tempo do mundo. Então... sim. Eu acredito. Um traço de sorriso surgiu em seu rosto, mas não tocou os olhos. — Você fala demais para alguém que foi trazida como observadora. — E você guarda demais para alguém que está cercado de perguntas.— Saiu tao fácil dos meus lábios que só reparei depois. O silêncio se alongou. — Por que veio até aqui? — ele perguntou. — A verdade? Eu precisava fugir do peso do meu próprio nome. — dei de ombros — E você? — Eu nunca fugi. Só aprendi a fingir que o peso não existe. — Isso funciona? — Às vezes. Quando ninguém está olhando. Nos encaramos. Não havia mais nada entre nós além da escuridão, do mármore frio e de tudo o que não estava sendo dito. — Sua mãe de criação acredita que nada é por acaso — ele disse, num tom quase irônico. — Acha que nossa conversa estava escrita em algum chá? — Talvez — sorri de leve — Ou talvez o destino tenha um senso de humor. Ele deu um passo à frente. A proximidade trouxe uma tensão densa, como se o ar tivesse se contraído. — Não brinque com o destino, Elisa. — Não estou brincando. — Está tentando entender quem sou? — Não... — respirei fundo, com firmeza — Só tentando lembrar quem eu sou, mesmo diante de alguém como você. Kael pareceu vacilar por um segundo. Foi quase imperceptível, mas eu vi. Ele então desviou o olhar, voltando à escultura. — Boa noite, Elisa. — Boa noite, príncipe. Quando me afastei, o sussurro veio pela primeira vez. Baixo. Quase imperceptível. Como se não viesse de fora... mas de dentro. "Ele também sangra. Só não aprendeu a mostrar." De alguma forma, tudo parece ser confuso.