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Sussurro de Promessas
Sussurro de Promessas
Por: Ana Gonzaga
Capítulo Um- Filha do silêncio

Elisa

Eu não tenho lembranças de onde vim.

Nenhum rosto que me espere na memória. Nenhum nome que me pertença além daquele que Mirena me deu: Elisa.

Ela dizia que fui deixada à sua porta como um presente da floresta. Enrolada em uma manta antiga, com os olhos bem abertos — como quem já sabia demais para ser apenas um bebê.

Cresci entre ervas, chás e silêncios.

Na vila, chamavam Mirena de sábia. Ou de bruxa, quando estavam com medo. Para mim, ela sempre foi apenas... casa.

Não éramos sangue, mas o destino nos costurou juntas com linhas invisíveis.

Eu aprendia mais com o vento do que com palavras.

Mais com o olhar de Mirena do que com qualquer lição.

Ela dizia que certas meninas nascem para ver o que outras não veem. Eu não entendia o que isso queria dizer. Só escutava. Só sentia.

Enquanto outras moças sonhavam com bailes, vestidos e beijos escondidos, eu sonhava com estrelas que sussurrava em idiomas que eu ainda não sabia traduzir.

Sempre senti que havia algo me esperando — mas nunca soube o quê.

E foi assim que vivi.

À margem da aldeia, entre poções, presságios e o som da floresta que, vez ou outra, parecia me chamar pelo nome.

Mas o silêncio... o silêncio sempre me contou segredos.

Foi numa manhã em que o orvalho demorou demais a evaporar e os pássaros silenciaram antes do sol alcançar as copas.

Mirena parou diante da porta com os olhos fechados, o corpo firme como pedra. Eu a observava, sentindo o peso do ar ao nosso redor.

— Algo vem. — disse ela, num sussurro que não era medo, mas certeza.

Ela não olhou para mim ao falar. Apenas se moveu em direção às prateleiras, separando ervas com os dedos calejados, como quem se prepara para um visitante que ela já conhecia.

— O quê? — perguntei, mesmo sabendo que, com Mirena, raramente há respostas diretas.

— Não é o quê, Elisa. É quem. — Ela se virou então, olhos fincados nos meus. — E ele muda tudo.

Fiquei em silêncio. Era o que fazia de melhor.

— Vista-se com o manto azul. — continuou ela. — O que chega até nós carrega coroa... e maldição.

A forma como falou me fez gelar por dentro. Não por medo, mas porque... por um instante, senti algo dentro de mim estremecer. Como se uma porta que eu não sabia que existia tivesse se entreaberto.

O céu ficou cinza.

As folhas dançaram com o vento.

E dentro de mim, algo sussurrou. Fraco. Distante. Quase um eco.

Mas ainda não consegui entender as palavras.

Mirena começou a preparar o chá sem pressa, como se o tempo estivesse nas mãos dela — como sempre esteve.

— Há caminhos que se abrem sem que a gente deseje. — ela disse, mexendo a infusão com sua colher de madeira escura. — E há aqueles que só se revelam quando o destino cansa de esperar.

Sentei-me à mesa, observando seus movimentos, o som da chaleira ecoando na pequena cabana, abafado pelas paredes de pedra e silêncio. Eu conhecia esse ritual. Mirena só preparava aquele chá quando o mundo à nossa volta estava prestes a mudar.

— Ele é filho de um reino — continuou, quase para si mesma. — Mas carrega sombras como se fosse feito delas.

— Quem? — perguntei de novo, mesmo sabendo que ela raramente respondia com nomes.

— Alguém que ainda não sabe o que procura… mas virá até mim como se já soubesse. E você, menina... — seus olhos finalmente encontraram os meus, duros, profundos — você vai enxergar o que ninguém mais verá.

Franzi a testa, incomodada com aquele tom profético.

— Eu não sou como você. Não vejo o que vê.

Ela riu baixo. Não de deboche — era o riso de quem já viu o tempo dar voltas demais.

— Não ainda, Elisa. Mas vai ouvir. E quando isso acontecer... não tente calar os sussurros. Eles sabem mais do que nós.

Fiquei quieta. O chá borbulhava, e lá fora o vento ficou mais denso, pesado, como se alguém estivesse chegando montado nas nuvens.

Mirena levou a xícara até mim.

— Beba. Vai precisar de firmeza. Quando os olhos dele cruzarem os seus, o destino vai reconhecer você.

— Destino não vê — murmurei, teimosa.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Ah, vê sim. E sussurra. Basta estar disposta a escutar.

E foi ali, naquela pausa entre as palavras e o primeiro gole de chá... que um arrepio me subiu pela nuca.

Algo, ou alguém, se aproximava.

E o mundo como eu conhecia, ainda que pequeno e quieto, começava a se dobrar.

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